Página  >  Edições  >  N.º 153  >  Diferença cultural e mercado

Diferença cultural e mercado

Pode-se dizer que no campo das práticas hegemônicas das globalizações, no qual a economia de mercado é o esteio, o lugar da diferença cultural está garantido. Lugar  conquistado tanto porque as lutas culturais, quando expressas por grupos específicos, podem significar uma ruptura nas lutas políticas em particular, a ?luta de classes? como também pelo fato de poderem ser transformadas em mercadorias de consumo.
Um mercado atento ao crescente reconhecer-se negro ou negra no Brasil  ficou evidente no último censo demográfico do ano 2000. De fato, não só cresce a afirmação pela negritude, mas também identifica-se que a população negra conquistou algum poder econômico o que faz o mercado entrar com mais segurança na busca desse(a) consumidor(a) de produtos que contemplem a raça, a etnia, a sexualidade, razão pela qual o sector de marketing desenvolvido pelos diversos campos do mercado de bens de consumo tem investindo substantivamente na valorização da presença de pessoas negras nos seus pacotes de informação nas mass médias electrónicos  e nos meios informáticos.
É visível como questões de gênero, raça, geração, etnia, sexualidade e classe conquistam lugares no mercado. A sexualidade explicitada nas Parada do Orgulho Gay, Lésbico, Bissexual e Transgênero de São Paulo reúne a cada ano mais de 100 mil pessoas é exemplo da força dos movimentos gay e lésbicos, e é exemplo de como as temáticas de sexualidades alternativas a heterosexualidade vêm sendo absorvidas pela indústria cultural e pela indústria do turismo. A rede de produtos específicos que vão das redes de hotéis, aos pacotes de viagens mostram como o mercado acolhe com tranqüilidade temáticas que ainda são vistas com muita reserva pela maioria da população e por vários sectores sociais e instituições no Brasil.
No domínio da indústria cultural a televisão nos últimos anos toma para si não só a função de entretenimento incorporando um papel no campo educativo. Há que se considerar também que as questões culturais entram nos produtos de entretenimento no caso das telenovelas ao problematizarem a homossexualidade, a negritude, a questão do idoso, da cultura popular. Esse produto está inclusive incorporado a um network internacional com a pesquisa Narrativas Televisivas e Interculturalidade sobre a ficção televisiva e os processos de interculturalidade no contexto da globalização, tendo como um de seus objectos empíricos as telenovelas brasileiras.
Esse acolhimento representa um ?contrato? não firmado oficialmente entre os grupos responsáveis pelos representantes da indústria cultural (cinema, TV, propaganda) e sectores sociais, nas suas lutas culturais e sociais. Aos movimentos sociais e culturais, essa indústria é fundamental na divulgação das lutas por reconhecer-se negro(a), homossexual, lésbica, afro-descendente, portador(a) de necessidades especiais, sem-terra, sem-tecto, na familiaridade que a indústria cultural pode oferecer aos diversos sectores sociais diante de comportamentos ou formas de viver diferentes e que ainda se constituem como tabu.
Por sua vez o mercado editorial enquanto dispositivo no campo da indústria cultural tem dado a sua marca à temática da diversidade cultural e promovido, em sua materialidade, possibilidades de diálogos interculturais. Destacamos como exemplo uma publicação singular: a Antologia de Novos Poetas dos anos 1999 de Heloisa Buarque de Holanda. Nesta publicação está realçada a presença feminina na cena literária, a poesia negra, a poesia judaica, e a presença do outing gay  na poesia 90.
É importante pontuar que no âmbito dos movimentos negros e também de partidos políticos de esquerda há uma forte crítica aliada a uma atitude de suspeita em relação ao mercado editorial. Contesta-se o fato do mercado vir a argumentar que o racismo pode ser mais bem encaminhado através da iniciativa privada. Para Benedita da Silva, o campo da cultura neoliberal funciona como um verdadeiro ?chupa-cabra? quando encontra qualquer inovação cultural.
Entendemos que o espaço conquistado no campo das lutas culturais é uma realidade positiva pelo que pode significar não como ponto de chegada, mas principalmente porque representa uma nova etapa nas lutas culturais agora não apenas para a conquista dos espaços na indústria cultural, mas também para manter uma vigilância permanente nas formas de regulação das mass médias no campo da diferença cultural, uma luta que acontece agora sob a exigência: os saberes e poderes dos novos atores sociais que entram em cena.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 153
Ano 15, Fevereiro 2006

Autoria:

Rosângela Tenório de Carvalho
Professora do Centro de Educação ? UFPE, Brasil
Rosângela Tenório de Carvalho
Professora do Centro de Educação ? UFPE, Brasil

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo