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Tornar o poder local mais plural

As  Mulheres e o poder autárquico

Cientes de que as mulheres têm em Portugal situações de discriminação e que a situação no nosso país é uma das piores da Europa, julgamos importante o desafio que várias mulheres  aceitaram ao integrarem listas concorrentes às últimas eleições autárquicas, mesmo conscientes de que estavam a enfrentar muitas adversidades. No entanto, a luta por uma causa justa, o incentivo que poderiam vir a dar a outras mulheres e a certeza e determinação como pensam poder, através do poder local, introduzir novas formas de fazer política e analisar os problemas dos concelhos e das freguesias levou-as certamente a avançar.
Todos sabemos e há estudos que o confirmam (Freitas, Cardoso, et al., 2003), da fraca participação das mulheres nos órgãos de poder local e de algumas das razões e condicionamentos objectivos e subjectivos que fazem parte de um complexo  conjunto de factores que as tem distanciado do poder político. Algumas dessas razões prendem-se ainda com a velha divisão de papéis sociais que não são naturais, mas sim um produto da história da sociedade e que mesmo parecendo distante é ainda bem real na sociedade actual.
Se analisarmos os números, presentes em vários estudos e, se atendermos ao ritmo registado entre 1976 e 2001, verificamos que a situação de igualdade, na representação entre homens e mulheres nos órgãos do poder local só será atingida em 2115, o que se nos afigura preocupante. Verificaram-se, alguns avanços no final da década de 90, passando a taxa de feminização de 4 por cento em 1979 para 10,4 por cento do total dos eleitos, em 1997, e em 2001, para os 14 por cento. Constata-se que a presença feminina é maior ao nível dos órgãos deliberativos (Assembleias Municipais e de Freguesia) que ao nível dos órgãos executivos (Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia). É nas Assembleias Municipais que a presença feminina é mais marcante ? 13,8 por cento, em 1997 e 17,3 por cento em 2001, enquanto na Câmara Municipal se ficou pelos 13,6 por cento.
Poderemos ainda acrescentar que é na região do Norte onde a participação das mulheres é inferior à média nacional. Na região Centro, localizam-se os distritos em que a taxa de participação feminina apresenta diversos posicionamentos. No tocante ao número de mulheres Presidentes de Câmara constata-se uma lenta progressão em todas as forças políticas. Nas eleições de 1997, das 305 Câmaras Municipais, só 12 ficaram com presidentes mulheres e nas eleições de 2001, apenas 5 por cento dos Presidentes, dos 308 municípios, foram mulheres.
Se analisarmos os dados mais recentes, apresentados pela jornalista Joana Seabra do Público, das recentes eleições autárquicas de 9 de Outubro de 2005, detectamos que foram eleitas apenas 19 mulheres, num total de 308 municípios, o que corresponde ao aumento de um ponto percentual em relação a 2001. Estes números são reveladores de que as mulheres continuam arredadas dos cargos de chefia. Destacamos o distrito de Setúbal que, a par da Região Autónoma dos Açores, elegeu o maior número de mulheres presidentes da câmara, em 9 de Outubro.
Assim, as mulheres, sendo em maior número em Portugal (em cada 100 pessoas, 52 são mulheres) continua a ser um grupo que carrega dificuldades acrescidas e continuam a estar  sujeitas a desigualdades. São, de acordo com dados emanados do INE as que têm menor presença no mercado de trabalho, nos níveis superiores de qualificação profissional, na gestão das empresas e nos cargos dirigentes da Administração Pública. No seu conjunto ganham, em média, menos do que os homens. São detentoras de habilitações mais elevadas mas ocupam situações de trabalho mais precário. São ainda o grupo que dedica mais tempo em tarefas invisíveis, de apoio à vida familiar e às actividades domésticas, não remuneradas e socialmente desvalorizadas.
O poder local deve, por estar mais próximo das populações, ter um papel decisivo na promoção da igualdade e no incentivo à participação cívica e política das mulheres como fundamental para a consolidação da democracia. Homens e mulheres são responsáveis e podem contribuir para a alteração de mentalidades e ultrapassar factores que têm condicionado a fraca presença das mulheres nos órgãos de decisão. O facto de elas não estarem  representadas de forma significativa nos órgãos de poder local faz com que muitos dos problemas que são específicos das mulheres acabem por nunca ser debatidos, sendo até  negligenciados em órgãos de dominação masculina.
As mulheres não concorrem, não porque as populações não o queiram, ou não acreditem nelas, nem pela razão impeditiva das próprias famílias ou instituições, mas pelos corredores do poder que configuram um circuito patriarcal.
Há que alterar este estado de coisas. Acreditamos que são necessárias transformações sociais e políticas, criar uma nova concepção do trabalho, novos modos de compatibilizar a vida familiar e profissional de mulheres e homens, definir novos padrões de emprego, inflectir radicalmente as orientações do ensino e alterar padrões de consumo e  produção,  tal como Maria de Lurdes Pintassilgo tão bem defendeu (1998). 
A presença das mulheres na política autárquica poderá permitir a introdução da visão do feminino na articulação de questões que dizendo respeito a todos, homens e mulheres, devem ser por ambos tratados, ampliando-se assim, o leque de perspectivas e de soluções e contribuindo-se para o enriquecimento do resultado final.
Deixo aqui a minha homenagem às mulheres que, mesmo não tendo sido eleitas se apresentaram como candidatas, nestas últimas eleições autárquicas, pelo contributo que deram para que a nossa democracia se consolide e que haja uma verdadeira equidade entre homens e mulheres.

Fontes:
Dados emanados do Instituto Nacional de Estatística ? INE.
Revista Crítica de Ciências Sócias, nº 50 , Fev. 1998.
 Resultados emanados da Internet, relativos às Autárquicas de 9 de Outubro de  2005.
Investigação conjunta de várias autoras, reunida  no livro ?As mulheres e o Poder Local?, 2003
Jornal O Público de 15 de Outubro.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 150
Ano 14, Novembro 2005

Autoria:

Arcelina Santiago
Professora e consultora de formação. Licenciada em Filologia Germânica pela FLUP. Pós-Graduação em Ciências da Educação e mestre em Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas pela UA.
Arcelina Santiago
Professora e consultora de formação. Licenciada em Filologia Germânica pela FLUP. Pós-Graduação em Ciências da Educação e mestre em Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas pela UA.

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