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A escola finlandesa ...

Pronuncio-me brevemente sobre artigo publicado no último número da Página, intitulado ?O sistema educativo na Finlândia? porque penso que, tal como terá pensado a redacção do jornal, vale a pena perceber, não exclusivamente a ?fonte de inspiração? da actual equipa ministerial, mas fundamentalmente o modo como esta equipa ministerial entende ?converter? um suposto modelo de sucesso educativo, nas terras frias e na tundra finlandesa num igual modelo de sucesso nas terras quentes e na solarenga costa portuguesa (porque, evidentemente, tudo aquilo que se afigura mais interior já foi objecto de purga, extirpação pura e simples).
Quando se lê o artigo d? ?A Página?, e fazendo de conta que aquilo que se conhece das sociedades nórdicas faz parte de um passado muito passado, o que mais ressalta, e que parece inviabilizar aquela desejada conversão, é a circunstância de existir uma estrutura intermédia, chamada ?autoridade local?, que detém um efectivo poder sobre a determinação das opções a efectuar, também sobre a matéria da educação. Todo o intérprete legislativo e político, no nosso país, ao invés de querer discutir uma efectiva descentralização de poderes, entende ter de accioná-la de cima para baixo, isto é, do centro para a periferia. Anuncia-se a autonomia das escolas, mas ela só é possível num quadro de vigilância centralizado porque, o próprio exercício da autonomia tem regras inquebrantáveis. A autonomia traduz-se, por exemplo, em regulamentos internos de escola que são aferidos e autorizados em função de uma matriz emanada pelo poder central; onde está em causa o poder, o poder é inflexível. A autonomia dos projectos educativos, porque não têm um resguardo autónomo, é objecto de avaliação segundo a miríade de actividades, iniciativas, empenhos locais, sempre valorizados quanto mais diversificados, podendo discutir-se a autoria mas jamais a autoridade ? existem porventura enquanto propostas comprometidas com um contexto comunitário onde se afirmam, desde que tal não choque com as determinações centralizadas. A ?5 de Outubro? ou a ?24 de Julho? conhecem o país, todos os seus cantos e recantos e a estultícia parece ser, fazer dum espaço tão diverso, embora pequeno, um espaço tão uno e, realmente, tão grande.
?A Página?, neste mesmo número, presenteia-nos com uma entrevista em torno do modelo educativo sueco, acentuando a importância atribuída aos sistemas educativos nórdicos, creio que, com a finalidade principal de fazer perceber o quanto não é susceptível de compreensão a maior ou menor eficácia de um modelo educativo, a não ser que se explicite a sua contextualização. Percebe-se, novamente, a relevância do poder local (que não é baseado em autarquias mas em regiões parlamentares) e percebe-se essencialmente que, aquilo que em Portugal se procura legitimar através da iniciativa privada (supostamente os únicos arautos de uma visão assertiva da coisa educativa) mais não corresponde do que a uma vesguice do sistema de ensino público, vesguice centralizada que resulta na expectativa, alimentada pelos diversos ?eus? que vão assumindo a tutela da educação, de que, a simples circunstância de terem uma ?ideia? para a educação é condição suficiente para mudar o que quer que seja. O que muda resulta sempre de um poder conferido (e executado com mais ou menos convicção), mas nunca de um poder conquistado que, a sê-lo, não se faria nos passos do ministério (nem tão pouco nas encenadas intervenções nas escolas), mas sim no confronto directo com os autores/intérpretes da escola pública. Que, se são maus, há que ter a coragem de o dizer, não criando subterfúgios para as novas modalidades de gestão das aulas de substituição, a título de exemplo, que não resolvem o problema essencial: quem falta e porque falta? Não se penaliza o ?prevaricador?, exige-se-lhe uma planificação prévia para que, o papalvo que o tenha de substituir, independentemente do motivo da prevaricação, não fique em papos de aranha. É, porventura a única ideia iluminada quando não paira no nosso horizonte que esse problema possa ser resolvido a nível de cada escola. É assim: transfigurada em solução, responsabilização, esta medida acentua a margem de manobra dos prevaricadores e deixa às estruturas educativas locais um mero exercício de execução de medidas superiormente emanadas. É bem triste, mas é verdade.
A responsabilização, embora susceptível de ser decretada, só tem algum significado se não for tutelada; não se fabricam sistemas educativos, eficientes como o finlandês ou o sueco, se se mantiver o secular controlo sobre os agentes educativos, o qual assenta no odioso princípio da desconfiança, particularmente acentuado sobre os professores. E isto é tão mais odioso quanto, como refere Paraskeva no seu artigo neste mesmo número, «até parece que não é a mesma classe docente  - que calcorreou a mesma formação, inicial e contínua -, que actua nos dois lados (...)», digo, público e privado para não referir sequer o terceiro, a que Paraskeva dá importância (só e apenas porque mexe com os meus interstícios).
Para concluir, não posso deixar passar em claro, na peça sobre o sistema educativo na Finlândia, a atenção acrescida que parece ter sido dada ao ?sistema remuneratório?, por relação com os outros itens. Se sou capaz de perceber a dimensão da coisa, já não sou capaz de perceber a sua insinuação (porque redundante num jornal como este) quando, aquilo que parecemos querer discutir tem a ver com o objecto do nosso trabalho e não, fundamentalmente, com as condições pecuniárias da sua execução. Uma coisa tem a ver com a outra, mas é a relevância do nosso objecto de trabalho que ditará a questão remuneratória e não o inverso.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 160
Ano 15, Outubro 2006

Autoria:

Henrique Vaz
Assistente da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Henrique Vaz
Assistente da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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