Página  >  Edições  >  N.º 146  >  2005: ano internacional da física o ano mirabolante

2005: ano internacional da física o ano mirabolante

No Ano Internacional da Física, em Portugal um grupo de professores promoveu um encontro onde se debateu astrologia. Entre a comunidade científica e educacional algumas vozes manifestaram a sua aversão pelo sucedido. A Ciência deve entrar nas escolas e na sociedade para contrariar certas derrapagens, diz-se. A Sociedade Portuguesa de Física aplaude a ideia de um investimento educacional nas áreas das ciências físicas. A efeméride será aproveitada para a realização de debates, conferências e encontros onde só a Ciência terá lugar. Albert Einstein está na rua.

Era apenas um funcionário a trabalhar num escritório de patentes. Uma alternativa por não ter conseguido emprego como assistente no Instituto Politécnico de Zurique onde em 1900 se formara no curso de Engenharia.
Albert Einstein era considerado demasiado rebelde para ser aceite no meio académico. Até que as suas investigações solitárias o tiram do anonimato.Corria o ano de 1905, que mais tarde virá a designar por ?Annus Mirabilis?, quando Einstein publica cinco artigos sobre três descobertas mirabolosas: o efeito fotoeléctrico, a relatividade restrita e o movimento browniano.
E é precisamente a descoberta de que a luz é constituída por partículas, os quanta, que lhe granjeará o prémio Nobel da Física em 1921. Nada que surpreendesse o físico alemão, naturalizado norte-americano. A certeza da genialidade do seu trabalho fez com que Einstein, anos antes da atribuição do prémio, estabelecesse no seu acordo de divórcio que parte do dinheiro a arrecadar seria para a sua ex-mulher. Não é de estranhar, por isso, que no centenário do ?Annus Mirabilis?, a Organização das Nações Unidas elegesse 2005 como o Ano Internacional da Física. Viva Einstein!

Ciência viva

Vila do Conde. Centro Ciência Viva. João Lopes dos Santos, docente do departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, prepara-se para dar uma palestra. O auditório enche, apesar de não ser muito grande. O título ?O que faz Einstein na Minha Sala de Estar?? aguça a curiosidade da assistência constituída essencialmente por professores e alunos da área das ciências.
?É preciso ligar um pouco mais o que se ensina na sala de aula com a própria experiência do aluno para que ele perceba a relevância que isso pode ter na sua vida?, diz Lopes dos Santos. Esta é a razão porque se dispôs a mostrar em que aspectos do quotidiano estão presentes alguns dos princípios mais básicos das teorias de Einstein.
Durante cerca de duas horas, o investigador explicará que o joystick de uma Playstation não funcionaria se não tivesse um dispositivo de foto-células, fruto da descoberta do efeito fotoeléctrico. O mesmo que faz com que a iluminação dos postes de rua se apague ?quando sobre ela há uma incidência luminosa?, a luz do dia. E que sem a invenção do lazer, cujo princípio fundamental assenta na descoberta de Einstein da ?emissão estimulada?, ouvir música ou ver filmes seria algo que nunca passaria pela utilização de um leitor de CDs ou de DVDs.
?A habituação à tecnologia, diz Lopes dos Santos, faz com que os jovens percam o sentido de espanto pelas coisas da Física?. Aqui reside ainda a razão de um certo desinteresse de que as ciências físicas se acham vítimas ao nível da aprendizagem. Não será a única. A experiência de ser um dos coordenadores do projecto Faraday, de apoio ao ensino da Física em escolas secundárias (http://faraday.fc.up.pt/Faraday/) tem mostrado ao investigador que os alunos se sentem motivados quando estão perante ?um componente experimental mais forte?. Lopes dos Santos, acredita por isso, que a ?experiência tem de ser tão natural na sala de aula como a leitura de um texto?. E isto é algo que supõe ?uma mudança da cultura de ensinar?, ou seja, na formação de professores.

