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A diferenciação e a autonomia dos tópicos da agenda do debate em torno da escola pública
O debate sobre a Escola Pública quer-se mais urgente do que apressado e, sobretudo, exige-se que seja útil. Isto é, exige-se que seja um debate que contribua para clarificar posições, de forma a ser possível estabelecer-se os compromissos necessários à afirmação e reforço dessa escola. Uma Escola que permita a todos os que a frequentam apropriar-se, a seu modo, do património cultural que aí poderá ser disponibilizado e do qual cada um pode e deve beneficiar, enquanto condição capaz de sustentar e potenciar o seu processo de desenvolvimento pessoal e social como membro de uma comunidade de iguais.
É aceitando este pressuposto nuclear que se torna possível identificar quatro eixos axiais do debate a realizar, os quais poderão ser enunciados em torno de duas categorias maiores necessariamente articuladas entre si. Uma primeira que agrupa o eixo da diferenciação e o eixo da autonomia e uma segunda que, por sua vez, agrupa o eixo da participação e o eixo da cooperação. Os eixos que permitem que o espaço da discussão política, o espaço da discussão administrativo-pedagógica, o espaço da discussão curricular e o espaço da discussão pedagógica ou até o espaço da discussão didáctica possam construir-se, tanto quanto é possível fazê-lo, de forma isomórfica quanto aos pressupostos e às opções que nesses diferentes espaços se assumem, de forma a que a Escola Pública se consolide como uma instituição democrática e inclusiva.
Partindo do reconhecimento desses quatro eixos axiais, entendidos como tópicos que balizam a agenda do debate em torno da Escola Pública, decidimos enunciar, então, algumas das questões mais pertinentes relacionadas, neste artigo, com os eixos da diferenciação e da autonomia. Neste sentido, importa começar por discutir se os princípios da diferenciação e da autonomia são princípios desejáveis e necessários à afirmação e consolidação da Escola Pública. Daí que interesse perguntar, em primeiro lugar, até que ponto o reconhecimento da singularidade das escolas pode constituir uma condição inerente ao reconhecimento da necessidade da sua maior autonomia face ao Estado e da sua afirmação como coisa pública ou, pelo contrário, pode constituir a expressão de uma estratégia conducente à desresponsabilização desse mesmo Estado face aos compromissos que deve honrar no que às escolas públicas diz respeito? Quais os mecanismos e as estratégias que potenciam quer a primeira quer a segunda das opções enunciadas? Como é que se revelam, hoje, enquanto medidas do foro das políticas educativas?  
Em segundo lugar, importa perguntar se o reconhecimento da singularidade das escolas constitui uma condição necessária ao combate contra as assimetrias existentes entre esses contextos educativos ou, pelo contrário, pode contribuir para aprofundar tais assimetrias e promover, até, outras tantas? Quais as decisões que contribuem para que uma ou outra das situações enunciadas possam ocorrer ? Quais os sinais e os sintomas que, tanto ao nível dos discursos como ao nível das práticas concretas, permitem entrever os sentidos das medidas que podem conduzir para uma ou outra das vias anunciadas? 
Em terceiro lugar, importa inquirir também se a valorização da singularidade dos professores constitui uma condição necessária à sua afirmação como docentes ou, pelo contrário, pode constituir, antes, uma reivindicação de carácter conservador em função da qual se estigmatizam professores, fruto de uma estratégia que impossibilita o auto-
-reconhecimento, por parte daqueles, das suas potencialidades e fragilidades profissionais? Quais as consequências de uma e outra das atitudes identificadas? Quais as suas consequências do ponto de vista da avaliação do desempenho dos docentes? Quais as suas consequências do ponto de vista da participação dos professores na construção do plano de formação contínua que lhes diz respeito? Quais as implicações de cada uma das opções enunciadas, do ponto de vista da configuração do estatuto da carreira docente e da relação contratual desses professores com o Estado?       
Em quarto lugar, importa equacionar até que ponto o reconhecimento das singularidades e das particularidades dos alunos conduz ao desenvolvimento de estratégias de diferenciação pedagógicas e didácticas inclusivas ou, pelo contrário, legitima a concretização de decisões e de medidas conducentes à exclusão subentendida e cínica de todos aqueles que não se afirmam como alunos-clientes? Como identificar as decisões e as medidas que suportam os projectos de intervenção educativa inclusivos das decisões e das medidas que visam promover um tipo de exclusão escolar que se vai ocultando à medida que se constrói?
É em função destas questões que nos parece ser necessário e possível discutir, então, quais as decisões curriculares, pedagógicas e didácticas que permitem ser interpretadas como decisões de carácter inclusivo, identificando-se, então, os fundamentos das mesmas e as suas configurações particulares. É também em função de tais questões que se podem equacionar os sentidos possíveis dos contratos de autonomia, problematizando os termos em que os mesmos são construídos e identificando as suas potencialidades, limitações e, sobretudo, os seus riscos e os seus equívocos. É, também, a partir daquelas questões que importa equacionar até que ponto desejamos ou recusamos uma municipalização das políticas educativas, reflexão que se nos obriga a abordar o papel do Estado como parceiro, accionista ou entidade estranha a tal processo, compelindo-nos, igualmente, a avaliar, num primeiro momento, qual das opções é aquela que melhor permite a afirmação da Escola Pública e, em segundo lugar, qual é o papel que compete ao Estado assumir neste âmbito. Como enfrentar este debate particular? Provavelmente discutindo como é a maior autonomia das escolas contribui para que cada escola e os respectivos professores possam ser responsáveis pelas decisões que tomam e pelas intervenções que assumem, sem que tal opção redunde na defesa de um progressivo, enleante e insidioso processo de destruição da Escola Pública.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 146
Ano 14, Junho 2005

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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