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Não é coisa pouca ser poeta

Quando, por questões propagandísticas, a qualidade daquele que também é poeta é apresentada como algo menor, como algo que o pode diminuir comparativamente aos demais, supostamente prosadores, é importante lembrar Florbela Espanca quando ela diz que ser ?ser poeta é ser mais alto, é ser maior // do que os homens! Morder como quem beija // e ser mendigo e dar como quem seja // rei do Reino de Aquém e de Além Dor!?.
Sem que isso signifique um qualquer apoio a Manuel Alegre enquanto candidato à Presidência da República (não está em causa quem apoia quem nem em que volta), a verdade é que num espaço dedicado à poesia é obrigatório vir a público em defesa da condição de poeta, para evitar a propagação da tese que parece dizer serem menores todos aqueles que se dedicam aos versos
 ?É ter de mil desejos o esplendor // e não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, // e ter garras e asas de condor! // // É ter fome, é ter sede de Infinito! // Por elmo, as manhãs de oiro e cetim? // É condensar o mundo num só grito! ?
Dizia José de Alencar que  "o cidadão é o poeta do direito e da justiça; o poeta é o cidadão do belo e da arte". Poeta é o que vê. Poeta é o que vê para além do visível  e a Poesia um dos destinos da palavra. Talvez por isso Neruda, que hoje é quase um dos sobrenomes do Chile, tenha sido ?deserdado? quando comunicou ao pai a intenção de ser poeta.
E no entanto um poeta é aquele que percorre o caminho antes dos outros e o que escolhe a solidão  E também  um fingidor //  que finge tão completamente // que chega a fingir que é dor // a dor que deveras sente."
Saramago diz que pode escrever-se poesia sem se ser poeta (coisa que logo se nota) e que pode ser-se poeta sem jamais se ter escrito um poema. Porque ser poeta é ter um olhar e transpor esse olhar para a palavra da poesia. Deixando que ela se ouça como um eco.
Não é pois coisa pouca ser poeta  É bom que se diga nestes tempos de desprezo pelos poetas.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 151
Ano 14, Dezembro 2005

Autoria:

João Rita
Jornalista, Porto
João Rita
Jornalista, Porto

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