A antítese da Física

Foi uma acção de formação de professores pouco convencional que fez estalar a polémica nas colunas de opinião e editoriais de alguns jornais portugueses.
Sob o tema ?Dicas para ser melhor professor?, a associação Pró-Ordem de Professores realizou em Maio um encontro onde se abordavam temas como: ?Leccionar tomando partido dos Signos dos Alunos? ou ?Como utilizar a Energia das Cores?. Para o físico Manuel Paiva, professor e investigador nas áreas da Física e Biofísica da Universidade Libre de Bruxelas, foi grande o espanto ao ser confrontado com o facto estando em Portugal para participar numa série de palestras em escolas básicas e secundárias, inseridas na celebração do Ano Internacional da Física.
A tal ponto que não conseguiu evitar falar no assunto numa conferencia, em Lisboa. ?Imprimi dois acetatos com o programa da tal ?acção? e enquanto eu o lia a plateia não parava de rir, então eu disse: ?Vocês riem mas eu tenho vontade de chorar!??
Pior foi constatar através de uma notícia publicada no diário Público que a adesão ao debate foi total. ?A sala está cheia, 130 lugares sentados. Mas os professores continuam a entrar (...). Ao todo, são cerca de 200, de todo o pais?, lê-se na peça da jornalista Bárbara Wong.
?Não compreendo que possa haver uma tal receptividade por parte de professores cuja responsabilidade é educar, mas no seio das ciências?, lamenta o cientista deixando claro a sua preocupação: ?A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, tem obrigação de agir rapidamente para evitar que haja estas derrapagens que podem ter um papel extraordinariamente negativo para a educação dos portugueses?.
O ?cumulo?, alerta Manuel Paiva é que ?houve vários conselhos executivos ou directores de escolas que autorizaram os professores a não dar aulas para participar em cursos onde se explica a importância da astrologia para ensinar?. Algo que o cientista classifica como ?a antítese da Física?.
Uma palestra deste tipo, diz Manuel Paiva, ?pode parecer divertida ao olhar mais desatento, mas indo ao fundo da questão é algo absolutamente dramático?. E só vem provar a razão de quem, como ele, defende uma maior aproximação dos professores universitários às escolas e aos alunos para discutir a Ciência. E ?desmascarar? as ?cientologias?.

Viver sem ela

Fazia parte da sua genialidade. Einstein não experimentou algumas das suas teorias. É o caso do efeito fotoeléctrico, da relatividade geral e restrita. ?Ele tinha uma maneira de experimentar na qual era mestre, a experiência conceptual?, explica João Lopes dos Santos. ?Podemos experimentar pensando em determinadas situações e vendo o que as leis da Física e a análise nos dizem sobre o que vai acontecer.? Foi segundo Lopes Santos esta ?capacidade de intuir o que ia acontecer numa determinada situação imaginando-se nela que permitiu a Einstein fazer descobertas extraordinárias?.
Como a descoberta da relatividade geral. Tem origem numa ideia absolutamente luminosa, que Einstein considera ser a mais feliz da sua vida, e que Lopes dos Santos considera ?extremamente simples? e resume desta maneira: ?Se eu estou num elevador que está a cair eu não tenho peso porque caio como o elevador cai, se eu na altura largar uma maça ela não cai ao chão porque está a cair com a mesma aceleração do elevador?. Essa ideia apesar de simples esteve na base de anos de trabalho, adverte o investigador. Até que Einstein a conseguisse transformar na teoria da relatividade geral que veio a descobriu em 1917.
No que toca à relatividade restrita (ver caixa Gémeos) não se fazia nada com precisão ou com velocidade suficiente na época, ?mas havia conhecimentos de fenómenos que permitiam a Einstein conceber mentalmente essas experiências que depois elucidavam os aspectos da realidade a que ele analisava?, comenta o investigador Lopes dos Santos.
Sendo a finalidade da Física a explicação de resultados experimentais, de novo se coloca a questão dos equipamentos laboratoriais nos estabelecimentos de ensino. A este nível o cientista Manuel Paiva reconhece que é preciso um grande esforço quer no apetrechamento das escolas mas também na divulgação dos princípios básicos da ciência a toda a sociedade. Como forma de combater ?os charlatães? que a povoam.
Mas até que ponto podemos viver sem os conhecimentos da Física? ?Há pessoas que não acreditam que o homem foi à Lua e vivem sem esse conhecimento?, recorda o cientista. No entanto, contrapõe: ?Num país moderno é indispensável que os cidadãos conheçam o modo como funciona o mundo à sua volta e isso acontece através às leis da Física?. Para Manuel Paiva esta compreensão significa ?qualidade de vida?.
O ensino e a investigação nas Ciências Físicas são ?um problema que diz respeito à sustentabilidade das economias do mundo pós-industrial?. A afirmação é de José Dias Urbano, presidente da Sociedade Portuguesa de Física (SPF) e Comissário do Ano Internacional. Entre os objectivos expressos pela SPF para o Ano Internacional da Física contam-se os de melhorar o ensino da disciplina nas escolas, cativar os jovens e reforçar a aliança da Física com as demais ciências.
Neste contexto, a SPF viu com desagrado a introdução do carácter opcional da Física e Química nos 10º e 11º anos dos grupos 4º A e B, a impossibilidade do aluno de 12º ano escolher em simultâneo Física e Química ou Química e Biologia e a inexistência de Física no 12º ano de alguns cursos tecnológicos como o de Construção Civil e Edificações, Electrónica/Electrotecnia e Informática.
?Num mundo dominado por tecnologias de base quântica como é que a Física pode ser opcional? Andamos a brincar com coisas muito sérias! Este não é um problema da preocupação dos Físicos mas da formação dos cidadãos?, critica José Dias Urbano. ?Como pode um aluno entrar para medicina sem ter Física durante o ensino secundário??, pergunta.
Esta é uma das ideias chave a debater num congresso que a Sociedade Portuguesa de Física e a Ordem dos Engenheiros vão organizar em Dezembro e onde serão apresentados alguns modelos de ensino da Física nos países da Europa. ?Para que se perceba porque uns países são tão desenvolvidos e outros não?, diz Urbano e recordando que a Física é a base de todas as ciências experimentais e por isso ?não pode ser vista como algo que só interessa aos físicos?. Ou pelo menos, recomenda o presidente da SPF, ?não deveria ser?.

