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"Desporto é proximidade"

Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

Há professores que fazem desporto antes da hora do almoço num convívio salutar e fora do horário, mas dentro do local de trabalho. Pelos corredores os alunos andam de fato-de-banho, t-shirt e calções, em pleno Inverno. Quem chega de manhã bem cedo à faculdade vê sem distinção alunos e professores a correr em torno do edifício principal. Estranha-se que a par das habituais casas-de-banho existam ainda balneários. É assim a Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. Nome recentemente alterado para celebrar este mês 30 anos de existência. Imagem revestida de um verde garrido. ?Somos muito físicos porque o desporto é proximidade?, diz Rui Corredeira, vice-presidente do Conselho Directivo, para explicar a ?informalidade? do ar que se respira.
Formam-se professores e não atletas. É uma frase repetida vezes sem conta. Ainda que muitos atletas profissionais frequentem o curso como uma alternativa ao fim de uma carreira desportiva. É o caso de Carlos Fonseca, 21 anos, futebolista. ?O curso será um meio de assegurar o meu futuro?, diz enquanto o fazemos interromper uma aula de voleibol. ?Sou um profissional, mas é mais seguro continuar a licenciatura?.
Nos dois primeiros anos, a estrutura curricular do curso de Desporto e de Educação Física divide-se em cadeiras de estudos teóricos e práticos das mais diversas modalidades desportivas: natação, basquetebol, voleibol, futebol, andebol, ginástica artística, atletismo. A partir do terceiro ano surgem três opções de especialização em Desporto de Rendimento, de Reeducação e Reabilitação ou de Recreação. ?Que podem ajudar os alunos a desenvolver trabalho noutras áreas que não a do ensino?, explica Jorge Olímpio Bento, presidente do Conselho Executivo. No quinto ano os alunos são integrados em projectos que a faculdade desenvolve sob a prestação de serviços externos. É a componente prática do seminário à qual se acrescenta o estágio pedagógico.
A par da licenciatura de cinco anos, a faculdade aposta forte na formação pós-graduada. Sete mestrados: Actividade Física Adaptada, Actividade Física e Saúde, Actividade Física para a Terceira Idade, Desporto para Crianças e Jovens, Gestão Desportiva, Treino de Alto Rendimento Desportivo e Desenvolvimento Motor. Isto, até novas indicações tendo em vista a implementação do Processo de Bolonha.
A reestruturação é aguardada. Mas não desejada. ?Sou manifestamente contra!?, assume Jorge Olímpio Bento garantindo a mesma posição pela ?quase totalidade? dos professores da faculdade. ?O Processo de Bolonha é uma grande machadada na formação superior aprofundada e alargada?, critica. E continua: ?Só por um daqueles milagres inexplicáveis é que alguém acredita que reduzindo os anos de formação se melhora a sua qualidade!? Por isso, estando a reestruturação definitivamente decidida, caberá à faculdade ?minimizar-lhe os efeitos?, diz o Professor Jorge Olímpio Bento.

Quando estudar é treinar

Entramos no Pavilhão de Ginástica Desportiva. O espaço é amplo e está repleto de aparelhos: as paralelas simétricas e assimétricas, a barra fixa, as argolas, o cavalo com arpões, a trave, o trampolim e o estrado de movimentos livres. Uma turma feminina no 1º ano pratica saltos no trampolim. As aulas práticas são dadas em turmas separadas ?devido à especificidade de algumas modalidades?, explica-nos Carlos Araújo. No exame cada aluna terá de fazer sete saltos e executar a cada um, uma ?figura? diferente. Estudar para um destes exames significa ?treinar?. E implica a utilização dos aparelhos. É o que fazem dois alunos no estrado de movimentos livres. Estudam. ?Desde que não incomode a aula, um aluno pode usar as instalações a qualquer momento para treinar?, diz Carlos Araújo, professor de ginástica.
Mudamos de espaço. Aula de voleibol a uma turma de 2º ano masculina. Os alunos treinam como fazer blocos. ?Ensinamos como ensinar?, diz Rui Faria, professor daquela modalidade. E esclarece: ?Enquanto futuros professores, terão de ser capazes de identificar o porquê de um aluno não conseguir fazer determinado movimento e saber como o corrigir.? O ensino de uma modalidade divide-se então em duas partes. Na didáctica, ensinam-se a fazer os remates, serviços, passes, apoios, a posição correcta do tronco nos diferentes movimentos. Na prática, ?o meio mais adequado de ensinar é por a pessoa a jogar?.
Vamos para o exterior da faculdade. Apanhamos a turma feminina que há pouco estava no ginásio, junto ao relvado sintético. Preparam-se para uma aula de futebol. ?Os alunos gostam de todas as modalidades?, garante José Santos, professor de atletismo. Ainda assim, um dia de aulas implica uma forte ?disponibilidade motora para aprender?, conclui.

