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Para certos alunos o prolongamento da escolaridade não é sinónimo de maior conhecimento

Modelo educativo sueco privilegia flexibilidade de percursos

O sistema educativo sueco é um dos mais conceituados a nível mundial. Com invejáveis taxas de escolarização e de qualificação, a Suécia é hoje um país que pode afirmar estar preparado para os desafios colocados pela sociedade tecnológica e do conhecimento.
Para conhecer mais de perto a realidade educativa deste país escandinavo entrevistamos Anna Olsson, doutorada pela Universidade Sueca de Ciências Agrícolas e investigadora associada do Instituto de Biologia Molecular e Celular do Porto, onde realiza actualmente um trabalho de pós-graduação em comportamento e bem estar de animais em laboratório.
Entre outras questões, esta conversa aborda temas como o modelo de funcionamento da escola sueca, a flexibilidade curricular do ensino secundário, o papel dos municípios na gestão da rede educativa e a mudança do paradigma social que atinge lentamente o país.

Na Suécia, os programas escolares são definidos pelo governo e pelo parlamento mas é aos municípios que está atribuída a responsabilidade pela gestão da rede educativa. Essa responsabilidade estende-se à educação pré-escolar?

Sim, os municípios têm o dever de assegurar a existência de uma rede de educação pré-escolar para todas as crianças. No entanto, a frequência não é gratuita. Os pais pagam uma mensalidade que varia em função do rendimento do agregado familiar. Na área onde vivo, por exemplo, os pais com um filho pagam o equivalente a três por cento do rendimento, num máximo de 1260 coroas, o que corresponde sensivelmente a 130 euros. Essa quantia vai diminuindo percentualmente conforme se trate de um segundo e mesmo de um terceiro filho, com valores de, respectivamente, dois e um por cento. A partir do quarto filho a frequência é gratuita.

Tendo em conta que as escolas são geridas pelos municípios, não existe o risco de as autarquias com menos recursos serem desfavorecidas relativamente a outras mais ricas? Ou existe algum mecanismo de compensação estabelecido pelo Estado?

Sim, nesses casos o Estado compensa as autarquias com menos recursos. Existe inclusivamente um imposto - popularmente chamado ?imposto Robin dos Bosques? - através do qual os municípios mais ricos transferem verbas para os mais pobres através do Estado.
No entanto, não é ao Estado que cabe a distribuição dos orçamentos municipais já que os impostos são colectados localmente. É que além dos serviços educativos os municípios têm igualmente a tarefa de assegurar, entre outros, a maior parte dos serviços assistenciais.

Existe a ideia de que na Suécia toda a gente vive bem. Esta percepção é real ou subsistem diferenças socioeconómicas marcantes?

Não, diria é que subsistem dificuldades de integração social relativamente às minorias étnicas que habitam o país, que, consequentemente, têm conduzido a alguns fenómenos de exclusão. Ao longo das décadas de 70 e 80 a Suécia recebeu muitos emigrantes e exilados políticos, fazendo com que em cidades como Malmo - a terceira do país -, por exemplo, cerca de 25 por cento dos habitantes sejam emigrantes de primeira ou de segunda geração.
Apesar da tolerância que caracteriza a sociedade sueca, ainda não se atingiu um verdadeiro ponto de equilíbrio, de aceitação plena. E esta situação acaba algumas vezes por se reflectir indirectamente no poder económico destas minorias, que nem sempre conseguem ter acesso aos empregos mais qualificados.

Voltando ao sistema educativo: com que idade se entra para a escola?

Na altura em que entrei para a escola primária a frequência iniciava-se aos sete anos. Actualmente esse limite é mais flexível e já é possível aos pais inscreverem os filhos na escola a partir dos seis anos.

A escolaridade mínima obrigatória é de nove ou de doze anos?

Por lei é de nove anos, mas há muitos incentivos para que todos os alunos prossigam os estudos no ensino secundário, o que corresponde a uma percentagem de cerca de 90 por cento dos jovens. Não é comum deixar a escola aos 16 anos. Quando isso acontece, é muito possível que os professores tentem convencer o aluno ou aluna a prosseguir os estudos, sugerindo eventualmente percursos alternativos.

Sei também que o ensino secundário tem algumas particularidades de organização, principalmente no que se refere à flexibilidade do currículo. Pode explicar-nos como funciona?

Houve uma reestruturação do currículo do ensino secundário em 1994. Na sequência dessa mudança existem actualmente 17 programas a nível nacional, cada um com a duração de três anos, que partilham um núcleo comum de oito disciplinas: Sueco, Inglês, Artes, Educação Física e Saúde, Matemática, Ciência Geral, Estudos Sociais e Religião.
Cada programa possui disciplinas específicas e está dividido em diferentes orientações - o programa de Artes, por exemplo, oferece cursos de formação em Arte e Design, Dança, Música e Teatro. Muitos dos programas permitem especializações no 2º e 3º ano (equivalente ao 11º e 12º ano em Portugal) e a maior parte inclui um estágio em contexto de trabalho com uma duração de quinze semanas.
Na medida em que o sistema está estruturado por créditos, os alunos podem participar em um ou mais cursos fora do programa regular, desde que completem o número de créditos definido para o respectivo programa.

Tendo em conta a sua elevada autonomia, os municípios podem organizar cursos de acordo com as especificidades locais?

