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Da «utilidade social» da C&T

Considerar os factos da Ciência, ou da Tecnologia, ou ainda os da Ciência & Tecnologia (C&T), numa sua aparência tão objectiva quanto possível é um dos modos de abordar estas áreas. É o modo abstracto como, com frequência, se entende fazer a divulgação de factos tão ?materiais?. Uma outra maneira de o fazer é considerar os factos científicos / tecnológicos enquanto realidades que fazem parte das sociedades onde vão acontecendo. E, de feito, tais factos só existem porque emergiram na ?Sociedade? e porque impactam as sociedades que os vão apreendendo, idealmente, sobre duas formas: ou sob a forma de Conhecimento, de compreensão, de participação no construir e emendar e refazer constante das nossas visões do Mundo; ou como artefactos, como tecnologias, para a satisfação das nossas necessidades - quer as de pendor mais ?material?, como o comer (que da comida sempre precisamos), quer as de pendor mais ?simbólico?, como o futebol (já que estamos, enquanto escrevo, em tempo de Campeonato do Mundo de Futebol na R. F. Alemã).
É claro - sabemos todos - que só idealmente tais distinções poderiam ser mesmo assim. Quer dizer, nem a ?nossa? visão do mundo está imune à ?nossa? utilização das aplicações da Ciência, à utilização das tecnologias; nem há asserções da Ciência - das ciências, sejam elas naturais / duras, e menos ainda as sociais / humanas -, por mais ?puras? que o sejam, que não acabem por ter, mais cedo que tarde, impacto, efeitos, em termos de aplicações, de implementações tecnológicas: Por outro lado, também é saber de ciência feito que, num mudo em que os poderes jogam com grande eficácia numa preponderância extrema dos valores de troca relativamente aos valores de uso, a questão da satisfação das necessidades tem o seu quê que se lhe diga. E já não se refere aqui as necessidades novas ?criadas? pela existência de novos produtos ou tecnologias, como é por exemplo o caso dos telemóveis: estes vieram preencher uma necessidade de mobilidade nas telecomunicações - parece hoje indubitável. Refiro-me em particular ao comprar compulsivo daquilo que depois se vê só muito remotamente vem culminar numa necessidade nossa, seja material seja simbólica. E tal é estimulado com grande eficácia, insisto, pela publicidade e pelo marquetingue, cujo objectivo é o da maximização de lucros das empresas - os resultados como pudicamente lhes chamam. Os defensores absolutistas destes mecanismos de mercado, da maximização de resultados por venda de mercadorias - trate-se de bens ou de serviços -, afirmam que a prazo o Mercado é sempre Racional.
Ressalvadas estas questões, de qualquer forma, da análise da C&T nunca deve ser separada a questão da sua ?utilidade social? - no sentido lato que referimos. Um dos critérios a observar, logo de partida, é o da penetração das diversas tecnologias nos tecidos sociais. Até há relativamente pouco tempo, talvez menos de uma geração, os ocidentais - os de direita, e também muitos de esquerda - sabiam que, aparte certas elites do então chamado Terceiro Mundo, desprezáveis em termos globais, o impacto das tecnologias, em particular as ?novas?, limitava-se à ?sua? zona, isto é ao Ocidente - EUA; CEE; Japão e mais algumas migalhas -, o resto não significando nada.
Mas as coisas entretanto mudaram. E muito. Refira-se o exemplo da China - mais de 1/5 da população mundial -, relativamente às tecnologias da informação e comunicação (TIC), com ênfase para as telecomunicações. Outros exemplos poderiam ser dados como a Índia ou o Brasil.
Então, na China do princípio dos anos 90 havia menos de 1 por cento de penetração de linhas telefónicas fixas, à volta de 10 milhões. Em finais de 1996, eram cerca de 70 milhões as linhas telefónicas fixas na China, para uns 1250 milhões de habitantes. O aumento anual era de cerca de 15 milhões de linhas por ano. Os utentes de telemóvel eram uns 6 milhões. Quanto à Internet - que tinha começado a chegar ao grande público, e não apenas no Ocidente - também já se encontrava em expansão; sendo, em finais de 1996, para cima de 100 mil. Em finais de 2005? Eram 350 milhões as linhas telefónicas fixas, uma penetração de 27 por cento, 393 milhões no telemóvel, 30 por cento de penetração, e 111 milhões na Internet, uma penetração de 8,6 por cento, a maioria em banda larga. Surpreendente? Seguramente. Mas o importante é compreender que estes padrões na China já estão ao nível de alguns países da UE. E a ?utilidade social?, será de tipo semelhante?


  
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Edição:

N.º 158
Ano 15, Julho 2006

Autoria:

Francisco Silva
Engenheiro, Portugal Telecom
Francisco Silva
Engenheiro, Portugal Telecom

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