Viagens no tempo e balões de hélio

Algumas das descobertas do Einstein podem ser compreendidas através de algumas experiências realizadas e fáceis de relatar e de outras passíveis de serem mostradas de forma simples.

Os princípios de que ?as leis da Física são sempre as mesmas em todos os referenciais? e que ?a velocidade da luz é a mesma em todos os referenciais? têm como consequência que o tempo e o espaço têm alguma plasticidade, dependem do referencial em que são medidos. Quer ver?
Imagine-se que um de dois gémeos faz uma viagem de um mês pelo espaço dentro de uma nave que anda a uma velocidade próxima da luz e depois regressa à Terra. A teoria da relatividade de Albert Einstein diz-nos que no regresso - tendo passado um mês dentro na nave, ou seja, tendo o gémeo que fez a viagem se deitado e levantado durante 30 dias, embora não haja noite e dia no espaço, ? este iria verificar que na Terra havia passado muito mais tempo que um mês. Ou seja, o irmão gémeo que permanecera em terra ia estar alguns anos mais velho do que o que viajara no espaço. Dependendo da velocidade a que a nave andou poderiam ter passado um ou dois anos.
Isto pode ser verificado, e já o foi muitas vezes, através da experiência que consiste em comparar os tempos medidos por dois relógios idênticos, estando um num referencial em repouso (na Terra) e o outro num outro referencial em movimento (avião). Para isso são precisos dois relógios idênticos que marcam o tempo com enorme precisão. Um deles é colocado num avião que dá umas voltas à Terra, o outro é mantido em terra. O que se verifica quando se juntam os dois é um atraso. Ou seja, para o relógio que ficou em terra passou uma hora, para o outro uma hora menos dois segundos. Este atraso é o mesmo efeito que acontece em relação à experiência dos gémeos. É claro que num avião não se consegue ver uma grande diferença de tempos mas com relógios suficientemente precisos ela é perfeitamente mensurável.
Outra experiência mais simples, mas também extraordinária permite chegar às mesmas conclusões que se tiram da experiência dos gémeos. No banco de trás de um carro uma pessoa segura por um fio um balão de hélio que fica, por isso, em posição vertical. Quando o condutor acelera o que acontece ao balão? A resposta de qualquer pessoa seria: o balão vai para trás. Fazendo a experiência verifica-se que o balão vai para a frente e se a aceleração for muita o balão vai mesmo bater no pára-brisas.

(Experiências reconstituídas com base nos depoimentos dos investigadores Manuel Paiva e João Lopes dos Santos)


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 146
Ano 14, Junho 2005

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo