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As novas temporalidades no processo de literacia e os paradoxos dos fluxos internacionais de informação

Como ter em conta as diversas temporalidades no campo pedagógico, num mundo onde a compressão do tempo parece configurar-se com uma amplitude cada vez maior? Estamos, pois, agora confrontados com novas temporalidades. No que tange á educação, uma nova dimensão temporal do processo de aprendizagem está em curso. Esta nova dimensão temporal não se refere apenas ao tempo cronológico (horários), mas a uma pluralidade de tempos que estão em jogo, conjuntamente, na educação: horário escolar, tempo da informação instrucional, tempo da apropriação personalizada de conhecimentos, tempo de leitura e estudo, tempo de auto-expressão construtiva, tempo do erro como parte da conjetura e da busca, tempo da inovação curricular criativa, tempo de gestos e interações, tempo do brinquedo e do jogo, tempo para desenvolver a auto-estima, tempo de dizer sim à vida, tempo de organizar esperanças.
O entrelaçamento e direcionamento dessas múltiplas temporalidades sobre a flecha do tempo cronológico não acontece pelo mero transcurso dos dias letivos. Requer o investimento intenso de energias humanas para que o aspecto árduo e disciplinado do ensino e da aprendizagem apontem para a vivificação dos tempos pessoais de todos os envolvidos. Por estar orientada a essa tarefa vivificadora de tempos humanos, a consciência pedagógica deve consistir numa aposta prazerosa, que acredita que vale a pena retomar todos os tempos mortos e desfrutá-los como tempos vivos do conhecimento, já que os processos vitais e os processos cognitivos formam uma unidade. É por isso que o tempo da escola não pode ser reduzido à contagem das horas de ficar na escola.
Quando se afirma que o tempo escolar é um tempo longo, não se pretende afirmar que estamos exigindo uma presença excessivamente longa na escola. Pelo contrário, os turnos escolares ? tempo que as crianças e jovens passam na escola ? em geral são curtos demais.
A interpenetração do tempo cronológico com o tempo vivo é uma tarefa sumamente exigente. Há os tempos trazidos pelas pessoas (de casa, de fora), os tempos institucionais (muitas vezes distantes do tempo pedagógico), os tempos compactados da invasora ecologia cognitiva das novas tecnologias da informação e da comunicação. E todos eles convergem no minguado tempo da sala de aula. Nela o que mais importa são os tempos subjectivos, isto é, a temporalidade histórica dos sujeitos aprendentes.
Os tempos subjectivos costumam estar inscritos, bastante rigidamente, no tempo das instituições. O tempo institucional deveria estar sempre a serviço de um clima institucional que estimule a sincronização entre tempos cronológicos e tempos vivenciados. A criação de condições de aprendizagem requer que a temporalidade institucional seja colocada em função da produção de tempo vivo, ou seja, a serviço de um tempo que se revele fecundo para a construção do conhecimento e para estimular a sensação de alunos e docentes de que eles efetivamente se encontram inseridos num tempo pedagógico.
Algumas das questões filosóficas ? e pedagógicas! ? mais relevantes do nosso tempo têm a ver com o antigo problema do espaço-tempo, agora recolocado no contexto das experiências de conectividade, interatividade e transversalidade, que se tornaram possíveis, e cada vez mais triviais, com o uso das novas tecnologias da informação. Não se pode ignorar que a cidade é cada vez mais o ?locus? por excelência da escrita. Nela, experimenta-se mais particularmente a pluralidade dos mundos que constitui o mundo contemporâneo: mundo do indivíduo (que também pode ser, como se sabe, o da multidão e da solidão mas igualmente o da solidão sem a multidão que é substituída na tela pelas imagens da atualidade do mundo), mundo das artes, das letras, do trabalho, da política, dos negócios, do esporte, etc ? mundos estes cada dia mais marcados por uma internacionalização que pode ser vivida e analisada de uma só vez, e não contraditoriamente, como um trunfo e um risco.
Hoje, no mundo inteiro, nenhum lar está fora do alcance dos satélites. Alguns países de capitalismo atrasado chegam a ter seus próprios satélites, não como um fator de emancipação, mas como um atributo de soberania - ou seja, como um meio de controle das idéias vindas de fora.
Não se trataria mais de integração, mas sim de assimilação. Certamente não é essa a expectativa da maioria dos usuários. Para estes, trata-se principalmente de melhorar o diálogo entre países e entre indivíduos espalhados pelo planeta. Eles não buscam a rede para fugir do real, mas sim para melhorar sua qualidade de vida, tanto no trabalho quanto no lazer.
Antigamente as idéias, viajavam a pé, viajavam na bagagem dos homens. Hoje elas acompanham sobretudo as ondas e as novas tecnologias da comunicação. Evidentemente, essas ondas são portadoras dos valores da sociedade que as produziu. E entre esses valores, os da democracia. Pois nisso reside o maior paradoxo dos fluxos internacionais, hegemônicos por natureza: deixar passar, mesmo sobre o crivo da ideologia, a sublime idéia da liberdade. Da liberdade e dos direitos humanos. Seu usuário fica a saber, freqüentemente em ?tempo real?, o que acontece no resto do planeta, sentindo-se cidadão do mundo.
Desde que penetrou maciçamente nas regiões mais isoladas, a televisão pouco a pouco mostrou a muitos povos suas próprias condições de vida, mediante a confrontação com a de outros povos do planeta. E essa conscientização sempre inquieta os poderes locais. As ondas que chegam de longe podem merecer muitas críticas, mas pelo menos contribuíram para semear nos espíritos os germes de uma irreprimível aspiração democrática. Resta saber que sedimentos elas depositarão na memória colectiva de amanhã...


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 149
Ano 14, Outubro 2005

Autoria:

José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil
José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil

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