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Ingratidão pela classe docente

A ingratidão com que a sociedade, em geral, trata os Professores é sintoma óbvio de decadência moral e de emancipação do egoísmo e da irreverência incivilizada.
As pessoas julgam-se auto-suficientes, crêem que vivem no auge das suas faculdades pessoais e sociais, refugiam-se nesta utopia de miséria imodesta e enterram o agradecimento e respeito devido a todos os que participaram no seu processo educativo (ainda que frustrado, como a realidade demonstra com tão nítida evidência) com tamanho frenesim como se de fantasmas medonhos se tratassem.
Culpa de todos nós sem dúvida, mas quem tem responsabilidades governativas não deveria pactuar com este regime da ingratidão e ainda menos, fomentá-lo como sucede com os actuais representantes do Governo nestas matérias da Educação.
Os Professores são profissionais da inversão da contrariedade:
? Lidam com alunos contrariados e investem todo o seu saber na inversão desta desmotivação;
? Lidam com colegas que alimentam intrigas, as quais são naturais em qualquer comunidade de pessoas mas agora alimentadas por medidas governativas que impedem o bom trabalho dos profissionais de educação, obrigando-os a inverterem esta situação adversa, realizando ainda mais horas extraordinárias (não remuneradas) para terem o trabalho lectivo em dia, com rigor e alguma criatividade;
? Lidam com os Encarregados de Educação cada vez mais descuidados com a Educação dos menores e dependentes a seu cargo e com um desdém e desconsideração crescentes pelas funções daqueles que têm a seu cargo não um, nem dois, três ou uma dúzia de meninos e meninas mas antes, cem, cento e cinquenta ou mais crianças e adolescentes adoráveis e intranquilos, cuja desorientação a nível educativo importa inverter e nortear;
? Lidam com representantes do poder local, com organizações representativas de interesses locais e culturais, entre outras e quão desentrelaçadas e difíceis de inverter, se tornam, por vezes, as visões e as estratégias de intervenção preconizadas.
A tudo isto se associam as pressões para a obtenção de sucesso escolar (tão confundido com o sucesso educativo e maltratado pelos mais recentes diplomas legais, insensatos e segregativos) oriundas dos mais recônditos pensamentos:
? De alguns políticos, representantes de uma sociedade que vai sucumbindo em cada promessa política não cumprida, em cada rombo provocado pela usurpação imputada aos inflamados pela ganância do poder e em cada ideia iluminada de sucessivas equipas ministeriais que falham em perceber que no trilho por onde tropeçam sob a luz ofuscante das suas ideias sinistras, outros caminham de forma graciosa, cada um com a sua luz ténue e esclarecida mas iluminados pela claridade reveladora de todas as luzes ténues que se associam;
? Dos Encarregados de Educação tão preocupados com a instrução e a preparação técnica dos seus educandos e tão em estado de alerta, especialmente e até somente, nos finais de períodos lectivos, perdendo a oportunidade de se inteirarem e de conviverem com um processo tão rico e mágico de educação e de desenvolvimento que ocorre com maior ênfase, antes da última semana que precede o término desses períodos;
? Dos tão emblemáticos e fúteis rankings de escolas ou com maior rigor, dos rankings dos contextos familiares e sócio-económicos dos alunos;
? Da sociedade em geral, viciada em prazeres fáceis e em aquisições fartas em visibilidade e tão somente.
Para quando o fim da ingratidão?
Os Professores nada prometem e continuarão a trabalhar. Outros mais talentosos e especializados no engodo da promessa que as continuem a fazer.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 154
Ano 15, Março 2006

Autoria:

Rui Pires
Professor de Educação Física. Escola Secundária de Severim de Faria
Rui Pires
Professor de Educação Física. Escola Secundária de Severim de Faria

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