Página  >  Edições  >  N.º 150  >  Conteúdo e forma do saber pensar

Conteúdo e forma do saber pensar

O PORTUGAL DAS EDUCAÇÕES [VII]

? numa sociedade de informação o que se torna decisivo e crítico para o futuro de qualquer indivíduo não é a informação-conhecimento em si própria, mas sim saber usá-la, procurá-la e saber interrogá-la para responder a problemas próprios.

Em anterior artigo critiquei um dos discursos que faz a agenda política da educação em Portugal. Referi-me ao discurso daqueles que consideram que todos os males da educação em Portugal resultam do facto de se desprezar no ensino básico, hoje em Portugal, o treino, a memorização e a disciplina escolar, em oposição ao prazer de aprender, à criatividade e ao saber aprender. Como referi, a discussão pública sobre a educação básica colocada nestes termos não tem sentido, porque é ignorante da teoria e da reflexão educativo-pedagógica existente no mundo. Pressupõe-se, ainda, que os professores que fazem a Escola, todos os dias, não dão relevo àqueles primeiros valores e os vêem em oposição  aos segundos. Pelo conhecimento directo que tenho daquilo que os professores fazem no ensino básico e com base nos trabalhos de investigação disponíveis em Portugal sobre práticas pedagógicas, penso poder afirmar que tal pressuposto é falso.
A questão de fundo é saber que qualidades da educação são possíveis realizar e promover numa sociedade em que o conhecimento e os diplomas escolares deixaram de ser garantia de prestígio social, de emprego e de trabalho qualificado e onde o nível médio de socialização escolar (número de anos de permanência na Escola) dos pais dos nossos alunos  é, ainda, bastante baixo. Onde, portanto, a legitimidade do valor social da Escola e do que se aprende na escolaridade básica é questionada e interrogada cada vez mais. Repare-se que esta  crise de legitimidade do conhecimento escolar não é só sobre  o que se ensina mas também sobre os suportes (dispositivos e situações) que veiculam os conhecimentos: suportes orais-escritos versus audio-visuais. Para os professores do ensino básico esta é uma realidade de todos os dias, porque estes já há muito são confrontados com fenómenos em que o acréscimo de motivação para aprender não tem uma implicação directa num esforço e interesse intelectual acrescido por parte dos alunos.
A resposta a este problema pode ter diferentes linhas de desenvolvimento conforme se pense nas missões que a educação básica é chamada a desempenhar nos planos da educação cognitiva, da educação estética ou da educação sócio-moral. No que se refere à educação cognitiva, importará clarificar que, no meu entendimento, o propósito da escolaridade só pode ser, na actualidade,  o de aprender a realizar trabalho intelectual: aprender conhecimentos para saber-pensar.
Tal concepção decorre do facto de se considerar que numa sociedade de informação o que se torna decisivo e crítico para o futuro de qualquer indivíduo não é a informação-conhecimento em si própria, mas sim saber usá-la, procurá-la e saber interrogá-la para responder a problemas próprios. Importa não confundir isto com competências sociais e morais (saber-ser) que se podem articular com a aprendizagem do trabalho intelectual, mas que não a garantem. Por exemplo, diríamos não ser possível usar conhecimento que não se domine, ainda que se possa estar em presença de uma criança ou de um jovem com uma grande autonomia social no uso de outros conhecimentos. Tal como não há uma inteligência em geral, também não há uma competência geral que se possa reduzir a uma ?saber-ser?, sem trabalho intelectual durável e continuado sobre saberes específicos.
Poderemos afirmar que existem duas dimensões nas aprendizagens cognitivas que importa não confundir e que devem ser conjugadas, mas que não são equivalentes: uma é a aprendizagem de novos suportes, formas  e processos que permitem usar um dado conhecimento, considerando que este conhecimento/conteúdo não é novo para o aprendiz; outra é a aprendizagem de um novo conhecimento, através de suportes, formas  e processos já dominados, porque já foram utilizados para veicular outros conteúdos de conhecimentos. Em ambas as dimensões pode haver disciplina e treino e prazer e raciocínio, basta que não se caia no erro de querer  ensinar novos conteúdos sem dominar as formas que os suportam ou vice-versa.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 150
Ano 14, Novembro 2005

Autoria:

Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real
Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo