Página  >  Edições  >  N.º 148  >  Associações de pais, participação cívica e efeitos perversos

Associações de pais, participação cívica e efeitos perversos

A investigação empírica vai tornando cada vez mais claro que o ser dirigente associativo dos pais corresponde, grosso modo, a um ?ofício? de classe média.

Retomo a questão das Associações de Pais (APs), abordada nos meus dois artigos anteriores(1). Aí dava conta, entre outros aspectos, de que as entendo enquanto actores sociais, pelo que considero tão pertinente analisar a interacção entre uma AP e, por exemplo, o corpo docente, como entre uma AP e os pais de uma determinada comunidade educativa. No último artigo analisava também a relação entre as APs e os outros actores sociais como uma relação entre culturas. É sobre este aspecto que pretendo aduzir mais algumas notas para reflexão.
A investigação empírica vai tornando cada vez mais claro que o ser dirigente associativo dos pais corresponde, grosso modo, a um ?ofício? de classe média. Daqui podem decorrer sérios problemas acerca do modo de relacionamento entre uma AP e o respectivo grupo de pais que ela é suposta representar. As barreiras de ordem sociocultural são tão mais fortes e eficazes conquanto a sua existência não seja sequer reconhecida (por uns e por outros, mas em particular pelos que denotam uma maior capacidade de iniciativa: os dirigentes da AP). Assumindo que existe uma clivagem sociológica (Silva, 2003) na relação escola-família (em termos de classe social, de género e de etnia), este aspecto revela-se tão mais pertinente quanto estivermos perante grupos que apresentam uma distância cultural significativa face à cultura escolar.
Como se processa a interacção entre a direcção de uma AP (em regra constituída por elementos da classe média) e os pais de meios populares? E os de minorias étnicas e/ou linguísticas? Será que estamos perante uma relação ?natural?, que ocorre livremente, sem qualquer espécie de barreiras? Será que a condição de pais é suficiente para esbater todo e qualquer obstáculo? Sabemos, por exemplo, que não existem grupos étnicos homogéneos, apesar de eles tenderem a ser assim mitificados pelos ?outros?.
Se tivermos em conta que as relações entre culturas são também relações de poder ? por onde perpassam as desigualdades sociais, de índole económica, política ou outra (cf, por exemplo, Stoer e Cortesão, 1999; Wieviorka, 2002; Silva, 2003) ? entendemos que o modo como o papel de uma AP é interpretado por quem a dirige pode contribuir quer para reproduzir desigualdades sociais, quer para as atenuar.
Estamos a teorizar sobre um aspecto particular da realidade social que tem as traduções concretas mais diversas. Por exemplo, algo aparentemente tão comezinho como uma reunião de pais pode produzir efeitos opostos(2). Desde o modo como os pais tomam conhecimento da reunião (uma convocatória demasiado formal pode, na prática, contribuir para os ?desconvocar?), aos conteúdos da ?ordem de trabalhos?(3) (entremeando aspectos mais formais com outros mais de convívio), à linguagem utilizada (e pressupondo que os grupos sociais presentes são todos falantes do português?), ao uso do espaço (disposição tradicional em filas ou em U, por exemplo), à gestão do tempo (não monopolizando a palavra ou não falando demasiado tempo sobre aspectos formais), etc., estamos perante uma miríade de ?pormenores? que, se não forem devidamente acautelados, podem produzir efeitos opostos aos pretendidos ou, pelo menos, aos publicamente enunciados.
Retomando a reflexão anterior: a práxis de uma AP nunca é neutra do ponto de vista dos seus efeitos sociais. O modo como o dirigente de uma AP traduz quotidianamente o exercício do seu papel constitui sempre uma prática social. O modo de relacionamento entre uma AP e os outros actores sociais (pais, crianças/jovens, docentes, auxiliares da acção educativa, representantes de um clube local, de uma empresa, etc.) representa uma relação social. Em suma: ser dirigente de uma AP corresponde a uma forma de participação cívica; ser dirigente de uma AP traduz uma actividade de cidadania; ser dirigente de uma AP constitui um acto político.

Nota: Os artigos podem ser consultados também em http://www.apagina.pt/arquivo/FichaDeAutor.asp?ID=383
Este exemplo coloca-se do mesmo modo para uma reunião de pais convocada pelo corpo docente.
O termo também não é socialmente neutro.

Referências bibliográficas:

  • Silva, Pedro (2003) Escola-Família, Uma Relação Armadilhada ? Interculturalidade e Relações de Poder, Porto: Edições Afrontamento
  • Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza (1999) Levantando a Pedra ? Da Pedagogia Inter/Multicultural às Políticas Educativas numa Época de Transnacionalização, Porto: Edições Afrontamento.
  • Wieviorka, Michel (2002) A Diferença, Lisboa: Fenda Edições.

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 148
Ano 14, Agosto/Setembro 2005

Autoria:

Pedro Silva
Escola Superior de Educação de Leiria
Pedro Silva
Escola Superior de Educação de Leiria

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo