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O olhar dos romancistas sobre a gestação dos empreendedores em Moçambique e Angola

O escritor Pepetela no seu romance ?Predadores? desenha um retrato da classe política tornada empresarial à sombra do Partido e das Organizações Democrática de Massas, nos últimos 30 anos, em Angola.
O personagem Vladimiro Caposso inicia a sua carreira política, na década de 80, no tempo do regime socialista que não via com bons olhos, a actividade empresarial. Este vai usar como trampolim o fato de ser representante da Juventude do MPLA, posição que lhe permite inúmeras deslocações ao exterior, garantindo-lhe uma acumulação significativa.
Caposso contava com a cumplicidade de Faustino, um outro personagem-chave da Secretaria de Estado que era uma espécie de pau para toda a obra, chefe de serviços oficiais, de confiança absoluta dos dirigentes.
Faustino supervisionava as obras que houvesse a fazer, a manutenção mais ou menos fictícia de estádios de futebol e pavilhões gimnodesportivos [...] a escolha e importação de equipamentos para as selecções nacionais e, se houvesse obras de maior vulto seria responsável para escolher as firmas responsáveis pela construção. (Pepetela, 2005: 218-219)
Num certo momento, Faustino confidencia a Caposso que poderiam arranjar fontes de rendimento suplementares na organização de torneios internacionais. Depois do primeiro evento, outros se seguiram e Caposso e Faustino foram engrandecendo o nome do país e engordando as respectivas contas bancárias ?que ninguém trabalha em seco por muito revolucionário que seja? (Pepetela, 2005:220 ).
Numa ida à Holanda, Caposso comprou dois mini-autocarros usando as poupanças que foram crescendo num banco de Lisboa. O sistema era simples. Arranjou dois motoristas no processo de ?candonga?(1) que, no final do dia, tinham de entregar uma determinada quantia e eram responsáveis pela manutenção dos veículos e, durante a noite, deixavam os carros na casa do proprietário.
Cada carro ficava pago no final de quatro meses, o lucro era oito a doze vezes o investimento. O ciclo repetiu-se e chegou a dispor de dez veículos.
Os negócios de Caposso levaram-no a desistir da Secretaria de Estado do Desporto e a dedicar-se em tempo integral às actividades de empreendedor. Na década de 90, e com o apoio de um general, passou para o negócio de garimpo de diamantes, no território que este controlava. Embora perturbado pela guerra entre MPLA e a UNITA, o negócio era bastante rentável.
Em dois contos ?Pobres dos nossos ricos? e ?Receita para um jet-set nacional?, o escritor moçambicano, Mia Couto usa o sarcasmo para descrever as elites económicas do país e seu modus operandi. Vejam-se alguns extractos da sua prosa.
Derretem-se perante o fascínio de uns bens de ostentação. Servem-se do erário público como se fosse sua panela pessoal. Envergonha-nos a sua arrogância, a sua falta de cultura, o seu desprezo pelo povo, a sua atitude elitista perante a pobreza (Couto, 2002: 26).
Fica bem patente na visão caricatural que o autor vai tecendo que todos se abastecem dos cargos públicos como fonte de suprimentos de toda a espécie, desde as facilidades para arranjar alvarás, os carros do Estado para fins pessoais, as grandes festas e níveis de consumo ostentatório para assinalar eventos familiares. Enfim, tudo é motivo para usarem os bens públicos para fins privados.
No romance ?Niketche? Chiziane mostra a dura realidade da protagonista Rami que é surpreendida pela descoberta abruta que seu marido, comandante da polícia, coleccionava seis mulheres.
...Só a sabedoria infinita que o sofrimento provoca lhe vai apontando o rumo no labirinto de emoções, de recordações, de revelações, de contradições e perigosas ambiguidades (Chiziane, 2002: 107).
Então Rami como primeira esposa e com o poder que a tradição lhe confere, no maior segredo, quase clandestinamente para que a família do marido não descubra antes do tempo, resolve formar com as suas rivais, a maioria delas provenientes do norte do país, uma rede de empreendedorismo e tornar essas mulheres donas do seu destino. Esta atitude torna Rami suspeita de querer acabar com a tradição de servidão e submissão que as mulheres do sul do país estão sujeitas e aí ela é acusada de feitiçaria pela família do marido e em sequência disso o divórcio é a saída para ela.

1) Candonga é uma actividade clandestina no mercado negro.


  
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Edição:

N.º 159
Ano 15, Agosto/Setembro 2006

Autoria:

Maria Antónia Rocha da Fonseca Lopes
Fac. de Economia da Univ. Eduardo Mondlane, Moçambique
Maria Antónia Rocha da Fonseca Lopes
Fac. de Economia da Univ. Eduardo Mondlane, Moçambique

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