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Auto-determinação do sujeito Pós-Moderno
Aceitamos facilmente que as identidades são construções sociais, produtos de contextos culturais e simbólicos, de um logos que está sedeado num topos, num território. Ignoramos aqui as variáveis filogenéticas e psicológicas da identidade e focamo-nos nas culturas, pensando a identidade em moldes processuais. Essas construções colectivas são de natureza histórica e além de uma base territorial, consubstanciada na construção dos Estados-nação modernos, culturalmente homogeneizados, assentam em vários processos de socialização e enculturação primária e secundária. Nas sociedades tradicionais e pré-industriais, o sujeito construía a sua identidade com pouca autonomia pessoal, submetido a um grande número de determinações das instâncias socializadoras e a uma cultura fortemente codificada e estratificada. O género, a Ordem social ou Casta, a tradição e o costume, o controlo social rígido e a normatividade, e papéis pré-definidos, deixavam pouco espaço para uma auto-determinação identitária do sujeito, do qual se esperava apenas a conformação à norma.
O monopólio educacional dos Estados-nação na Modernidade, perseguindo uma lógica de homogeneização cultural interna (em espaços políticos e culturais muito estanques), promoveu também uma mobilidade cultural descendente, levando ao povo a cultura das elites; daí resultou uma mobilidade social ascendente, permitindo a milhões de pessoas (no Ocidente) romper a rede densa de determinismos sociais e ganhar margem de manobra pessoal. Ao mesmo tempo, a emergência uma cultura mediática omnibus, de massas, democratizou a fruição cultural e trouxe também às elites traços culturais mais populares. E à igualdade de jure, à democracia e à cultura de direitos moderna, somam-se os efeitos dos processos da civilização industrial e urbana, da técnica e da ciência, da instabilidade axiológica, da perda de sentidos unificadores, do relativismo cultural. É uma combinação complexa de factores tecnológicos, políticos, económicos e culturais, processos inerentes à Pós-Modernidade e às globalizações em curso, que conduz ao enfraquecimento do papel dos Estados-nação, à perda de influência de instâncias socializadoras tradicionais, à «crise» das instituições modernas, ao enfraquecimento da coesão social endógena e dos vínculos comunitários e sentidos de pertença, e dos mecanismos de controlo social. A socialização secundária, hegemonizada e homogeneizada pela cultura escolar transmitida, parece estar a sofrer uma forte concorrência de outros canais informativos e formativos paralelos à escola, que contornam facilmente os mecanismos institucionais de determinação enculturadora dos Estados e criam vasos comunicantes entre culturas antes estanques, através de plataformas tecnológicas de comunicação global, incontroláveis. Os efeitos de uma cultura audiovisual globalizada e de meios de comunicação rizomáticos (Internet), não hierárquicos, interactivos, auto-geridos e gerados, minam o sentido de pertença sedeado num território, num topos, num sistema simbólico local ou nacional. Trata-se pois, da transição de um logos assente num topos, para um logos atópico, desterritorializado, onde coexistem em camadas concomitantes, marcadores identitários e cidadanias locais e globais, numa cultura mestiça, híbrida e sincrética.
Assim, uma cultura bastante homogénea e rigidamente codificada, em que o sujeito ocupava uma posição essencialmente estática, com uma identidade essencialmente exo-determinada e hetero-estabelecida, reproduzida, parece dar lugar a processos identitários cada vez mais auto-construídos e auto-determinados. Muitos autores salientam a emergência na Pós-Modernidade de processos identitários plurais, múltiplos, compósitos e glocais, que remetem portanto para uma dimensão idiossincrática, auto-apropriada. Será uma nova etapa da ontologia social moderna?

Bibliografia:

  • GIDDENS, A. (1994), Modernidade e Identidade Pessoal, Oeiras: Celta Editora.
  • HALL, S. (2003), A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, Rio de Janeiro: DP&A editora.
  • LAHIRE, B. (2003), O Homem Plural, os Determinantes da Acção, Petrópolis: Ed. Vozes.
  • LYOTARD, J. F. (2003), A Condição Pós-Moderna, Lisboa: Gradiva.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

Nelson Artur Lopes
Professor do Ensino Secundário nas Caldas da Rainha. Mestrando em «Educação e Diversidade Cultural»
Nelson Artur Lopes
Professor do Ensino Secundário nas Caldas da Rainha. Mestrando em «Educação e Diversidade Cultural»

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