Não é fácil chegar à compreensão do que é o ?eduquês?. Trata-se de uma categoria discursiva atribuída a um antigo ministro da educação, para quem o termo designaria um certo tipo de linguagem esotérica sobre a educação. O termo foi, depois, adquirindo o sentido de discurso educacional de senso comum, de estilo palavroso e vazio, de resto acompanhando o uso idêntico de categorias como o ?politiquês?, ou o ?economês?. Se é isto o ?eduquês?, ele está de facto presente no discurso político e no discurso jornalístico, capazes de discorrerem sobre o ?ensino pré-escolar?, sobre as ?qualificações ao longo da vida?, sobre a ?aquisição de competências para competir? ou sobre a ?formação para a empregabilidade?. Mais recentemente, no único texto que se dedica a uma interpretação crítica mais sistemática do ?eduquês?, Nuno Crato (em O ?Eduquês? em Discurso Directo, Lisboa, Gradiva, 2006) opõe, ?de um lado?, pessoas e ideias que considera terem um ?papel dominante na política educativa? e, ?do outro lado?, uma ?opinião pública difusa? que intuitivamente sabe que a situação crítica da educação portuguesa se deve, segundo ele, à acção dos ?teóricos da pedagogia dita moderna?. Uma tal tese seria muito estimulante, se fosse confirmada, o que não é o caso. Ainda que no início do seu texto o autor seja cauteloso e evite generalizações, que aliás lhe retirariam credibilidade, a verdade é que ao longo do livro estes cuidados iniciais vão desaparecendo, do que resulta, com intenção ou sem ela, uma crítica generalizada ao pensamento educacional e à investigação portuguesa. Não que estes não devam ser objecto de crítica, mas não nestes termos. É como se para criticar uma corrente pedagógica, ou sociológica, ou um mau trabalho, se optasse por um ataque às respectivas disciplinas e comunidades. No entanto, a metodologia adoptada pelo autor não autoriza tais críticas. Desde logo porque é duvidoso que existam apenas os dois ?lados? referidos. Pela minha parte não hesitaria em criticar tanto o ?eduquês? quanto o ?anti-eduquês?, que considero igualmente ideológicos e orientados mais para o convencimento do que para a compreensão crítica e a argumentação. Em segundo lugar, Nuno Crato procede a um crítica algo insular, centrando-se mais em questões didácticas e de teoria da aprendizagem que, embora relevantes, tendem a desprezar as matérias de pensamento educacional e, especialmente, de políticas de educação. Por último, quase sempre se desprezam as críticas teóricas e empíricas sustentadas, produzidas no âmbito da investigação em educação, que do interior do campo mais cedo, e de forma mais contundente, se abateram sobre aspectos criticados pelo autor (por exemplo o pedagogismo). O problema é que as ciências sociais e humanas não são redutíveis a um ?paradigma?, o que significa que as maiores críticas a uma dada escola ou corrente provêm, quase sempre, do interior da respectiva área de saber. Não há, portanto, ?uma? Pedagogia, e raramente existem apenas dois ?lados? em educação, o que torna difícil a emergência de uma ?ideologia pedagógica dominante? a partir de critérios académicos, ou de académicos com tamanha influência política. A fragmentação do campo e as controvérsias entre escolas são a situação normal, não o inverso. Era, portanto, necessário que fosse analisado o processo através do qual uma dada corrente se tornou politicamente dominante, a acreditar no autor, mas isso é o que ele não faz, até porque tende a naturalizar o sistema educativo e as escolas, despolitizando assim as próprias teorias que critica. Pode, por isso, integrar sob a designação de ?eduquês?, autores, obras e trechos claramente divergentes, não compreendendo as diferenças. Afirma, de resto, por mais do que uma vez, que é ?difícil perceber? certos excertos que, cirurgicamente, seleccionou. É passível que alguns façam mesmo pouco sentido ou que sejam amplamente criticáveis. É porém plausível que o autor não domine sempre o código nem a cultura académica de certas áreas, do que há aliás muitos indícios (por exemplo a autoridade, por definição, não é possível de imposição, mas de consentimento, segundo a conceptualização weberiana). Surpreendente seria que o autor dominasse os conceitos das ciências sociais, não obstante o esforço de interpretação que, é justo reconhecer, revela no seu trabalho. Será, porém, suficiente? A invocação de Antonio Gramsci, então, daria motivos para grandes interrogações. É bom que se compreenda que o ?anti-eduquês? é, igualmente, uma ideologia pedagógica. As críticas produzidas são igualmente de senso comum, sem argumentação sólida em termos teóricos e empíricos. Reactualizam-se agendas políticas de há muito conhecidas noutros países e esquece-se que o verdadeiro ?eduquês? provém, hoje, da economia e da gestão, universos que tomaram conta do debate educacional e da produção de políticas. A ideologia pedagógica que Nuno Crato legitimamente defende lê-se claramente nas entrelinhas do seu texto e não apenas nas últimas seis páginas que dedica àquilo que ?se deve adoptar em educação?. Talvez um ponto de partida para um novo trabalho seu sobre pedagogia normativa. E depois são os outros que são pedagogos.
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