Investigação

?Muitas vezes, o mundo laboral não está interessado nos conhecimentos produzidos pelas faculdades?

São várias as áreas onde se produz investigação na Faculdade de Desporto. Para além da pesquisa inerente aos mestrados e doutoramentos, cuja frequência no presente ano lectivo é de 405 alunos, a faculdade presta serviços externos nos laboratórios que dispõe. Resultando daqui parte dos seus projectos de investigação. ?As faculdades têm de corresponder às exigências do mundo exterior?, diz Jorge Olímpio Bento, presidente do Conselho Directivo. Mas, ressalva: ?Muitas vezes, é esse mundo exterior ou laboral que não está interessado nos conhecimentos produzidos pelas faculdades.? A provar este desinteresse, no entender do presidente, ?o facto de os mestrados e doutorados não terem prevalência sobre outro tipo de quadros quando se trata de ocupar cargos?. A agravar um certo desconhecimento geral sobre o que se produz ao nível da investigação na área do desporto.
Para colmatar essa falha percorremos, na companhia de Rui Corredeira, vice-presidente do Conselho Directivo, o longo corredor que acolhe os espaços físicos da investigação. São laboratórios equipados com uma panóplia de aparelhos e gabinetes mais vazios de apetrechos, mas com o essencial: computadores e livros. Porta a porta, a visita vai interrompendo o trabalho dos investigadores.
Como o de José Soares, coordenador do laboratório de Fisiologia do Desporto que resume assim o trabalho desenvolvido: ?Fazemos uma avaliação da capacidade cardio-respiratória e das limitações do ponto de vista físico para perceber até que ponto os atletas são ou não mais susceptíveis a determinado tipo de lesão.? Os dados recolhidos são usados pelos treinadores para melhor preparar os atletas e obter algum aconselhamento para o treino.
Entramos no laboratório de Biomecânica do Desporto. Um dos casos estudados nesta secção foi a implicação do excesso de peso das mochilas no desenvolvimento das crianças. ?A ideia é perceber como se manifesta o movimento e se as forças que o suscitaram estão bem distribuídas pelo corpo?, esclarece Filipa Sousa, assistente. Algo que pode ser feito em crianças, idosos e atletas para os mais diversos fins. No caso dos atletas de alto rendimento é feita uma avaliação das técnicas usadas na prática desportiva, através da gravação de imagens, e procede-se ao estudo da repercussão desse movimento. O objectivo é sempre o de corrigir defeitos ou potenciar desempenhos.

