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Madrid por altura da ARCO 06

Por onde passa a Avenida da América, em Madrid? Não sei, só sei que não é longe das Puertas onde o Sol nunca se põe, num permanente movimento que alguns ainda chamam, com razão e com emoção, de ?movida?. Às duas de uma noite de Fevereiro p.p., em pleno fim-de-semana da Feira de Arte de Madrid, vulgo ARCO, a rua, cheia de gente, apetece, nos seus 9 graus centígrados de temperatura. Há muito que não me sentia tão livre, tão cidadão, apesar de quase toda a Europa estar a tiritar de medo e de frio.
De regresso à Pensão Barata (nome fictício, como convém), passamos à porta do Hotel Puerta America, na citada Avenida da América. ?Uma ideia de liberdade feita realidade, um espaço de encontro onde se unem diferentes culturas e formas de entender -  a arquitectura e o design. (?) Um projecto único que reuniu 19 dos melhores escritórios de arquitectura e designers do mundo, de 13 nacionalidades diferentes?.
Um luxo de uma dúzia de andares, cuja concepção arquitectónica foi entregue, andar a andar, a um artista ou a uma equipa de artistas diferentes. Como Jean Nouvel, Javier Mariscal, Fernando Salas, Arata Isozaki, Richard Gluckman, Kathryn Findlay, Jason Bruges, Ron Arad, Marc Newson, Victorio, Lucchino, Eva Castro, Holger Kehne,  David Chipperfield, Norman Foster, Zaha Hadid, John Pawson, Christan Liaigre, Teresa Sapey, Harriet Bourne, Jonathan Bell,  Arnold Chan, Felipe Sáez de Gordoa, Oscar Niemeyer. Uma ARCO permanente.
?Madrid me mata?. E da próxima vez que vá à ARCO, provavelmente em 2008, transformando em bienal esta feira anual, que acabou de celebrar as bodas de prata, quero ficar no Hotel Puerta America, uma noite que seja, escolhendo o quarto em função do decorador e do arquitecto. Na Arco de 2008 vai falar-se muito em português ? o país convidado será o Brasil.
?Il n?y a qu?une vie, c?est donc qu?elle est parfait?, escreveu um dia Paul Eluard, o que foi casado com Elena Diaranoff, russa de nascimento, Gala para os amigos, por quem Salvador Dali, amigo do poeta, se apaixonou definitivamente. Eluard cujo poema à Liberdade (?Et par le pouvoir d?un mot // Je recommence ma vie // Je suis né pour te connaitre // Pour te nommer // Liberté?), o que foi lançado aos milhares, em 1942, por aviões da RAF, como um panfleto, sobre a França ocupada, aterrou agora na fachada do Hotel Puerta America, em várias línguas. Julgo, ou espero, que também em português.
Na sexta-feira da ARCO 06 (decorreu de 8 a 13 de Fevereiro), mal acabados de estacionar, numa rua estreita, ao lado do Museu Rainha Sofia, somos surpreendidos por alguém, vindo de uma casa em restauro, que lança para um contentor do lixo uma reprodução da Guernica de Picasso. A poucos metros da sala 6, do piso 2 do Museu Rainha Sofia, onde reside, permanentemente, o original.
Isto não é uma metáfora: é um apontamento de reportagem que está, aliás, documentado fotograficamente. Como convém. Um apontamento para esta reportagem sobre a ARCO 06 que foi a da despedida de Rosina Gómez-Baeza, como directora da Feira, a que teve a Áustria como país convidado e a que elegeu como obra polémica uma pequena escultura a representar Jesus Cristo com uma bomba na mão.
Outro apontamento: uma galeria de Singapura (a Plastique Kinetic Worms), que não consegui descobrir, trouxe uma Guernica reproduzida num puzzle de 300 peças destinadas a distribuir por 300 visitantes que voluntariamente aceitam devolvê-las na edição da ARCO de 2007. Terão sido fotografados com a peça na mão e já garantiram o bilhete de ingresso na feira do próximo ano. Recorde-se que, este ano, um bilhete para um dos dias mais baratos (o domingo e a segunda-feira) custava 24 euros.
Mais caro que uma cortina 100% polyester, de dois metros por metro e meio, com a reprodução do desenho de modelo humano de Leonardo da Vinci (o das pernas e dos braços abertos, dentro de um círculo) que comprei numa tienda IKEA de Madrid.


  
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Edição:

N.º 154
Ano 15, Março 2006

Autoria:

Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias
Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias

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