Página  >  Edições  >  N.º 155  >  "Somos engenheiros, a nossa função é arranjar soluções"

"Somos engenheiros, a nossa função é arranjar soluções"

Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Impressiona a dimensão do campus: 182.335 metros quadrados de área total. As aulas decorrem num edifício central de corredores extensos e paredes de vidro. E uma série de edifícios departamentais interligados que albergam gabinetes de docentes, laboratórios e unidades de investigação. Em números a impressão de grandeza das instalações ganha mais precisão: 83.500 metros quadrados de área construída; 55 salas de aula; 34 anfiteatros; 81 laboratórios de ensino e 125 de investigação; 41 salas de informática e 28 de estudo; 6165 alunos de licenciatura e formação pós-graduada e 248 professores. Na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), dimensão rima com contenção. Numa altura em a falta de financiamento das faculdades se discute a propósito da implementação do Processo de Bolonha, Carlos Costa, director daquela instituição acredita que esse não será um motivo de preocupação. ?Por uma razão muito simples?, explica: ?Operamos com menos recursos humanos e temos uma produtividade maior, logo, o dinheiro chega-nos, além de que completamos o orçamento com uma parte de serviços ao exterior que não é desprezável.? Ou seja: 30% dos gastos da faculdade estão cobertos por esta via. Cálculos feitos, garante Carlos Costa, ?mesmo em contra-ciclo económico, desde 2001 que o volume de vendas de serviços às empresas, sobretudo no que diz respeito à transferência de tecnologia e consultadoria, não pára de aumentar?.

Será utopia uma faculdade ser financeiramente autónoma com base na venda de serviços ao exterior? A pergunta impõe-se. ?Em Portugal, sim?, apressa-se Carlos Costa. ?Mesmo no MIT, agora tão em voga, o ensino é coberto pelas propinas, sendo que cada estudante paga qualquer coisa como 25 mil euros por ano.? Por outro lado, insiste o director, os ganhos relativos à venda de patentes e tecnologia produzida na famosa instituição americana representam apenas 4,8 por cento do seu orçamento total.
Apesar de reconhecer que o país não tem tecido empresarial que pudesse financiar uma universidade, através do investimento e compra da investigação aplicada que nela se produz, a este nível a FEUP está voltada para as empresas portuguesas, diz Carlos Costa. Já no que toca à investigação fundamental, ?são as empresas estrangeiras que a contratam, porque estão num outro patamar [que as nacionais] e conseguem antever certos problemas para os quais procuram respostas?.

Tecnologia aplicável

Respostas. É também o que se procura no Centros de Estudos de Energia Eólica e Escoamentos Atmosféricos, uma das 15 unidades de investigação e desenvolvimento da FEUP. Um dos projectos deste centro consiste em avaliar o regime de ventos nas montanhas portuguesas para identificar locais para a construção de parques eólicos. Isto implica a recolha de dados no terreno durante um período de, pelo menos, dois anos e a sua inserção num programa de simulação que faz uma previsão sobre o ?comportamento do vento? no local. Mas não importa apenas a quantidade do recurso. ?Tem de ser um vento com qualidade?, explica Álvaro Rodrigues um dos investigadores, ?forte, mas não tanto que possa destruir os aerogeradores?. Deixamos o vento e falamos de energia. No final de 2005, a capacidade de produção de electricidade a partir da energia eólica era de 1,1 gigawatts (GW), o que corresponde a 650 aerogeradores. Até 2010 esses valores terão de subir para os 4,5 GW o que representa um total de cerca de 1500 aerogeradores. A equipa engloba também investigadores do Instituto Superior de Engenharia do Porto e do Politécnico de Bragança e tem outro núcleo de investigadores sedeado no Instituto de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial.
Também com a finalidade da recolha de dados, mas no fundo marinho está um outro projecto no âmbito da tecnologia subaquática. O objectivo é avaliar o estado de corrosão de pilares de pontes e outras plataformas subaquáticas, como os portos marinhos. Com um veículo submarino manobrado por um piloto através de um simples joystick, recolhem-se imagens e dados sobre a condutividade, temperatura, salinidade, turbidez da água que permitirão a avaliação do estado das estruturas. Outras utilizações são possíveis para esta tecnologia. É tudo uma questão de acaso e necessidade. ?O veículo está preparado para suportar qualquer tipo de sensor e é facilmente reconfigurável?, garante Márcio Correia, um dos investigadores responsáveis pelo projecto.
Ainda na mesma unidade de investigação, um outro projecto com a mesma filosofia, mas outra aplicação: sensores de redes sem fios. São pequenas caixas negras que podem ser espalhadas pelas florestas recolhendo dados usados para prever a probabilidade de ocorrência de fogos. Actuam medindo a temperatura, luminosidade e o vento, dados que são analisados depois através de um software específico. ?O projecto está ainda em fase de demonstração?, diz Alexandre Sousa, investigador, adiantando que existem já clientes interessados em comprar os sensores para defesa das suas propriedades.

