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Brasileiros em Vila de Rei

Não  sabemos o que foi garantido ao grupo de brasileiros oriundos de Maringá, no Paraná,  para os persuadir a trocarem o seu município por  Vila de Rei, na Beira Baixa.
Maringá tem uma população muito próxima dos 200.000 habitantes, dista da capital do Estado  algumas centenas  de quilómetros, mas, sendo uma região do interior, dispõe de um pólo universitário e um aeroporto. Rica de solo e floresta, logo na fundação atraiu numerosos  colonos portugueses, que viram na exploração da terra  a base do seu  desenvolvimento. Maringá afirmou-se assim como uma importante produtora  de café, erva-mate, soja e arroz, devendo à agricultura e ao aproveitamento florestal a existência de indústrias alimentares e de transformação de madeiras e o fabrico de maquinaria agrícola.
Em confronto, Vila de Rei, outrora rica de floresta, ultimamente devastada pelos incêndios,  perdeu o considerável potencial agrícola  em favor da  albufeira da barragem de Castelo de Bode, que engoliu os férteis nateiros das margens do  Zêzere e sete povoações do concelho,  explicando em parte  o êxodo da população  para as cidades e  a emigração. Ficaram os velhos e os resistentes (pensando, talvez, como o Eclesiastes, que tudo passa e só a terra permanece), esperando que  a sua Vila   se torne numa nova Fénix renascida das cinzas... mas desejavelmente sem as aspirações de Ícaro que, por querer voar alto de mais, viu as asas queimadas pelo Sol.
Mas poderá Vila de Rei, para o grupo brasileiro, oferecer um sonho que porventura já não esperava no ?País do Futuro?, como o malogrado escritor austríaco Stefan Zweig  chamou, entusiasmado, em 1941, ao Brasil,  ?onde na nossa época de perturbação ainda vemos esperança de um futuro novo em novas zonas, é nosso dever indicarmos esse país, essas possibilidades.?? Nessa altura, ele  não imaginaria ler, na ?Folha de Londrina? de 7 de Maio de 2006: ? TERRA ESTREMECIDA ? Invasões, acampamentos e assentamentos em condições precárias formam as fissuras deixadas no sítio paranaense por movimentos que começam a se organizar, impulsionados pela ideologia, religião e esperança de uma vida melhor.?
Por muitas razões, hoje mais do que nunca, as pessoas, aos milhões, continuam a mudar de terra, umas para fugir a um medo, outras perseguindo  um sonho, e todas à procura da sua Feácia ou Eldorado (já foi Brasil) que  hoje basta que seja  um lugar onde haja paz, liberdade e trabalho.
Não se podendo comparar estes ?colonos? brasileiros -   alguns habilitados com cursos universitários - com os rudes colonos ?galegos? e ?pés-de-chumbo? que fundaram aquele  município paranaense,  uma sucinta resposta emitida por uma jovem psicóloga do grupo,  entrevistada pela nossa televisão,  há-de servir para explicar a ?fuga?: vieram à procura de segurança e educação de bom nível.
Quem conhece as modestas condições de existência da maior parte das pequenas cidades interiores do Brasil não precisará de imaginar que este grupo (diz-se que virão outros)  foi atraído pelo famigerado ?sonho europeu? (quem saberá realmente o que isso quer dizer?), como outros seus compatriotas já tinham sido atraídos pelo ?sonho americano?: bastará aceitar que este grupo procura simplesmente ?outra qualidade de vida?, que para o brasileiro comum significa viver sem medo de ser assaltado na rua, na praia  ou em casa,  poder deixar  os filhos  a brincar   no parque sem receio de serem induzidos a cheirar cola ou snifar cocaína,  matriculá-los em escolas públicas de nível igual ou superior ao dos melhores colégios privados, contar com uma assistência médica razoável, e, pelo menos uma vez na vida, fazer uma  viagem de férias ao estrangeiro com a certeza de entrar e sair incólume do avião, do combóio ou do autocarro.    
Tê-los-á certamente animado saber que, no Verão, (ainda) desembarcam nas praias brasileiras dezenas de milhares de portugueses que   não são apenas os 25.000 milionários(!)  que as estatísticas afirmam existirem em Portugal; que outros tantos já marcaram lugar nos cruzeiros do Mediterrâneo; e que muitos  deles até  compraram uma casa ou um ?sítio? junto ao mar brasileiro de águas quentes, já que o mar português  é na maior parte frio,  o que é tépido fica enxameado de gente como  de abelhas o favo,  e o  velho ?sítio? da aldeia  dos pais ou avós,  votado ao abandono,    só inspira poetas cansados da cidade  e  convoca estrangeiros ecologistas.
Mas, agora instalados e fazendo a leitura correcta da realidade, eles hão-de interrogar-se sobre  se poderá haver lugar, em Vila de Rei ou em qualquer outra do interior desertificado, para o tal ?sonho europeu?. Já  sabem existir  em Portugal  quase  meio milhão de portugueses que perderam o emprego e vivem de subsídios temporários da Segurança Social;  que dezenas de  milhares de  diplomados com cursos superiores   não conseguem trabalho e uma  parte deles ruma à emigração;  que é cada vez maior o número de jovens que interrompem os estudos básicos por acharem que a escola (subitamente sofrendo tratos de polé de uma crítica frenética) não lhes garante um futuro emprego satisfatório e que, risco por risco, vale a pena roubar carteiras, assaltar  lojas e bancos ou traficar droga,  actuando por conta própria ou ingressando em bandos (já lhes chamam gangues) que medem forças com os agentes da ordem pública -  uns ainda com medo, outros já sem medo nenhum (nem da Polícia, nem do Inferno, que já foram  balizas normativas da ?moral comum?), contando  que o pior que lhes pode acontecer é serem presos em cadeias onde o Estado lhes  assegura cama e mesa. Enfim, que já se começam a levantar muros em redor das vivendas,  a introduzir sistemas de segurança nos condomínios, a implantar vigilância policial nas escolas e as famílias a não verem as montras na cidade à noite.  
Certo é que  o mundo está a ficar, em qualquer sítio, muito perigoso. E não só em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Provavelmente menos em Maringá. Que pensará, já nesta altura, aquele grupo de brasileiros  sobre Portugal e a Europa toda? Avisará os outros grupos já anunciados que na Europa como na América do Sul  há quem tenha menos sonhos cor de rosa do que  pesadelos?  
Em toda a parte, sonhar  é fácil. Difícil é acordar


  
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Edição:

N.º 158
Ano 15, Julho 2006

Autoria:

Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto
Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto

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