Página  >  Edições  >  N.º 147  >  A participação e a cooperação como tópicos da agenda do debate em torno da escola pública

A participação e a cooperação como tópicos da agenda do debate em torno da escola pública

No último artigo dedicado ao tema da Escola Pública identificámos quatro eixos axiais do debate a realizar, agrupados em torno de duas categorias principais: uma primeira que definimos em função do eixo da diferenciação e do eixo da autonomia e, uma segunda, que, por sua vez, configurámos em função do eixo da participação e do eixo da cooperação. Os eixos que, nesse artigo, considerámos poderem favorecer a construção de um espaço de discussão política, de um espaço de discussão relacionado  com a administração e gestão das escolas, de um espaço da discussão curricular, de um espaço da discussão pedagógica ou até de um espaço de discussão didáctica isomorficamente sujeitos a pressupostos e a opções que, nesses diferentes espaços, nos permitissem reflectir sobre a Escola Pública, enquanto instituição democrática e inclusiva. Nesse artigo colocámos algumas questões em torno dos tópicos da diferenciação e da autonomia e propusemos debates particulares em função de problemáticas tão específicas como aquelas que dizem respeito aos contratos de autonomia, à municipalização das políticas educativas, ao papel do Estado, neste âmbito, e, também, às decisões curriculares, pedagógicas e didácticas que podem estimular a construção de uma Escola Pública sujeita àquelas preocupações.

Neste artigo, chegou a vez de enunciar um outro tipo de questões, suscitadas pelos eixos da participação e da cooperação, que, obrigatoriamente, deverão ser entendidas de forma articulada com as questões já enunciadas no artigo anterior. É que se através das interrogações relacionadas com os eixos da diferenciação e da autonomia se visava evidenciar a importância, os riscos e até os equívocos inerentes ao reconhecimento da singularidade quer dos espaços escolares públicos e das comunidades educativas que os envolvem quer dos alunos e dos professores que os frequentam ou de outros actores educativos igualmente relevantes, as perguntas relacionadas com os eixos da participação e da cooperação têm a ver com o modo como aquelas escolas, as respectivas comunidades educativas e o Estado se articulam entre si e de que modo cooperam, condição para, concomitantemente, se poder abordar a própria qualidade da participação e da colaboração dos alunos, dos professores e, em geral, dos actores educativos que tenham algum tipo de compromissos e de responsabilidades a assumir com e nas escolas públicas. Partindo destas preocupações, importa inquirir, então, quais são as condições a respeitar para se promover a participação dos personagens em causa quer ao nível da administração dessas escolas quer ao nível da gestão curricular e pedagógica dos projectos de intervenção educativa que aí possam ter lugar ? Quais são as especificidades e os espaços de eleição dessa participação, tendo em conta o estatuto e os papéis dos actores anteriormente referidos ? Que tipos de colaboração é possível esperar acontecer entre esses actores, tendo em conta a especificidade das participações de cada um deles ?
Olhando para o tipo de perguntas enunciadas que colocamos compreende-se que as respostas às mesmas passam por discutir previamente como e de que modo é que a participação dos diferentes elementos atrás identificados pode constituir uma afirmação da vitalidade democrática ou, pelo contrário, corresponde, antes, a um aproveitamento do espaço de manobra que os mais diversos grupos de pressão em presença vão gerindo a seu favor e de acordo com os seus próprios interesses ? Como é que sem pôr em causa a participação de quem quer que seja, se regula a participação dos diferentes actores, de forma a impedir ou, pelo menos, a obstaculizar os jogos de interesses que possam desvirtuar o projecto que, independentemente das tensões e dos conflitos que possam vir a ocorrer, se pretende construir como um projecto comum ? Como é que as diversas possibilidades de colaboração constituem oportunidades para se construírem sinergias várias e consequentes ou, pelo contrário, podem dar origem a situações de subordinação ou de instrumentalização, justificadas como situações de colaboração que, de facto, não o são ?
Em última análise, o que está em causa é saber como se responde a perguntas que têm a ver, ou que acabam por nos obrigar a confrontar, com a necessidade de se definirem quais são as responsabilidades educativas e sociais das escolas públicas, quais são as responsabilidades educativas e sociais dos professores ou, então, quais são as responsabilidades dos pais e de outros actores educativos no governo dessas escolas. Perguntas que nos obrigam a identificar, num primeiro momento, quais são os direitos dos alunos, dos professores, dos encarregados de educação e de outros personagens igualmente relacionados com as escolas, para, num segundo momento, discutirmos as exigências desejáveis e possíveis que permitam configurar as expectativas que poderemos desenvolver quer acerca das actividades e dos contributos desses actores quer acerca da intervenção e dos recursos disponibilizados ou a disponibilizar pelo Estado, enquanto parceiro a ter em conta no âmbito do processo de afirmação e consolidação da Escola Pública. É a partir deste ponto que se torna possível definir um quadro de exigências capaz de permitir a atribuição, a delimitação, a assunção e a partilha de responsabilidades, em função das quais seja possível configurar os diferentes tipos de participação no seio da Escola Pública, bem como os diferentes tipos de colaboração que, neste âmbito, se espera poderem vir a acontecer.
Importa, por fim, é que se compreenda como as problemáticas da participação e da colaboração não podem ser abordadas de forma dissociada das problemáticas da diferenciação e da autonomia, as quais de certo modo as determinam e por elas são, igualmente, determinadas. Daí que se deva ter em conta que as respostas às questões propostas neste artigo não poderão iludir as respostas às questões enunciadas no anterior. É da coerência entre ambas ou da identificação das tensões e das dificuldades em estabelecer articulações congruentes entre a totalidade das respostas produzidas que a reflexão em torno da Escola Pública poderá constituir um instrumento de defesa desta instituição política, social e culturalmente tão decisiva para a vida e a educação das sociedades democráticas.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 147
Ano 14, Julho 2005

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo