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?É mais educativo ter uma professora a olhar por nós!

Actividades de enriquecimento curricular

Há um contentor estacionado no recreio. Ocupa algum espaço às brincadeiras, mas a criançada não se importa. Sobra muito cimento livre para os jogos de futebol. A Escola Básica do 1º ciclo da Constituição, no Porto, é pequena para tanta turma. Três funcionam em horário normal (das 9h às 12h e das 13h30 às 15h30) e quatro em desdobramento (das 8h15 às 13h15 e das 13h30 às 18h30).
A solução para pôr em funcionamento as Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC) foi a de erguer o tal contentor. O nome tira qualidade à estrutura, mais aconchegante do que a nomenclatura deixa antever. Não deixa de ser uma sala de aula pré-fabricada mas os alunos estão bem instalados. A escola organizou aulas de inglês, música, actividades desportivas, expressão dramática e xadrez. Por dia, cada turma tem duas AEC de 45 minutos.
A aula de Inglês da turma do 4º ano estava a terminar quando entramos. A professora Sheila Borges pede aos alunos que permaneçam ?sit down? [sentados]. Formou-se para dar aulas no 3º ciclo e ensino Secundário, pela Faculdade de Letras, da Universidade do Porto. Para estar mais apta a leccionar no 1º ciclo, Sheila Borges frequentou um curso de especialização naquela instituição. Sobre a apetência dos alunos pela aprendizagem do idioma a professora não hesita: ?Do ponto de vista pedagógico captam muito melhor a pronúncia inglesa nestas idades!?

Tardes menos rotineiras

Este é o segundo ano que a turma tem aulas de inglês, o à-vontade da turma já é notório. ?Pergunte-lhes qualquer coisa!?, desafia a docente ao ver a turma a querer mostrar o que sabe. Comecemos pelo básico, ainda que nos digam que já sabem ?montes de coisas?: ?What?s your name?? Victor tem 10 anos e se não estivesse a ter aula de inglês estaria no ATL do Bom Pastor. A sua preferência recai sobre a escola.            ?No ATL não se faz quase nada!?, diz com algum aborrecimento. Flávia, 8 anos, não concorda com o colega com quem frequenta a outra instituição. ?No ATL também tínhamos actividades de música...? Com os alunos a passar as tarde na escola, o centro de actividades de tempos livres cumpre uma função mais restrita. A de ir buscar os alunos à escola no final das AEC e os transportar numa carrinha até às suas instalações. É aí, que os pais os vão buscar à hora de saída do emprego.
O programa de Beatriz, 9 anos, não seria mais animado. ?Se não estivesse aqui, estava em casa da minha avó ou com a minha mãe que está desempregada.? Por isso, prefere passar a tarde ?ocupada? e diz sem pestanejar: ?Acho que é mais educativo ter uma professora a olhar por nós!? Mafalda e Catarina, 8 anos, concordam com a amiga. As irmãs, gémeas falsas, explicam que também estariam com a avó, não fossem as AEC. ?E também não tínhamos nada para fazer...?, diz Catarina. A irmã relata a rotina da tarde: ?Chegávamos a casa da avó, fazíamos os deveres e íamos ver televisão, às 19h30 a minha mãe ia-nos buscar, víamos televisão, tomávamos banho e pronto...? Beatriz que está atenta ao relato das amigas intervém: ?Assim ao menos temos mais actividade, algumas coisas são difíceis, mas estamos aqui é para aprender!?
Maria Guida, coordenadora do estabelecimento de ensino não podia estar mais entusiasmada com a implementação das AEC. Vê esta oferta educativa como uma maneira de atenuar as desigualdades sociais que diferenciam os alunos. ?A maioria dos pais não tem condições económicas para proporcionar aos filhos aulas de inglês, de música e de actividade desportiva.?