Sim, combinando diferentes disciplinas de diferentes programas. No entanto, é a Agência Nacional de Educação quem determina quais os cursos cuja frequência é obrigatória tendo em vista a obtenção de uma especialização a nível nacional. Muitas autarquias não oferecem a totalidade dos programas nacionais e determinadas especializações. Nesses casos, o aluno pode estudar num outro município, sendo o custo do transporte assegurado pelo Estado.

Parece ser um sistema bastante flexível...

Sim, já que contempla também a possibilidade de programas individuais, que podem variar em extensão e conteúdo, adaptados à necessidade de cada estudante. O objectivo é que o aluno possa mais tarde transferir-se para um programa de carácter nacional ou local ou, no caso de não pretender prosseguir os estudos, receber um certificado de ensino.

Sei que o sistema de atribuição de notas foi também alterado em 1994. Como é agora?

Quando frequentei o ensino básico e secundário as classificações eram atribuídas segundo uma escala de um a cinco. Na escolaridade obrigatória nada nesta escala definia a aprovação ou retenção do estudante, já que ela servia apenas como instrumento de aferição.
Actualmente, a escala é constituída por três graus: aprovação, aprovação com distinção, e aprovação com especial distinção. No ensino secundário,  esta classificação é atribuída em função de cada curso de formação concluído no âmbito do respectivo programa. No caso de o aluno não receber aprovação pode pedir para ser avaliado através de um exame.
No final do ensino secundário, o aluno recebe uma classificação final - que corresponde ao certificado de conclusão ? onde se faz a média de todas as classificações obtidas nos diferentes cursos incluídos no programa de estudos. 

Como é a entrada no ensino superior?

Há dois sistemas principais. Um é baseado na média da classificação obtida no final do ensino secundário. O outro é uma espécie de exame nacional onde se avalia a cultura geral, a capacidade de organização da escrita e da leitura e as competências linguísticas. O exame tem lugar duas vezes por ano e o candidato pode repeti-lo no caso de ter falhado o primeiro ou se quiser melhorar a nota. Desde a década de 90, existem também em alguns cursos de medicina a possibilidade de ingressar através de uma entrevista e de exames específicos.

De que forma está distribuída a oferta universitária?

O ensino superior na Suécia é essencialmente público. Penso que existem duas universidades de carácter privado - a Escola de Economia de Gotemburgo e a Escola Técnica de Estocolmo ? mas são já muito antigas e funcionam como fundações.

Porque motivo não existem universidades privadas: por falta de iniciativa ou porque o Estado não o prevê?

Sinceramente não sei. Mas não penso que o sector privado pudesse ter lugar nas actuais condições, já que a oferta existente cobre as necessidades.

A frequência no ensino superior está condicionada ao pagamento de propinas?

Não, o ensino é gratuito, à semelhança da escolaridade básica e secundária. A única despesa a cargo do estudante diz respeito a material documental e literário. Além disso, cada estudante deve inscrever-se na respectiva associação académica e pagar uma quota de cerca de 30 euros por semestre, mediante a qual pode aceder a serviços de apoio.
Muitos estudantes vivem fora de casa dos pais durante este período. Faz também parte do pacote de despesas, por isso, o aluguer de um quarto ou de um apartamento dividido em companhia de colegas.

Há algum apoio por parte do Estado?

Sim, existe um subsídio mas é pouco significativo. Para equilibrar o orçamento os estudantes exercem habitualmente um emprego a tempo parcial, sobretudo durante as férias. Além disso, há também um sistema de empréstimo concedido pelo Estado que o estudante paga quando consegue trabalho, descontando um montante do salário em função do ordenado.

Apesar de a Suécia continuar a ser essencialmente uma sociedade de bem-estar apoiada num Estado providência, sente que, de alguma forma, os novos ventos do liberalismo influenciam esses princípios e determinam uma mudança de paradigma social?

Eu penso que essa é uma tendência transversal a todas as sociedades e a sueca não é excepção.  Na minha opinião, a grande falha da social-democracia sueca ? e julgo que ouço o mesmo discurso aqui em Portugal por parte do Partido Socialista ? foi a de ter procurado, através da escola, formar o maior número possível de cidadãos para profissões valorizadas ao invés de ter valorizado as diferentes categorias profissionais.
Isto é, em vez de se procurar admitir e valorizar o facto de que a função social de um canalizador é tão importante como a de um médico, preferiu-se empurrar o maior número possível de pessoas e pelo máximo de tempo possível para a escola.
No entanto, é preciso reconhecer que para certos alunos o prolongamento da escolaridade não é sinónimo de maior conhecimento. É preferível direccionar esses alunos para percursos profissionalizantes que os satisfaçam do ponto de vista pessoal e criar mecanismos que lhes permitam mais tarde regressar à escola para complementar a formação ou, eventualmente, aceder a outro tipo de formação.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 159
Ano 15, Agosto/Setembro 2006

Autoria:

Anna Olsson
Doutorada pela Universidade Sueca de Ciências Agrícolas e investigadora associada do Instituto de Biologia Molecular e Celular do Porto
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Anna Olsson
Doutorada pela Universidade Sueca de Ciências Agrícolas e investigadora associada do Instituto de Biologia Molecular e Celular do Porto
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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