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Professores, uma questão de tempo?

... as actividades de ocupação dos alunos e as aulas de substituição são asseguradas por aqueles que habitualmente não faltam. Penso que antes de se tomarem medidas desta natureza, que apenas ?camuflam? a realidade e sacrificam aqueles que vivem a escola, seria útil pensar por que razão a falta de assiduidade nas escolas públicas é ou está a ser um problema.

As recentes medidas publicadas e anunciadas pelo Ministério da Educação estão a provocar nas escolas e nos professores um profundo ?mal-estar?. A obrigatoriedade dos professores permanecerem mais tempo na escola e assegurarem a ocupação dos alunos durante a ausência de outros docentes está a ser penosa para aqueles que sempre trabalharam na e para a escola. São estes aqueles a quem está a ser exigida a resolução de um problema de assiduidade que não é o deles. Afinal, as actividades de ocupação dos alunos e as aulas de substituição são asseguradas por aqueles que habitualmente não faltam. Penso que antes de se tomarem medidas desta natureza, que apenas ?camuflam? a realidade e sacrificam aqueles que vivem a escola, seria útil pensar por que razão a falta de assiduidade nas escolas públicas é ou está a ser um problema.
Todos nós conhecemos, e por vezes até compreendemos, exemplos de docentes que são colocados todos os anos numa escola diferente, longe de casa, da família, em horários incompletos, para quem é mais fácil faltar do que ir trabalhar. Lamentavelmente, o chamado ?sistema? criou e alimenta condições para que estas situações aconteçam. Na incapacidade de se resolverem os problemas do ?sistema?, remete-se para a escola e para os professores um acréscimo de responsabilidades, fazendo crer que estes têm a possibilidade de resolução dos mesmos, bastando para isso mais horas de trabalho no estabelecimento. Esta não me parece a melhor solução, pois as horas de trabalho no estabelecimento esgotam-se em tarefas que pouco contribuirão para a mudança qualitativa das práticas dos professores e das aprendizagens dos alunos, contribuindo, essencialmente, para o desgaste profissional dos professores que deixam de ter tempo e condições para desempenharem as suas funções educativas com a qualidade desejável.
O último despacho, publicado a nove de Novembro, relativo a planos de recuperação, acompanhamento e desenvolvimento de estratégias de intervenção para o sucesso educativo dos alunos do ensino básico que apresentam situações de insucesso, poderia ser um desafio para a escola (re)construir as suas práticas se os professores tivessem tempo para trabalhar questões pedagógicas e curriculares e não estivessem condicionados pelo cansaço, pela desmotivação e pela tristeza que se vive um pouco por todas as escolas. Contrariamente ao que se possa pensar, não está resolvido o problema da assiduidade dos professores e cada escola continua a contar com os mesmos professores de sempre, mas com uma diferença ? este ano não se sente a alegria habitual nem se vê o brilho no olhar.
Finalmente, uma última nota e que se prende com as novas regras para o concurso de docentes, em particular no que diz respeito à sua fixação às escolas. A ser verdade que os professores são obrigados a permanecer na escola a cujo quadro pertencem por períodos de 3 a 4 anos, consoante o nível de ensino, esta medida será mais uma atrocidade que se comete com os docentes, pois não me parece que alguém concorre a destacamento quando está e se sente bem na escola a que pertence. Mais uma vez se está a encarar o problema pela perspectiva errada, isto é, impede-se o destacamento daqueles que querem sair, sem se conhecer(em) o(s) verdadeiro(s) motivo(s) de quem quer sair. Não é impedindo a mobilidade que se criam condições de estabilidade; a estabilidade só poderá acontecer no momento em que os docentes puderem permanecer na escola com a qual se identificam e onde se sentem bem. Se a estabilidade se resumir a imposições normativas descontextualizadas, continuaremos a ter professores ?doentes?,  desmotivados, alienados. Os professores são recursos fundamentais pelo que os devemos envolver e preservar na e para a construção de uma escola mais eficaz.


  
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Edição:

N.º 151
Ano 14, Dezembro 2005

Autoria:

Adélia Lopes
Escola Superior de Educação de Leiria
Adélia Lopes
Escola Superior de Educação de Leiria

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