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A menina pianista

Para
Helena Sá e Costa

Nasceu no dia que lhe correspondia, como dizia Charles Dickens no seu texto David Copperfield. Foi-se embora, em meia hora, no dia que ninguém queria. Mas, não ficamos sós, ficamos com ela, na sua música, no seu exemplo de serenidade, de alegria, nos seus concertos e nos seus discípulos, bem dentro de toda essa imensa família: de irmã violoncelista, D. Madalena de Sá e Costa, dos sobrinhos, das sobrinhas netas, e no melhor dos seus discípulos, como Pedro Burmester. Além de mais, já estava entre nós dentro da família musical, como a imensa de Johann Sebastian Bach, a começar pelo seu avô violinista Bernardo Moreira de Sá e dos seus pais, ambos pianistas e professores, Luís e Leonilda, os seus primeiros professores. Era ainda uma menina quando aprende piano, tão nova e já com essa paciência de se sentar todos os dias no pequeno banco para ultrapassar a distância entre o seu corpo e o teclado do piano. Ou, ainda, sentada no colo de um dos pais, deliciada com esse carinho e com o prazer que lhes causava, enquanto observavam a alegria da pequena na música que se ouvia. A menina pianista.
Será que os pequenos são capazes de ter paciência para trabalhar em música, antes ainda de ler livros? De estar horas a mexer com os braços por cima do piano? E as brincadeiras? Quando aconteciam? Ou não brincava? Por onde andava a irmã, que se agarrava a um tremendo instrumento com o dobro do seu tamanho, para aprender e acompanhar? Era um grupo pequeno, fechado, bem amado, amigo dos amigos, com crianças que se distraíam com as da casa Sá e Costa. Uma família normal que fazia música como parte das brincadeiras. Uma família feliz, com escola, com leituras, com colegas de turma, como todos os mais novos de Portugal. Persistente, gostava de acrescentar, os mais pequenos, bons para rir e para as ironias. É o que a própria Helena Sá e Costa me contou, anos atrás. Um sobrinho dela costumava dizer: ?A tia teve uma grande carreira, estudava muito, mas tinha muitos amigas e amigos e gostava muito do convívio e da animação?. É simpático pensar como os Costa e os Bach eram famílias musicais, e até nomes semelhantes havia entre eles: a segunda mulher de Johann, tinha por nome Madalena, e há obras dele que lhe são dedicadas, que Helena tocava, dedicando-as a uma irmã e a uma sobrinha neta, com o mesmo nome.
Bem sabemos que as crianças crescem. Dois crescimentos, pelo menos acontecem, o físico e o intelectual. Luís Costa já não tinha duas meninas, tinha duas raparigas. Helena foi aprender mais com Viana da Mota e, a seguir, com Alfred Cortot e depois, na Alemanha com Edwin Fisher. Enquanto a irmã, Madalena, estudava violoncelo com Pau Casals (em Castelhano e em Catalão, Pau Casals era e é reclamado pela Catalunha). As raparigas eram já mulheres adultas, mas na vida musical, eram ainda crianças. A persistência da prática, permitiu-lhes aprender e crescer. Madalena teve marido e filhos, mas o violoncelo continuou, não só para dar concertos, mas para ensinar a sua própria descendência a brincar com instrumentos. Até ao dia de hoje, mãe e filho tocam O Cisne de Saint ? Saëns, entre outras obras. Porém, Helena casou com a música, com seus discípulos, com os seus versos, a sua autobiografia, os concertos e o ensino. Quem quiser aprofundar, pode ler o seu livro e as críticas jornalísticas, a sua história de vida, os textos de Pedro Burmester, bem como os comentários positivos do dia da inauguração do Teatro Helena Costa, no Porto, há já 7 anos.
Não é da sua biografia que eu queria falar. Era do exemplo da sua teimosia e amor à música, que a levavam a praticar da manhã à noite, que a fez estudar piano na Alemanha e andar pelo mundo só ou com o seu Mestre Fisher a dar concertos. E de como uma menina foi capaz de se fazer uma heroína nacional pela sua capacidade de harmonia, pelo seu Concerto Italiano de Bach, pela paciência de ensinar os mais novos a tocar, produzindo assim, os melhores pianistas do nosso meio musical. Criança capaz de entender a vida, mesmo depois do dia em que saiu do lar, para dedicar os seus talentos ao que mais gosta fazer: a música que deu ao mundo. Não sei se Deus existe, ela pensava que sim. Essa Divindade, seja ela quem for, que a faça cantar no coro dos Anjos. Bem-haja, Minha Senhora, que, em menina, se fez pianista e ofereceu-nos a ternura do seu Bach e do seu Mozart, de toda a música Barroca e de Câmara. O meu grande orgulho foi conhecê-la e ouvir as suas Histórias e os seus comentários de pentagrama, que me ensinaram mais melodia. Bem ? haja, porque assim outras crianças têm um exemplo de persistência para fazer da música, uma alegria de vida. Muito obrigado dizemos em Portugal, pelo prazer que nos deu e continua a dar. Os Costa estão de festa: todos eles cantam e os mais novos, já estão a aprender. Helena Sá e Costa, Heroína Nacional.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 154
Ano 15, Março 2006

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Ana Paula Vieira da Silva

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Ana Paula Vieira da Silva

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