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Guerra e política

?Hollywood discovers that
the  earth is not plane?

Variety, 28 de Novembro 2005

Porque é que o semanário da indústria do espectáculo vinha com um título tão estrondoso como este? O artigo explica que a mundialização está no horizonte económico dos estúdios. Há vinte anos que o estrangeiro joga um papel cada vez maior na economia hollywoodiana. Até há pouco era apenas a Europa Ocidental e o Japão. Hoje, é realmente o mundo inteiro que entra nas contas das multinacionais do ?entertainment?- toda a Ásia, o Médio-Oriente,  a América Latina...Em 9 de Janeiro de 2006, a Variety voltava ao assunto, explicando que se revelava demasiado complicado para os estrategas de Hollywood.
Esta dimensão geo-económica faz parte do fenómeno actual manifestado por alguns filmes sintomáticos: não só ?Syriana? ou ?Munique?, mas também ? Good Night, and Good Luck?, ?Jarhead?, ?The Constant Gardener?. Estes filmes não traduzem somente o comprometimento efectivo contra a política de Bush da grande maioria das estrelas, ou as dúvidas profundas do realizador-produtor Steven Spielberg, que há mais de vinte anos se acha portador de uma mensagem para os seus contemporâneos. Estes filmes, e é, sem dúvida, um dos seus aspectos mais interessantes, traduzem a obrigação e a dificuldade da indústria  em defrontar uma mundialização menos simples que o modelo de expansão clássica sobre a qual o Império do terceiro tipo até agora funcionou. (...)
Se o movimento de opinião manifestado por diversos realizadores existe, e isso é um facto, também o é que ele beneficia dos enormes meios de produção de Hollywood, graças a esta convergência objectiva, e á capacidade do sistema de tirar partido disso. Enquanto a televisão oferece aos franco atiradores como Joe Dante a oportunidade de filmar temas polémicos, as duas super produções ?Munique? e ?Syriana? são projectos industriais pesados, ao serviço de uma concepção do mundo desorientada, que é a última coisa que se poderia esperar.
Esta desorientação é nova. Os grandes filmes do final dos anos 80 referiam-se a modelos sociais e morais, a uma ideia de comunidade á qual se opunham as forças de destruição ou da diluição, a uma partilha do bem e do mal cujas perversões punham em causa o funcionamento das ?regras do jogo?, mas nunca o sistema. Coppola, Cimino, Scorsese, De Palma, Eastwood, Pakula, Penn, Sidney Pollack e Oliver Stone, claro, Spielberg evidentemente, mas também Michael Mann ou M. Night Shyamalan... transgrediram todas as fronteiras, interrogaram a sua validade e mesmo o seu traçado. Mas nenhum as apagou. E, quase sempre, a família era a comunidade de referência, atravessada por todas as interrogações, mas com um horizonte comum - que era obviamente o horizonte americano: Hollywood nunca fez , até hoje, senão filmes sobre os americanos, mesmo os filmes sobre o Vietname, ou ?A Última Tentação de Cristo? e ?A Lista de Schindler? em que nenhuma personagem é americana.
Não é o caso, de uma maneira exemplar, de ? ?Syriana? e ?Munique?. São filmes da era global, onde os Estados Unidos têm um papel dominante, mas onde a conformação do espaço, do tempo, dos imaginários, está longe de ser inteiramente modelizada pelos esquemas americanos. Isso joga-se segundo dois processos diferentes, o do mosaico e da desconstrução. Levando bem mais longe o fraccionamento narrativo simplista de ?Traffic?, realizado por Soderbergh de um argumento seu, Stephan Gaghan orquestra em ?Syriana? uma simultaneidade onde os mais atentos reconhecerão o padrão da série ?24 horas?. Mas contar acontecimentos que se passam simultaneamente em Washington, Teerão, Genève, Dubai e Dallas, não serve aqui para construir uma desmultiplicação dramática, o objectivo é mostrar as interacções das decisões económicas e políticas à escala internacional. O projecto de ?Syriana?, pondo o petróleo como força de ligação mundial e o Médio-Oriente contemporâneo como arena a ferro e fogo é objectivamente pedagógico. (...)
E se o filme no final - e isso é um dos seus limites - não resiste ao regresso do seu herói a casa, mesmo assim deixa as suas roturas. As mais profundas, tratadas de maneira voluntariamente não espectacular, as relacionadas com a ligação pai-filho que estruturam o filme, a relação morna e ao mesmo tempo violenta entre o advogado negro e pai, o muro entre a personagem de Clooney e o seu pupilo, o velho emir traindo o seu filho mais velho, Matt Damon abandonando a mulher, o filho e a dor pelo filho morto- aqui indo mesmo longe demais- para ajudar o príncipe progressista a tentar construir uma democracia sem tutelas das petrolíferas americanas. As ligações familiares tão metodicamente postas em causa, não víamos isto no cinema de Hollywood  desde...sempre
Mais do que as variações mais ou menos progressistas de tal ou tal sector de Hollywood, é aqui, na complexidade de um mundo bem real, e experimentado pela indústria, que vibra efectivamente, no coração da indústria do espectáculo, uma nova fibra política.

Nota:
Para ler este texto na integra consultar a edição on-line de a Página da educação


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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