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Com quantos anos se faz um licenciado?

Processo de Bolonha

A ausência de orientações do ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) sobre a implementação do Processo de Bolonha está a causar um clima de incerteza nas universidades portuguesas. Com alguns cursos já em pleno processo de reforma dos seus currículos, há quem veja na indefinição do modelo de financiamento um entrave para avançar com a reestruturação científica.

Lúcio Cunha, presidente do Conselho Executivo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra duvida das intenções do MCTES em avançar já no próximo ano lectivo com a implementação do processo de Bolonha. ?A confirmar-se a decisão, a faculdade facilmente poderia reajustar os seus planos curriculares.? É que alguns dos cursos já têm vindo a sofrer reestruturações: como a possibilidade dada aos alunos de maior liberdade na escolha de cadeiras de opção que sejam transversais aos cursos. Numa altura em que as Humanidades têm ?uma procura inferior à que deveria existir?, Lúcio Cunha vê Bolonha como uma ?oportunidade? de captar novos alunos para esta área. ?O ajustar dos modelos de ensino-aprendizagem pode ajudar a relançar o estudo dos saberes mais voltados para a Cultura e o Homem?.
Também no curso de Comunicação Social, da Universidade do Minho, a ideia de reestruturação não é nova. ?Há muito tempo que temos preparado um plano de redução da licenciatura para quatro anos que estava na gaveta devido a esta indefinição de Bolonha?, afirma Zara Coelho, directora do departamento. Agora, segundo orientações da universidade, foi pedido aos departamentos a elaboração de dois planos de curriculares até ao final de 2005: com um 1º ciclo de três anos e outro de quatro. ?O problema é não haver regulamentação, ao nível quer da universidade quer do ministério, que nos permita ter a certeza do terreno que estamos a pisar.?
A Universidade do Porto, por decisão do Senado, optou pelo modelo que prevê um 1º ciclo de quatro anos de estudo e um 2º ciclo de um ano e meio. Apesar de pisar um terreno mais sólido, António Almodovar, presidente do Conselho Científico da Faculdade de Economia, não parece menos preocupado. ?O actual ministro ainda não disse se ia definir um modelo ou deixar espaço de manobra às universidades.? Com as licenciaturas de Economia e Gestão a funcionarem já num modelo de quatro anos, a faculdade terá apenas de reestruturar o 2º ciclo de estudos. Ainda assim, António Almodovar considera ?pouco aceitável? uma decisão ministerial que implemente Bolonha no ano lectivo de 2006/7, defendendo uma ?adesão faseada?.

Contrariando Bolonha

É entre os cursos ligados às engenharias que se encontram mais reticências no que toca à implementação das reformas de Bolonha.
?Há uma exigência para que qualquer licenciatura, ao fim de três anos, possa permitir a entrada de um aluno no mercado de trabalho?, critica uma fonte ligada à Escola de Engenharia da Universidade do Minho que defende ser ?consensual? entre os docentes desta área que o exercício da profissão de engenheiro requer cinco anos de formação.
Neste cenário a adopção de um modelo ?zero mais cinco?, estará a ser ponderado em vários cursos ligados às engenharias não só na Universidade do Minho como em outras.  Na prática, este modelo implicaria o fim do grau de ?licenciado?, pois o aluno completaria a sua formação apenas no final do 2º ciclo já com o mestrado.
Para António Almodovar, ?é possível fornecer licenciados para o ingresso no mercado de trabalho com cinco, quarto ou três anos de formação?. Há porém uma ressalva a ter em conta: ?O nível de empregabilidade destes alunos será sempre diferente.? Até porque, ?actualmente os licenciados em economia destinam-se a ser altos-quadros?, diz António Almodôvar e acrescenta: ?Com três anos de formação vão continuar a poder ser, mas a lógica de Bolonha é impor o mestrado a quem aspira esses lugares de topo.? Remetendo assim, para os lugares de quadros médios os licenciados com três anos de formação.
?A filosofia subjacente a Bolonha pretende desvalorizar um pouco o 1º ciclo de estudos, valorizando o 2º e o 3º?, entende Zara Coelho. No entanto, a hipótese de tal situação poder contribuir para um decréscimo de qualificações dos alunos que optarem apenas pela licenciatura é vista pela docente como uma ?incógnita?. Aos alunos será exigido mais trabalho individual. Aos docentes novas formas de ensinar e avaliar. ?A mudança de mentalidade que o processo implica é enorme e as suas consequências são imprevisíveis?, conclui. 

Quantos ciclos paga o Estado?

É uma questão contornada com pudor, mas além das implicações pedagógicas, os modelos curriculares em discussão têm consequências financeiras. Nessa matéria Lúcio Cunha defende uma maior clareza sob o risco de a discussão se desviar do que é essencial, ou seja, ? do debate sobre o processo de ensino, a formação de quadros e a inserção profissional dos estudantes?. No entanto, Lúcio Cunha é decisivo: ?Se o ministério só financiar o 1º ciclo de estudos, vou querer adoptar o modelo quatro mais um.?
A questão do financiamento ?já preocupou mais os directores de departamento?, contrapõe Zara Coelho. A resistência inicial ao modelo de três anos no 1º ciclo e dois no 2º, justificou-se ?porque era nítida uma preocupação com a redução de custos que se estendia a toda a Educação?. Agora, a directora acredita que a última palavra  sob a possibilidade do ministério poder financiar pelo menos um ano do 2º ciclo de estudo caberá às universidades: ?Teremos de fazer pressão!?


  
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Edição:

N.º 152
Ano 15, Janeiro 2006

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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