Contas à investigação

Batemos à porta do laboratório de Bioquímica do Desporto. ?Os projectos aqui desenvolvidos têm a ver com a inactividade ou o exercício?, explica Rita Ferreira, bioquímica. Uma das investigações em curso prende-se com o estudo da atrofia muscular. ?Simula-se o acamamento em ratos com o objectivo de se testarem contra-medidas?, resume Rita Ferreira. Parece simples. Não é. São necessárias várias drogas, o que encarece bastante os projectos. ?Não é barato fazer investigação nesta área.? A prova: um anti-corpo pode custar 300 euros e não é suficiente para fazer uma experiência. Apesar de alguns projectos de investigação serem financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, do Ministério da Ciência e do Ensino Superior, o recurso a patrocínios de farmacêuticas para a obtenção de drogas é um modo de contrariar a falta de recursos. Não apenas para a realização da investigação em si, mas também a manutenção dos laboratórios. Haja motivação.
É o que não falta no laboratório de Psicologia do Desporto. Estudam-se as competências psicológicas na actividade física e desportiva. Questões ligadas à ansiedade, concentração, motivação, determinantes no rendimento dos atletas. Mas também a relação treinador-atleta. Fora da competição, estudam-se os hábitos e preferências da actividade física e desportiva de crianças, jovens e adultos. ?O objectivo é analisar e intervir?, resume Cláudia Dias, assistente.
Cineantropometria. ?O nome deste laboratório é complicado?, avisa André Seabra, assistente, antes de explicar que nele se estudam questões ligadas à composição corporal, ao crescimento somático, à maturação biológica e à genética quantitativa. Outra vertente de trabalho é o apoio às aulas na área da estatística: ? Fornecemos aos alunos ferramentas que lhes possibilitem o tratamento da informação no âmbito das suas próprias investigações.? Deixamos os laboratórios.

Serviços à comunidade

Visitamos o gabinete de Recreação e Tempos Livres. Foi daqui que saiu o projecto responsável pela ?ginástica? de Teresa Barbosa, 77 anos. Fomos encontrá-la na sala da musculação a fazer bicicleta. A sua rotina desportiva impressiona: ?Á segunda e quarta faço ginástica, à terça e quinta faço musculação e à sexta hidroginástica.? As vantagens são notórias. ?Ás vezes estou cheia de dores de cabeça e nas costas, saio daqui e já não me dói nada!? Outro dos programas realizados é dirigido a crianças obesas. Duas vezes por semana, vinte crianças utilizam as instalações da faculdade para fazer actividade física. ?Há uma preocupação em não passar a ideia de que estão a praticar exercício para perder peso, mas antes despertar o interesse pelo desporto?, esclarece Paula Santos, uma das coordenadoras do programa sobre os seus objectivos.
Ainda tendo como destinatários crianças e jovens, em idade escolar, um outro projecto iniciado em 1998 onde se estudam os factores de risco de doenças cardiovasculares. O programa implica a avaliação física ao nível do colesterol, triglicéridos, pressão arterial, composição corporal e uma recolha de informação através de questionários sobre hábitos de saúde dos alunos destinatários e dos seus pais. A cada quatro anos é feita uma reavaliação. É a fase mais complicada. ?Perdem-se quase metade das crianças avaliadas da primeira vez ou porque mudaram de escola ou já entraram na faculdade?, lamenta José Ribeiro, coordenador do projecto. A receptividade das escolas nem sempre é a desejável e ?estes projectos só podem funcionar se ela existir?, acrescenta o coordenador, por isso, pede uma atenção especial a quem dirige os estabelecimentos de ensino. Neste momento estão em curso contactos para o início de uma nova fase do projecto no concelho de Matosinhos.
É o gabinete a que pertence o nosso guia, o último a ser visitado. ?Dez por cento da população mundial tem algum handicap e cada vez há mais idosos?, refere Rui Corredeira para sublinhar a importância do trabalho desenvolvido na área da Actividade Física Adaptada. É a dar uma aula de exercício adaptado a autistas que encontramos Natália Correia, professora. O trabalho que desenvolve é assim descrito: ?Em termos motores pode não haver grandes alterações, mas em termos sociais os autistas são muito fechados, por isso, só o facto de estarem uma hora com alguém que não conhecem a responder a solicitações já é muito bom!? Para além do trabalho com associações de apoio a pessoas com deficiência, existem também projectos em escolas dirigidos a alunos com necessidades educativas especiais.
Esta diversidade ao nível da investigação e dos serviços externos prestados pela Faculdade de Desporto à comunidade mostram algo que o presidente do Conselho Directivo da Faculdade, Jorge Olímpio Bento não se cansa de repetir. Que ?o desporto é polissémico e polimórfico!? E que, como nota Rui Corredeira, ?não se cinge apenas à notícia sobre a nova cor do equipamento da Selecção Portuguesa de Futebol?.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 154
Ano 15, Março 2006

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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