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O que está acontecendo na América Latina?

A tranqüilidade com que Evo Moralles falava, levou-o a dizer, brincando, depois de uma hora de discurso, que algumas pessoas presentes estariam pensando que ele estava incorporando o ?modelo? Fidel ou Cháves, mas que não era nada disso: ?não posso é deixar de falar tudo aquilo que é preciso falar e que o povo boliviano espera que seja falado, mostrando para onde se vai neste governo?.

Acabo de assistir durante 1h30min, pela televisão(1), pelo canal do Executivo brasileiro(2) , ao discurso do novo presidente da Bolívia Evo Moralles, índio, líder dos ?cocaleiros?, expulso do Congresso Nacional, quando fora eleito deputado, em 2002, sob a falsa alegação de estar relacionado ao tráfico de cocaína. O povo boliviano compreendeu esta mentira e o elegeu presidente da república. Ele, aliás, se referiu a esse fato dizendo que o fazia para poder dizer aos deputados e senadores reunidos na cerimônia de posse que viera não com intenções de retaliação, mas estendendo as mãos e os conclamando para, juntos, fazerem as mudanças históricas que o povo boliviano estava esperando ? desde já marcando a convocação de uma Assembléia Constituinte, para o dia 6 de agosto deste ano.
Sobre o que mais ele falou? Sobre tudo o que precisava falar e que era de interesse de seu povo: de tráfico de drogas ? conclamando os Estados Unidos a lutarem juntos sem subordinação de qualquer dos países e entendendo bem que não são os ?cocaleiros? os que fizeram a cocaína ou o tráfico e que por isso não podem ser combatidos ? à necessidade da reforma agrária, dando aos que não têm terra as terras improdutivas do país.
Referiu-se a cada um dos presidentes com uma palavra de amizade e pedindo ajuda: a Kichner da Argentina, pedindo que os argentinos contribuíssem na questão das estradas de rodagens que precisam ser feitas para ligar as regiões do país. A Lula do Brasil referiu-se à questão da ajuda que precisa para recuperar a produção de petróleo. A Cháves da Venezuela lembrou da possibilidade de ajudar na industrialização da Bolívia, já que esta não chegou aí, estando, ainda, no estágio de produtor de matéria prima, exclusivamente. A todos juntos que contribuíssem para incluir a Bolívia nas soluções energéticas da América do Sul. Ao presidente do Chile lembrou que a presença dele ali mostrava que, para além do problema histórico que separa os dois países há quase dois séculos - no princípio do século XIX o Chile incorporou ao seu norte a saída para o Pacífico que a Bolívia possuía ? estava colocada a possibilidade de solução deste problema. Lembrou, agradecendo a presença do príncipe das Astúrias, a amizade que se formara com a rainha espanhola que ao vê-lo chegar muito gripado ao encontro com os reis da Espanha, suspendeu o encontro até que ele fosse atendido pelos seus médicos pessoais: ?graças a que, no dia seguinte, eu estava bom e estou ótimo para a posse.?
A tranqüilidade com que falava, levou-o a dizer, brincando, depois de uma hora de discurso, que algumas pessoas presentes estariam pensando que ele estava incorporando o ?modelo? Fidel ou Cháves, mas que não era nada disso: ?não posso deixar de falar tudo aquilo que é preciso falar e que o povo boliviano espera que seja falado, mostrando para onde se vai neste governo?. Contra a corrupção, lembrando que a Bolívia é indicada como o terceiro país mais corrupto da América, disse que essa é uma luta sem trégua. Em defesa de sérios projetos sociais, indicando que já contava com o apoio de países europeus aos quais viajara antes da posse, lembrou que melhorar as condições do povo boliviano é responsabilidade de todos e, em especial, dos que faziam as leis e as aplicavam.
Para falar sobre essas questões tão variadas e complicadas, ele não levou um discurso escrito por um assessor, levou umas pequenas folhas de papel onde escrevera os tantos itens de que não poderia deixar de falar. Mas seria preciso muito papel para falar de tudo o que ele disse.
Terminou seu discurso em quíchua falando aos índios, seus irmãos. Eu, ali, na frente do que chamamos em meu país de ?telinha?, pensando no dia da posse do Lula, das esperanças que fez aparecer e que hoje estão quase apagadas. Pensando nas lutas de Cháves, no que diz e como enfrenta os EUA ? aliás, por esses dias, este país resolveu ?vetar? uma venda que a Embraer, uma empresa brasileira de construção de aviões, tinha feito a Venezuela sob o pretexto de que esses aviões usavam componentes americanos. Contra isto está lutando o Chanceler Celso Amorim do Brasil.
Pensava ainda na posse da nova presidenta do Chile, primeira mulher a exercer este cargo na América, onde política é principalmente coisa de ?homem?. Médica sempre dedicada às questões sociais e filha de um militar morto no regime Pinochet - cuja família (mulher e filhos), passou dois dias na cadeia, chega a presidência conclamando, também, todas as forças responsáveis do Chile a trabalharem juntas e superar o triste passado.
Frente à televisão, buscava entender o que de novo está acontecendo na América Latina. Meu coração já vivido me diz para ser prudente nas esperanças. Meu coração otimista e minha mente que pensa a idéia de redes de conhecimentos, significados e valores me diz para acreditar, mesmo que seja por pouco tempo, e buscar compreender o que está acontecendo. E contribuir, no limite de minhas forças com aquilo que está acontecendo.
E como afirmamos no nome da rubrica da nossa Página: muito se aprende FORA da escola.

1) ? Domingo, 22.01.2006, à tarde.
2) -  No Brasil os poderes governamentais têm canal de televisão: o Executivo, o Judiciário e o Legislativo, com um canal para a Câmara Federal e outro para o Senado.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 153
Ano 15, Fevereiro 2006

Autoria:

Nilda Guimarães Alves
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ, Brasil
Nilda Guimarães Alves
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ, Brasil

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