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Formação Inicial de Professores: Quo vadis?

No estilo disparar primeiro, perguntar depois e fazer ainda pior através da emenda de sonetos que já não eram grande coisa, a actual equipa do Ministério da Educação voltou às páginas dos jornais. Convém recordar que, para esta como para outras equipas deste e de outros ministérios, governa-se, muitas vezes, mais para e com as páginas dos jornais do que propriamente para resolver os problemas com os quais o país se defronta. Neste caso, as ditas páginas serviram para anunciar como a formação inicial de professores iria passar a entrar nos eixos por obra e graça de um exame de fim de curso, o qual iria permitir retirar das escolas todos os professores ignorantes que por lá pululam. Assim, mais uma vez, os exames são alcandorados à categoria da Senhora de Fátima ou do Euromilhões e tudo estaria bem, se os milagres não dependessem, apenas, da fé dos crentes e nós não tivéssemos de baixar à terra para enfrentar a realidade. E a realidade é que nenhum exame garante a quem quer que seja que um candidato a professor se encontra minimamente apto para o exercício de uma profissão com as características e as exigências da profissão docente. Falemos sério e falemos claro, sobretudo quando se sabe que esta é uma medida que se adopta mais para que uma ministra de um governo socialista possa subir na cotação dos Marques Mendes deste país do que propriamente para que o país lucre com ela.
Os arautos dos exames, como de costume, rejubilaram. Outros manifestaram o seu apreço pela medida porque, finalmente, se iria acabar com a inflação das notas no final dos cursos que parece ser uma estratégia dos mesmos e aparentemente únicos bandidos de sempre: as escolas privadas de formação de professores. E os restantes, aqueles que ousam pensar que os exames não são a poção mágica salvadora, lá foram acusados, mais uma vez, de apelar ao laxismo e à mediocridade. É, assim, que nesta espécie de batalha naval continuamos a não discutir seriamente as questões. E, neste caso, as questões estão muito longe de poder ficar circunscritas à existência, ou não, de um exame nacional para classificar e hierarquizar na lista de colocações os futuros professores. Para além da questão do exame, temos que enfrentar ainda a questão da formação dos educadores de infância e dos professores do 1º CEB, bem como a dissociação absurda entre formação científica e formação pedagógica.
Para alguns, e a coberto das costas largas de Bolonha, estas são questões que não vale a pena serem debatidas, como se houvesse apenas um percurso e esse percurso já tivesse sido decidido por um conjunto de burocratas sem nome. Mas mesmo que isto fosse verdade, e não o é, importa que possamos equacionar os desafios e formular outras propostas, quanto mais não seja para que se saiba que há outras alternativas, credíveis e necessárias. Alternativas estas que defendidas hoje, poderão contribuir para que amanhã se saiba que a incompetência tem rosto, tem nome e tem progenitores, de forma a que não sejam os mesmos de sempre a serem acusados na praça pública pela desgraça das escolas: os professores, os gestores e os formadores relacionados com a formação contínua, os alunos e as respectivas famílias.
Da proposta do Ministério há, como o afirmamos, três questões a discutir: a do novo exame de final de curso, a cheirar ao mofo do velho Exame de Estado; a desvalorização real e simbólica dos cursos de formação de educadores de infância e de professores do 1º CEB e, finalmente, a dissociação entre formação científica e pedagógica que apesar de ter mostrado ao longo destes anos, através de realizações concretas, que pode ser muito pertinente se não servir para formar professores, continua a ser publicitada como a cura para todos os males. Como o assunto é sério deixaremos as duas últimas questões para próximos artigos, enfrentando neste, apenas, a primeira das questões formuladas: a questão do exame, começando por recordar a experiência de provas desse tipo que temos vindo a acumular e, sobretudo, a dimensão dessa experiência em que se demonstra que o exame rapidamente deixa de ser um instrumento de avaliação para passar a ser o objectivo da acção profissional de qualquer professor. Foi assim com as provas de avaliação aferida no 1º CEB que transformavam os terceiros períodos das turmas do 4º ano em momentos de treino para essas provas, as quais, por sua vez, nada tinham a ver, nem elas nem o treino, com o tipo de trabalho que os professores e os alunos tinham andado a realizar nos três anos e nos dois períodos lectivos anteriores. É, assim, com os exames do 12º ano que conduzem os nossos adolescentes a ler toda a espécie de sinopses, resumos e análises sobre os «Maias» sem que muitos deles tenham que ler o próprio livro para obterem as notas desejadas. É, assim, com os exames de Psicologia onde há alunos que sabem de cor o manual sem que isso queira significar que ficaram a saber coisa alguma ou, pelo menos, que ficaram a saber alguma coisa de jeito. Ao lado, alguns ingénuos que lêem e estudam através de fontes de informação mais fidedignas e complexas, envolvendo-se numa relação mais inteligente com as temáticas do programa vêem esse esforço e investimento produzir, paradoxalmente, resultados contrários aos desejados porque os critérios de avaliação adoptados não contemplaram tudo aquilo que não era oficialmente reconhecido como o saber oficial.
O que querem os nossos governantes com os exames do final de curso? Talvez queiram, provavelmente, que os futuros professores saibam recitar de cor a função da imagem mental, fazendo de conta que acreditam que tal sabedoria os pode ajudar a compreender, e a dispor-se a compreender, como a humanidade e as manifestações de inteligência das crianças também dependem da humanidade, da disponibilidade e da inteligência dos seus professores. Para que servem os exames? Provavelmente para que se saiba que os futuros professores são capazes de resolver problemas complicadíssimos de Matemática e de Física, sem que isso, no entanto, garanta que sejam capazes de compreender de que tipo de apoios pedagógicos e didácticos podem ir beneficiando, um dia, os seus alunos para aprenderem Matemática e Física, o que para além de ser uma tarefa e um desafio diferentes, por vezes bem mais complicados, pressupõe que a formação seja, também ela, distinta e não menos exigente. Querem exames ? Façam-nos, então, mas à entrada do curso de formação para a docência, após a conclusão de uma qualquer licenciatura que os candidatos tenham decidido obter, completando, assim, o que será suposto ser a formação científica de que necessitam para assumir, no futuro, a profissão docente. Pelo menos, e neste caso, talvez os exames possam limitar os estragos de uma tal opção.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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