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A Comunidade Aberta à Escola: razões para um outro compromisso ético

... o drama de uma sociedade de exclusão, violenta e fragmentada, começa na existência de «comunidades fortaleza», de comunidades que, de tão ensimesmadas, sustentam uma pluralidade revoltante de formas de separatismo social, a começar pela segregação territorial, cruelmente visível na existência de zonas residenciais bem distintas, umas muito ricas, outras muito pobres e outras nem tanto.

A comunidade é o lugar humano onde se forjam os múltiplos laços de pertença e de identidade que servem de suporte à aventura existencial, em todos os seus aspectos. O mundo de paz e justiça, em que queremos viver, reclama esse solo de enraizamento vital, um solo fecundado por vizinhanças, por experiências de familiaridade, por tempos de partilha, pela fidelidade a afectos, a memórias e a visões de futuro. É neste sentido que entendo a opção por políticas sociais e educativas centradas nos territórios e nas dinâmicas locais. Elas expressam, ou devem expressar, a aposta numa cidadania activa, alicerçada no património antropológico que dá «rosto» a cada comunidade. O desenvolvimento da comunidade passa pela forma como soubermos valorizar, potenciando, a participação dos actores sociais que a animam (que a investem de alma). Esclarecendo que por actores sociais se entende aqui, antes de mais, as pessoas, mas também as organizações por elas criadas e, de um modo geral, todas as estruturas de mediação humana.
Dentro da comunidade, a escola constitui um espaço privilegiado para que a comunidade se conheça, se pense a si própria e, desse modo, encontre novas formas de afirmação num contexto mais vasto de cidadania. Articulada em sistema com outras unidades, mas afinando a diferença dos seus projectos educativos pelo pulsar da comunidade de que é parte integrante, a escola é sempre uma instituição local de referência que, como tal, carece de estima social. Como muitos projectos e programas de intervenção comunitária o revelam, grande parte do capital social e cultural da comunidade é construído a partir do capital de confiança em relação às suas instituições escolares. É preciso que a comunidade conheça e reconheça a sua escola. Que confie nela, que a autorize, que a faça sua. O que exige a continuidade de um diálogo assente num olhar positivo, numa atitude de hospitalidade. Antes de fazer juízos apoiados em construções subjectivas sobre uma escola que já não é, e nem nunca foi, antes de «deitar abaixo», antes de apontar dedos de acusação e de crítica, é necessário entrar, conhecer e respeitar. Quanto mais a comunidade respeitar, acarinhar, fizer justiça, às suas escolas mais ganha em autoridade e em apreço por si própria.
Além do mais, uma comunidade aberta à escola é uma comunidade aberta a outras comunidades. E este é, como sabemos, um dos grandes desafios éticos dos nossos tempos. Estruturada de uma forma muito específica, segundo um projecto social de carácter universalista, a escola funciona como um lugar excepcional de encontro com outros modos de ser, outras culturas, outras comunidades. Que o mesmo é dizer, um lugar de ruptura com o universo familiar e com os hábitos adquiridos na comunidade de referência. A aprendizagem dos valores universais, tão necessários à cidadania do século XXI, requer esta experiência de relação e ruptura, sem a qual não podemos falar em verdadeiro desenvolvimento social e humano.
Conforme tive ocasião de afirmar por ocasião das III Jornadas Ibéricas de Animação Sócio-Cultural (Chaves, 2005), a existência de comunidades coesas, de comunidades fortes em sentido de identidade, não basta para a consecução dos objectivos de uma cidadania multicultural, inclusiva e solidária, uma cidadania assente em valores universais de justiça, paz e bem-estar para todos. Pelo contrário, o drama de uma sociedade de exclusão, violenta e fragmentada, começa na existência de «comunidades fortaleza», de comunidades que, de tão ensimesmadas, sustentam uma pluralidade revoltante de formas de separatismo social, a começar pela segregação territorial, cruelmente visível na existência de zonas residenciais bem distintas, umas muito ricas, outras muito pobres e outras nem tanto. Mas todas elas divididas por perigosas linhas de fronteira pretensamente legitimadoras de comportamentos de ignorância mútua, indiferença, rejeição e intolerância.
É preciso, é urgente, romper com estas linhas de divisão que fragmentam o tecido social e aprisionam as comunidades. Inscrever este imperativo ético no compromisso social de todas as comunidades implica, obrigatoriamente, a promoção de uma outra atitude pública face à escola. Porque a escola é, repito, um lugar de eleição no aprender a viver com e para os outros em comunidade.


  
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Edição:

N.º 156
Ano 15, Maio 2006

Autoria:

Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto
Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto

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