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Mudaram os textos. E as leituras nas escolas?

 ?Texto não é mais sopa de letrinhas?

Nas escolas, é preciso ler criticamente a TV, o que circula na internet, assim como todos os textos que circulam socialmente (...) é preciso romper com os parâmetros da Lingüística e com a restrição da abordagem da leitura ao ensino de língua e literatura. A leitura crítica dos novos textos é uma questão a ser enfrentada por todos.

Este título pretende dar conta de uma lacuna importante na tentativa de aproximar educação e comunicação. Por um lado, pode soar estranho, já que textos são produzidos para serem lidos. A leitura é a sua destinação, sua razão de ser. Por outro lado, a pergunta contida no título é pertinente para o encaminhamento das questões relativas às práticas de leitura na contemporaneidade.
Até há pouco tempo, diante da palavra leitura, pensava-se imediata e exclusivamente no texto escrito. Assim, para desenvolver a habilidade de ler, a única condição a ser satisfeita parecia ser a alfabetização. Na música popular brasileira, uma crítica a esta perspectiva foi feita por Chico Buarque, em Almanaque, através da indagação a respeito de ?quem foi que inventou o analfabeto e ensinou o alfabeto ao professor?. Uma resposta tem sido, especialmente nos chamados países do Sul, a promoção de campanhas para a erradicação do analfabetismo. 
Face ao reconhecimento da existência de um enorme contingente de analfabetos funcionais, mesmo em países centrais como os Estados Unidos da América, a noção de alfabetização foi sendo substituída pela de letramento, superando a perspectiva da mera decodificação de sinais gráficos, remetendo às mais diversas situações de uso da linguagem verbal escrita.
Talvez esta linguagem seja a chave para a aproximação das questões relativas a textos e leituras nos atuais contextos midiáticos e escolares. Para usar a expressão de alunos de uma escola pública no Rio de Janeiro, ?texto não é mais sopa de letrinhas?. De fato, com as novas tecnologias da informação e da comunicação, os textos se tornaram mais complexos, tecidos não apenas por palavras, mas por imagens e sons, articulados e, na maioria das vezes, em movimento.
Os novos textos, tecidos por múltiplas linguagens, implicam condições técnicas de produção inacessíveis à maioria das escolas, o que pode explicar, em parte, a disjunção de textos e leituras no imaginário social. É como se a concepção de texto tivesse sido ampliada pelo afastamento da sua destinação, a ponto de mudarem os textos (midiáticos) e permanecerem as leituras (escolares). Um indício pode ser encontrado em expressões como: ?ler um texto? (escrito) e ?ver TV?.
Nas escolas, é preciso ler criticamente a TV, o que circula na internet, assim como todos os textos que circulam socialmente. Em outras palavras, é preciso romper com os parâmetros da Lingüística e com a restrição da abordagem da leitura ao ensino de língua e literatura. A leitura crítica dos novos textos é uma questão a ser enfrentada por todos.
Sem dúvida, esta questão não envolve apenas a coexistência de diferentes linguagens (matérias significantes) em um mesmo espaço, mas os sentidos produzidos na/pela dança destas linguagens. Porque palavras, imagens e sons nem sempre dançam para a convergência, reforçando umas às outras e, mesmo quando o fazem, abrem diferentes possibilidades de leitura. Às vezes, remetem a sentidos diferentes, umas pra lá, outras pra cá. Quem nunca passou pela experiência de estar apenas ouvindo TV enquanto fazia outra atividade e, diante de falas que provocassem o desejo de ver, se deparou com imagens diferentes das que palavras e sons haviam sugerido?  
Os textos estão cada vez mais complexos, com texturas variadas, em função dos modos pelos quais as linguagens se articulam na produção dos sentidos. Tentar dar conta das tramas que os constituem é um movimento que esbarra na ausência de manuais de instrução. É trabalho a ser produzido a partir da observação atenta da construção dos novos textos e da abertura para as várias leituras feitas pelos diferentes sujeitos, com suas histórias e seus lugares de ver/ouvir/dizer/ler. Porque o chamado modelo escolar de leitura, de inspiração autoritária, tende a buscar ?a? interpretação correta, perdendo a sua dimensão substantiva, necessariamente plural.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

Raquel Goulart Barreto
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ
Raquel Goulart Barreto
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ

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