Investigação a aplicar

Mas se há tecnologia com venda à vista, outra será difícil colocar no mercado. ?Somos investigadores, por um lado, temos de fazer coisas que são úteis, por outro lado, temos o direito a pensar um pouco mais à frente.? É sempre tendo como pano de fundo esta dualidade que Eugénio Oliveira, responsável pelo Núcleo de Inteligência Artificial e Robótica fala sobre os projectos daquela unidade.
?Trabalhamos na implementação de sistemas computacionais capazes de trabalhar em conjunto, por isso, falamos em inteligência artificial distribuída?, explica o investigador. A complexidade de um problema leva a que tenham de ser ?atacados? por vários programas que têm de colaborar entre si. Esta tecnologia está a ser aplicada na constituição de empresas virtuais: conjuntos de empresas que se ?encontram na Internet? e resolvem fazer um consórcio temporário para responder a uma oportunidade de negócio. ?A nossa tarefa será tentar que a constituição e os termos de actuação desse consórcio sejam feitos o mais automaticamente possível?, sem necessidade de intervenção humana.
Para corresponder ao desejo de ?pensar mais à frente?, esta uma outra área de acção desta unidade: a do desenvolvimento de agentes computacionais com emoções. Com base nas descobertas sobre inteligência emocional, de neuro-cientistas como António Damásio, os investigadores estão ?a tentar enriquecer uma das arquitecturas mais ousadas desses agentes: a BDI, (Beliefs, Desires and Intentions/ Crenças, Desejos e Intenções)?, explica Eugénio Oliveira. ?Estamos a tentar mapear para os agentes computacionais essa ideia de que a inteligência ? aqui como capacidade de decisão ? seja influenciada por parâmetros de tipo emocional.? Estes programas seriam ?capazes de criar os seus próprios objectivos, pelo menos temporários, e ser pró-activos no seu prosseguimento?.

Projectar e concretizar

A fase da concretização de um projecto é, por vezes, a altura em que uma boa ideia no papel cai em desgraça fora dele. ?Projectar é uma coisa, concretizar é outra completamente diferente?, reconhece António Barbedo de Magalhães. Foi esta constatação que levou este professor, ligado ao Departamento de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial, a criar em 2004 os programas PESC (Projectar, Empreender e Saber Concretizar), desenvolvidos por grupos de alunos, sob a orientação de um professor.
Pensados para permitir que grupos de alunos do 2º ao 5º ano trabalhem o mais cedo possível, e em conjunto, em projectos plurianuais cuja concretização seja possível. ?É ao concretizar que se começam a sentir os problemas dos prazos, dos custos, da necessidade de cooperação entre várias especialidades e pessoas, ou seja, é nesta fase que surgem as questões reais?, refere António Barbedo de Magalhães.
As palavras do professor encontram eco nas de uma aluna. Ágata Sousa, 21 anos, frequenta o 4º ano de Engenharia Mecânica e é um dos líderes do projecto ?Desafio Automóvel Universitário?, ligado à construção de automóveis.
Uma das dificuldades que tem encontrado, como líder, está em ?conseguir ter as pessoas envolvidas a sério no projecto na altura dos exames?. Por os PESC serem actividades extracurriculares, o período da avaliação é, segundo Ágata Sousa, acompanhado por alguma ?desmotivação?. Mas há alunos que não se importam com o facto e fazem opções. É o caso de João Rocha, 19 anos, a frequentar o 2º ano de Engenharia Mecânica. É um dos membros da equipa que desenvolve o projecto ?Construção de um Automóvel Clássico Popular de Competição, que vai transformar um carro ?normal? num de ?corrida?. Para o aluno, ?organização? é a palavra-chave para conciliar os estudos e o PESC. Mas reconhece: ?Foi uma opção minha abdicar de algum tempo livre e também de estudo para me dedicar a este projecto?.
Apesar do inconveniente de serem apenas uma actividade extracurricular, António Barbedo de Magalhães garante: ?Os PESC são uma oportunidade para os alunos fazerem coisas que de outro modo nunca fariam.? Os alunos sabem disso. ?Ocupa-me imenso tempo trabalhar neste projecto?, confessa Ágata Sousa, ?mas é uma mais valia?, contrapõe. ?Acho até que os exames me correram melhor pois tive a oportunidade de ver na prática o que até aqui só tinha estudado na teoria.? João Rocha concorda com esta visão de que os PESC possibilitam uma componente mais prática e critica: ?Os primeiros anos do nosso curso são muito teóricos!?
Porque nem sempre ?o que resulta na teoria pode dar certo na prática?, é que a fase da concretização do projecto é a mais ?complicada?, diz Ágata Sousa. ?Vai ser difícil gerir o dinheiro disponível, mas contamos com o apoio do nosso orientador!? A dificuldade de trabalhar com orçamentos modestos foi uma das condicionantes que levaram a equipa de João Rocha a introduzir algumas alterações no projecto. ?Tínhamos feito uma suspensão mais complexa, mas algumas peças são caras e não as vamos poder comprar!? O problema será, no entanto, resolvido: ?Somos engenheiros, a nossa função é arranjar soluções!?

Bolonha

Exigência na formação de base. Esta é a tónica e sob ela a implementação do Processo de Bolonha ganha contornos diferentes dos assumidos por outros cursos. ?A vocação da faculdade e o seu interesse no mercado não é o de produzir pessoas com três anos de formação em engenharia, mas sim com cinco?, diz Carlos Costa, reconhecendo a importância para o mercado de trabalho daqueles profissionais. Por essa razão, o primeiro ciclo de estudos da FEUP ?não será virado para o emprego, mas sim para a mobilidade e a cooperação internacional?, ou seja, para o prosseguimento de estudos. Ainda assim, ?nada impedirá o aluno de se empregar ao fim dos três anos de formação?,  garante o director deixado claro, no entanto, que nesses casos, ?a escola não assumirá a responsabilidade de que o aluno tenha uma formação em engenharia?.  Talvez este seja mais um problema que os alunos de engenharia terão de resolver.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo