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O Mundo do Secundário, esse desconhecido

No âmbito de um estudo em curso sobre a população do ensino secundário (Projecto JOVALES ? Jovens, Alunos, Ensino Secundário),  visando pôr em evidência a forma como os alunos representam para si a escola na sua relação com a vida e com o seu futuro, demos conta de alguns resultados que importa desde já trazer ao conhecimento de alguns potenciais interessados, entre eles os professores, obviamente.

Tendo em conta alguns referenciais teóricos, admitimos que a actual população do secundário se confronta com o mundo escolar segundo uma tripla modalidade de relação: a da identificação, a da experimentação e a da estranheza. A primeira será aquela que caracteriza a fracção estudantil que mais próxima está da escola, quer por razões de herança cultural, quer por força dum processo de socialização familiar e escolar onde as expectativas de futuro estão estreitamente ligadas ao sucesso escolar. Digamos que esta fracção é habitada por uma espécie de alunos que podemos designar por alunos naturais, no sentido de que o seu processo de alunização decorreu ?naturalmente?, isto é, a escola ocupa simplesmente o lugar da natureza.  É exemplar a este respeito este extracto de entrevista:
Quando não gosto (de alguma disciplina) tento trabalhar mais do que quando gosto, porque quando gosto, quando percebo, não preciso ou mesmo estudo um bocado menos porque já percebo, então estudo mais para tentar manter as notas como se gostasse.
O trajecto escolar desta classe de alunos, que assenta numa profunda disposição interior para o auto-domínio dos impulsos pessoais, como forma de auto-realização futura, caracteriza-se por uma grande fidelidade ao modelo cognitivo escolar que supõe uma permanente capacidade de acumulação e reprodução do objecto de estudo, independentemente do significado subjectivo que se lhe atribua.
Para quem  vive de perto a realidade escolar dos nossos dias, esta classe de alunos relativamente homogénea é cada vez mais reduzida; dando lugar, por sua vez,  a manchas juvenis cada vez mais complexas no interior das escolas que se organizam entre si de forma muito autónoma e segundo movimentos bastante imprevisíveis. A rápida expansão do acesso ao secundário, frequentemente induzida por ausência de alternativas no mundo do trabalho e sem que tenha havido até hoje uma clara política de apoio à transição escolar entre os ciclos básico e secundário, deixando-se  o percurso escolar  ao acaso ou ao palpite do currículo mais facilitado, traduziu-se em vagas de jovens a caminho das escolas sem que seja muito claro para a grande maioria deles como dar sentido ao seu trabalho. Para uma boa parte desta população, a passagem do 10 ao 11º primeiro é fatal. Em certos meios, quase 50% confronta-se com o insucesso e 40% abandonam a escola.
É neste contexto que falamos de experimentação  social e escolar e por tal expressão entendemos um processo, difuso e flutuante, de vivências de situações que se consideram indispensáveis ao trabalho de ?alunização?  que grande parte da população portuguesa, correspondente aos segmentos mais recentes da escolaridade obrigatória, não cumpriu..
Retenhamos  aqui que a  relação com a escola  de uma boa parte das  famílias portuguesas é bastante precária  (Eugénio Rosa, em 23/01/05, afirmava que 65% dos portugueses entre 25  e 34 anos tinham o ensino básico ou menos) o que não favorece de modo nenhum a criação de disposições positivas relativamente à mensagem escolar.
Ora, se neste contexto, a tendência dos jovens para a experimentação  de  si face aos novos papeis que a escola propõe é inevitável e até desejável, essa experimentação confronta-se, paradoxalmente, com a sua própria negação: por um lado, a tendência da instituição escolar é limitá-la à medida da sua própria conveniência (o que anula a própria experimentação) e, por outro, ao ser reprimida, a experimentação torna-se clandestina e como tal marginal ao próprio mundo da escola. É por esta via que a alternativa à experimentação è a construção da estranheza, uma modalidade de relação que tende ao não reconhecimento mútuo entre o mundo do outro (que ainda não é aluno ou nunca chegará a sê-lo) e o mundo da escola. Mas disso falaremos com dados mais precisos na próxima vez.


  
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Edição:

N.º 146
Ano 14, Junho 2005

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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