Pais pouco entusiasmados

Mas, o entusiasmo dos alunos contrasta com o cepticismo dos encarregados de educação. São 16h30 e à porta da EB 1 da Constituição juntam-se algumas mães. Vieram buscar os filhos. Gostavam que estes pudessem ter o tempo ?mais ocupado?. Dizem quase em uníssono.
Uma avó espera pelo neto. Queixa-se de nem sempre conseguir chegar às 17h30, hora em que terminam as actividades. ?Perguntei se me podiam ficar com o miúdo por mais meia hora e disseram-me que não?, diz contrafeita por ver que ?a escola não está a facilitar a vida aos encarregados de educação?. 
Uma mãe que vem buscar o filho diz à boca pequena não ver ?grande necessidade? que o filho tenha actividades desportivas pois este já pratica natação. Em vez disso, comenta a encarregada de educação: ?Devia ter mais acompanhamento no estudo e apoio nos trabalhos de casa.?
Outra das queixas das mães é dirigida às refeições, feitas na escola. ?No ATL havia sempre quem olhasse por eles e visse se comiam ou não, aqui não vejo que isso aconteça.? Preocupam-se essencialmente com a ?segurança? posta em causa pelo que dizem ser a ?falta de funcionárias? que ?tomem conta das crianças?, nos intervalos e durante a hora do almoço. Quanto ao horário das actividades, o encerramento da escola às 18h seria o ideal. ?Agora estou desempregada, posso vir buscar a minha filha às 17h30, mas e depois??, questiona outra mãe.

Menos tempo nos ATL?s

O alargamento do horário de fecho das escolas para lá das 17h30 é uma questão várias vezes colocada. Sobretudo entre os pais cujo horário laboral não lhes permite ir buscar os filhos à escola tão cedo. É neste intervalo que se desempenha o papel das entidades privadas de promoção de actividades de tempos livres.
A par das AEC, trinta e um alunos da EB 1 da Constituição frequentam o ATL no Patronato da Nossa Senhora da Nazaré a alguns quarteirões de distância do estabelecimento de ensino. Graça Teixeira é a educadora responsável pelas actividades dos alunos dos seis aos dez anos. É a ela que cabe a responsabilidade de ir buscar e levar os ?meninos? à escola. 
?Tivemos que nos adaptar às preocupações dos pais em torno da segurança de quem vai acompanhar os filhos à escola?, refere a educadora. A introdução das AEC fez aumentar o número de deslocações entre a escola e o ATL de quatro para sete. ?Foi uma complicação muito grande?, queixa-se Graça Teixeira. A confiança dos pais não é abalada pelo facto de as trajectórias serem feitas a pé.
O horário de abertura às 7h da manhã permite aos pais deixar os filhos no ATL para entrarem às 8h15 ou às 9h na escola. No fim do dia, o encerramento às 19h30 permite o inverso: o regresso ao ATL após o término das aulas, seja às 17h30 ou às 18h30. A pedido dos pais o ATL continua a assegurar as refeições. ?As nossas ementas são feitas por uma nutricionista?, adianta Margarida Vieira, directora daquela instituição. 

O problema dos TPC?s

O apoio ao estudo e o acompanhamento na realização dos trabalhos de casa (TPC?s) foi sempre uma das funções mais importantes dos centros de actividades de tempos livres. Uma exigência parental à qual o ATL do Patronato da Nossa Senhora da Nazaré sempre correspondeu. ?As crianças chegam da escola carregadas de deveres e apesar de não nos caber a supervisão e o acompanhamento do estudo os pais puderam sempre contar com isso?, assegura a directora do Patronato. 
É a pensar no tempo retirado pelas AEC à realização dos TPC?s e ao estudo que ocupava as tardes das crianças no ATL, que Graça Teixeira, educadora, antevê a anulação de várias inscrições entre os alunos que aderiram à nova oferta educativa. ?Se o aproveitamento escolar começar a baixar, em relação a anos anteriores, muitos pais vão tirar as crianças das AEC!? Entre a escola e os ATL está instalada a disputa. Resta esperar pelas notas do primeiro período para ver quem ganhará os alunos.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 161
Ano 15, Novembro 2006

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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