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Pôr termo à guerra civil nas escolas

Os educadores e professores portugueses acabam de fazer uma das maiores greves e manifestações dos últimos quinze anos. As razões para este levantamento geral são vários. Mas o que mantém os professores indignados e em estado de guerra civil é sentirem-se os «bodes expiatórios» dos males da educação nacional. Os professores, acusados de tudo, estão cansados de ver a escola transformada em vazadouro de todos os problemas sociais e de serem usados por todos os curiosos que na comunicação social ou no ministério têm ânsias de salvar a educação.

O nosso ensino e o nosso destino tem sido assim. Os problemas reais da escola são mais do que conhecidos. As «soluções» sucedem-se em cada ministério que entra. Medidas impulsivas, voluntaristas e falsas. As medidas impostas aos professores e às escolas, e vendidas à opinião pública, não se destinam à resolução dos problemas mas a ocultá-los. As consequências são conhecidas. Desaparecido o ministro ou ministra, após a debandada dos secretários de estado, vemos entontecidos, desgastados, magoados, perplexos, mais desanimados, que os problemas que nos afligem continuam não só intactos, mas, pior ainda, agravados.
De um editorial aqui publicado em Outubro do ano passado e a propósito da precariedade e da incompetência com que sempre foi governada a educação em Portugal, eu resumo o seguintes:
«O primeiro Ministro dos Negócios da Instrução Pública foi António da Costa de Sousa Macedo. Ocupou o cargo de 22 de Junho de 1870 a 29 de Agosto do mesmo ano. Aguentou-se no cargo dois meses e sete dias! Os dois ministros que se lhe seguiram, um ocupou o cargo durante um mês e o outro durante quatro!
Seguiram-se dez anos sem ministério. Em Abril de 1890 voltámos a ter ministro, desta vez designado da Instrução Pública e Belas Artes. Experiência curta. Dois anos e quatro ministros. Seis meses por ministro.
Na 1ª República a elevação dos assuntos da educação a Ministério da Instrução Pública só ocorreu a 7 de Julho de 1913.
Nos 13 anos seguintes, a República deu ao país 51 Ministros! Um ministro por cada quatro meses!

Finda a República, a partir de 28 de Maio de 1926, a ditadura militar e o advento do Estado Novo foram também pródigos a produzir ministros da instrução pública. Entre 1926 e 1936 deram-nos 16 ministros da instrução pública! Um por cada ano e meio.
Estabilizado o Salazarismo estabilizaram os ministros. Nos 34 anos que vão de 1940 a 1974 o Estado Novo disponibilizou-nos 10 Ministros da Educação Nacional. Mais de três anos por ministro!
Apesar desta abundância de ministros, ou também por causa disso, Portugal chegou a 1974 com taxas de escolarização da população miseráveis próximas das que os outros países Ocidentais tinham cem anos antes. 

No dia 15 de Maio de 1974 tomou posse como Ministro da Educação e Cultura (MEC) Eduardo Henrique da Silva Correia. Desde então e até hoje fomos abençoados com 26 ministros. Média de 420 dias por ministro.
Lembro que nestes 135 anos de governo da educação dos portugueses só três ministros lograram completar uma legislatura. Um foi nos anos cinquenta e os outros dois foram os nossos contemporâneos Roberto Carneiro (17.8.1987 a 31.10.1991) e Marçal Grilo (28.10.1995 a 24.10.1999), o primeiro no 1º Governo de Cavaco Silva e o segundo no 1º Governo de António Guterres. Talvez um dos males da educação nacional seja este pegar e largar. Este amadorismo político que não escolhe políticas mas ministros que se apresentam em missão salvadora.
Ninguém tem dúvidas que a escola portuguesa sofre de problemas graves. Alguns são muito nossos, são males da nossa sociedade, e derivam de condições históricas entre as quais as que atrás fazemos referência. Outros são problemas semelhantes aos que enfrentam as sociedades contemporâneas. Sendo os professores os que mais sofrem com estes problemas são eles os mais interessados em resolvê-los. E será possível resolvê-los sem a sua  participação serena, esclarecida, empenhada, a tempo inteiro? Não creio. Por isso, a primeira exigência a fazer ao actual governo é que se deixe de imposições autoritárias e despropositadas. Que chame os professores a participar na resolução dos problemas da escola em vez de fazer dos professores o problema.
Continuamos todos a sofrer a herança educativa fascista. É reconhecido que herdámos uma baixa formação escolar e cultural da população portuguesa. Uma realidade com reflexos profundos na escola e que ajuda a explicar a pobreza dos actuais resultados escolares. O ciclo da pobreza escolar é semelhante ao da pobreza em geral. As famílias pobres têm dificuldade em não  produzir filhos pobres. As famílias de baixa ou nula escolarização tendem a reproduzir tal situação nos seus descendentes. O sistema de ensino, formação escolar e educação social, são chamados a contrariar estas tendências. É por isso que, entre nós, se torna gritante a necessidade de investir em força na educação social e cultural. Investir a partir do conhecimento da nossa realidade e não da cópia de modelos importados.
Urgência das urgências. É preciso unir esforços, para alterar o que for preciso, de modo a conseguir que todos os alunos assumam a escola como lugar de trabalho e aprendizagem e não um sítio de galhofa e de convívio com os seus pares.
É preciso que a sociedade deixe de martirizar os professores e peça responsabilidades a outros sujeitos sociais e educativos a começar pelos pais.
As associações de pais e a sua confederação têm de ser chamadas à responsabilidade. Cabe-lhes trabalhar para educar os pais e não intrometer-se no trabalho pedagógico. É sua obrigação promover a formação dos pais de modo a que estes aprendam a desempenhar as competências básicas de educação parental. No mínimo, eduquem os filhos para irem à escola.
É preciso esclarecer qual o papel de cada actor educativo. Quais as competências dos professores, dos educadores sociais, dos pais, das autarquias, dos agentes culturais, da comunicação social ou do poder político.
É meu convencimento que Portugal precisa de organizar o seu sistema educativo com base em dois subsistemas autónomos: um centrado no conhecimento científico, tecnológico e artístico e outro que organize e desenvolva a educação social tão necessária entre nós. É por isso necessário ? a par da elevada qualificação dos professores ? qualificar, de forma competente, educadores sociais para uma grande pluralidade de áreas. Importa definir as condições em que se pode fazer a mobilidade entre estes dois grupos de profissionais. Uma coisa é certa, ninguém ensina o que não sabe e  pior do que não ensinar é ensinar errado. A educação, seja a científica ou a social, exige a máxima competência, não se faz, em contexto educativo, com curiosos ou com legiões da boa vontade.
Por estas e outras razões as medidas voluntariosas da actual ministra são erradas e perigosas. Não se educa uma população com «graças». Exige-se planeamento sério da educação social a ministrar em cada escola. É preciso preparar e dotar as escolas de educadores sociais competentes. Aos professores exija-se trabalho, dedicação e competência na sua área de intervenção. Avaliem-se resultados. Haja inteligência e bom senso. Conceda-se autonomia. Exija-se responsabilidade. Não se criem «bodes expiatórios». Abandonemos o amadorismo educativo. Os alunos e professores precisam. A sociedade agradece.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 151
Ano 14, Dezembro 2005

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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