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A exuberância das novas figuras profissionais

O TEMPO DAS EXUBERÂNCIAS II

A escola e a educação em geral têm-se confrontado com uma superabundância de acontecimentos (Augé, 1998) e que se traduzem em relações ambíguas com o poder e com a autoridade. Esta superabundância que consegue estipular, mais uma vez em simultâneo, liberdades e vigilâncias, faz com que os actores e as actoras da escola, e em particular professores e professoras, não se reconheçam em espaços que julgavam familiares. Vive-se num permanente registo de Estranheza. Esta ausência de familiaridade com as coisas poderia até ter efeitos benéficos, na medida em que uma estranheza analítica nos permitiria uma outra escuta daquilo que nos rodeia. No entanto, verifica-se que o sentimento instalado é o da ausência de controlo e o clima de desconfiança não é promotor de predisposição para a mudança, principalmente se a discussão se dirigir para o discurso da rentabilização de recursos e de tempos.
A autoridade, de que tanto se fala relativamente aos professores e às professoras, normalmente dando-se como perdida, fragiliza-se precisamente na tensão entre a incontrolabilidade de fenómenos e o clima de expiação mútua entre várias instâncias de poder, nomeadamente entre o Estado e a Escola.
A autoridade não pode existir sem uma afirmação clara dos compromissos e do objecto desses compromissos e, portanto, ela está em perigo, sempre que se diluem os referenciais sociais ou as prioridades políticas, ou quando se diluem os referenciais que asseguram o Princípio da Identidade.
Sendo a autoridade constituída através da legitimação da acção e da palavra, o que poderia ser interessante seria compreender como tem vindo a ser construída a legitimidade dos professores e das professoras: se por referência à dimensão pedagógica, se por referência aos saberes disciplinares. Segundo François Dubet (2005) a legitimidade que conferia uma autoridade ao/à professor/a baseava-se no saber. Ora, esta legitimidade já não funciona na escola tal e qual ela hoje se nos apresenta. Reconhece-se, então, a desactualização das configurações que a profissão de professor/a foi assumindo. E, se por um lado, há o reconhecimento social dos/as professores/as pelos papéis diversos que podem desempenhar não se incluem nesses discursos ou, pelo menos, não de uma forma visível, aquilo que deveria conferir mais sentido à profissão de professor/a que é o seu papel na relação pedagógica e na relação de ensino aprendizagem, enfim, de educação. Estas dimensões são amplamente esquecidas nas várias partes envolvidas em debate.
Os problemas da autoridade profissional residem ainda numa ausência de reconhecimento que se torna mais visível quando o modelo de escola é atribuído e não reclamado, quando a identidade profissional é atribuída e não reclamada (Magalhães, Stoer, 2002:7). Não se confunda aqui poder com autoridade. O poder exige sempre mais poder para sobreviver, ou mais pequenos poderes que reclamam jogos de sedução para se perpetuarem. A autoridade, como lembra António Nóvoa (2005), não se baseia no poder de sedução, baseia-se no esclarecimento de regras sociais, de regras de negociação e de distribuição dessa mesma autoridade.
Mas a questão que se coloca é: como construir a autoridade se a experiência é desvalorizada socialmente. Quando se fala em flexibilidade, não se está realmente a falar da perda do valor das experiências (Fortuna, 2001: 17) e, portando, na perda de legitimidade para a decisão?
Assim, a par daquilo que é o discurso da flexibilidade e da capacidade de adaptação, onde se pode antever uma porosidade que permite a integração de novas realidades e de novas visões sobre os objectos, existe uma redução dos espaços e dos tempos vazios.
Tanto o Despacho 17387/2005 de 12 de Agosto ? Regras e princípios orientadores a observar na organização do horário semanal do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, como o Despacho 16795/2005 de 3 de Agosto ? que define as normas a observar no período de funcionamento dos estabelecimentos de ensino público onde funciona o 1º CEB e pré-escolar, acentuam as funções técnicas dos/as professores/as e educadores/as. Aqui não está em causa apenas a adaptação a novas situações, mas a perda da «noção de estabilidade», sendo «a vida feita de sucessivos agoras e de recomeços contínuos» (Fortuna, 2001: 17). Deparamo-nos, então, com o aparecimento de uma sensação de ilegitimidade em espaços e tempos sobre os quais se tinha um controlo mínimo.

Referências Bibliográficas

  • Augé, Marc (1998) Não-Lugares. Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade. Venda Nova: Bertrand Editora.
  • Dubet, François (2005) «Donner Autant a Ceux qui Ont Moins» (Entrevista a François Dubet), Cahiers Pédagogiques, 429-430.
  • Fortuna, Carlos (2001) «Prefácio à Edição Portuguesa». In Richard Sennett, A Corrosão do Carácter: As Consequências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. Lisboa: Terramar.
  • Nóvoa, António (2005) «A Autoridade Não se Impõe, Conquista-se» (Entrevista a António Nóvoa), Diário de Notícias, 28 de Novembro.
  • Stoer, Stephen; Magalhães, António (2002) «Repensando a Escola da Modernidade e a Modernidade da Escola», Jornal a Página, 117, 7.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 161
Ano 15, Novembro 2006

Autoria:

Sofia Marques da Silva
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Membro efectivo do Centro de Investigação e Intervenção Educativas.
Sofia Marques da Silva
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Membro efectivo do Centro de Investigação e Intervenção Educativas.

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