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Aprendendo aqui, ali e acolá

Nossa experiência na pesquisa ?o uso da tecnologia de imagens e de sons por professoras de jovens e adultos e a tessitura de conhecimentos (valores) no cotidiano: a ética e a estética que nos fazem professoras?(1) que tem por objetivo estudar o uso da tecnologia na transmissão e criação de valores, pelas professoras(2) em seu cotidiano, nos tem ajudado a compreender como tecemos nossos conhecimentos em muitas redes cotidianas. Nessa pesquisa, trabalhamos em oficinas de vídeo com professoras da rede municipal do Rio de Janeiro que ensinam a jovens e adultos (PEJA)(3) e, após quinze encontros, os grupos produzem um vídeo que é sempre diferente de um a outro pois são desenvolvidos segundo o interesse de cada um deles e depois de diversos acordos de trabalho.
Nossas principais fontes de trabalho são as narrativas trazidas pelas professoras durante esses encontros do grupo. Através dessas narrativas tentamos entender como se ?tecem? os tantos saberes que nos cercam. Com isso, o trabalho do grupo desenvolve-se inserido na noção de redes de conhecimentos (Alves, 1999) a partir do uso da tecnologia, trançado com os estudos sobre produção e recepção de recursos audio-visuais (Martin-Barbero, 2000; 1997). Isso tudo se dá porque  buscamos compreender as maneiras de fazer dos praticantes nos tantos e diferentes cotidianos escolares, considerando as muitas redes de conhecimentos em que estão envolvidos (Certeau, 1994).
Em um dos grupos com os quais desenvolvemos a pesquisa, após a decisão de fazer um vídeo com histórias de alunos, muitas foram as idéias que surgiram e, delas, uma se destacou e transformou-se em personagem do vídeo feito. A personagem de nossa história foi citada por uma das professoras participantes do curso, despertando a curiosidade de todas, por exercer um importante papel dentro da comunidade dentro da qual vive e onde se fez radialista e multiplicadora de discussõs de interesse dos jovens. A professora em questão, por decisão do grupo,  convidou a aluna para participar de um dos encontros, o que aconteceu na semana seguinte, permitindo que conhecêssemos um pouco mais da sua história, contado por ela mesma: 
 Carmem Lúcia, nascida no Rio de Janeiro, cursou o Ensino Fundamental em uma instituição de ensino privado. Na tentativa de se inscrever em cursos para aperfeiçoar seu trabalho, Carmem descobriu que seu diploma não era reconhecida pelo MEC(4), razão que a fez voltar para escola. Ao longo de sua vida, a aluna, mãe de sete filhos, cujo primeiro nasceu durante sua adolescência, não pôde contar com o apoio da família. Esta situação a motivou para que se empenhasse nesse papel de multiplicadora e radialista, buscando conscientizar os adolescentes sobre a importância da utilização dos métodos contraceptivos e de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis.
Enquanto multiplicadora, sua função é entrar em contatos com outros atores sociais para atingir a maior quantidade possível de jovens. Uma de suas abordagens é participar de bailes funk(5), para os quais ela leva todo o seu material: preservativos femininos e masculinos, seringas descartáveis, que mostra aos jovens, com eles discutindo, bem como folhetos explicativos que distribui entre os freqüentadores. Uma das táticas (Certeau, 1994) que usa, e que considera uma linguagem apropriada ao espaço/tempo em que se dá, é a criação de músicas que canta sempre que é possível, no sentido de motivar os jovens com os quais entra em contato, como este, que cantou quando nos falou sobre sua vida e suas práticas: 
Sua vida é importante pode acreditar!
Nem um minuto, nem um instante não deixe de se cuidar!
Eu sou a Lulu é vim te avisar alertar, agora está avisado o negócio é usar!
Camisinha! Camisinha!

Outra tática que usa para desenvolver seu trabalho acontece na rádio comunitária na qual possui um programa para o qual convida profissionais da área de saúde envolvidos na prevenção de doenças sexualmente transmitíveis para dialogar com os jovens. Em seu programa, os ouvintes podem ligar para tirar dúvidas, dar opiniões e depoimentos sobre o tema. É preciso lembrar que esses programas têm uma duração razoável no tempo e que têm sempre grande participação pois a linguagem é franca e acessível.
É com perssoas desse tipo que vamos percebendo que a escola não é o único espaçotempo para a tessitura de conhecimentos, pois a aprendizagem se realiza no cotidiano nas múltiplas redes que estabelecemos e das quais participamos.
 

[1]1) Essa pesquisa é desenvolvida na Faculdade de Educação, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, coordenada por Nilda Alves.
[1]2) O uso do feminino tem a ver com uma decisão político-acadêmico.
[1]3) Programa de Educação de jovens e adultos ?o atendimento destina-se a pessoas jovens e adultas, a partir de 14 anos completos, sem limite máximo de idade, interessadas em completar os estudos referentes ao ensino fundamental na Rede Pública do Município do Rio de Janeiro.?
[1] 4)Ministério de Educação e Cultura
[1] 5)Tipo de baile característico dos jovens pobres de origem negra.


Referências bibliográficas

  • ALVES, Nilda. Tecer conhecimento em rede. In ALVES, Nilda e GARCIA, Regina Leite. O sentido da escola. Rio de Janeiro: D, P & A, 1999:111 ? 120.
  • CERTEAU, Michel de. A invenção do cotitiano ? as artes de fazer. Petrópolis/Rio de Janeiro, Vozes, 1994.
  • MARTIN-BARBERO, Jesús. Novos regimes de visualidade e descentramentos culturais. In FILÉ, Valter (org). Batuques, fragmentações e fluxos: zapeando pela linguagem audiovisual no cotidiano escolar. Rio de Janeiro: D, P & A , 2000: 83 ? 112.
    Dos meios às mediações ? comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ, 1997.

  
Ficha do Artigo


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