Página  >  Edições  >  N.º 145  >  Redes, parcerias e compromissos ? Segredos de uma cidadania capaz

Redes, parcerias e compromissos ? Segredos de uma cidadania capaz

Aprende-se em casa, na empresa, na oficina, na escola, na igreja, no museu, no hospital, na biblioteca, no centro cívico, na associação cultural ou no clube desportivo. Mas reconhecer que assim é implica o encargo de investir na riqueza pedagógica destes lugares, enriquecendo-os com uma pluralidade de experiências de educação e formação. É este o grande desafio que une a diversidade dos projectos desenvolvidos pelas chamadas «cidades educadoras».

Constatando que as metas que haviam sido apontadas há dez anos atrás na Cimeira Mundial de Copenhaga continuam por cumprir, a Comissão de Desenvolvimento Social da ONU, reunida em Nova Iorque no passado mês de Fevereiro, viu-se obrigada a reafirmar os princípios assumidos em 1995. No fundamental, foi mais uma vez reconhecido que os melhores investimentos para a sociedade são aqueles que apostam no desenvolvimento permanente de cada pessoa. Não interpretamos este apelo como a exaltação de um individualismo de tipo neo-liberal. O que, em nosso entender, e mais uma vez, se pretende sublinhar é a ligação vital entre a dimensão pessoal e a dimensão comunitária do desenvolvimento humano.
Para que possamos falar numa cidadania verdadeiramente capaz é necessário que as pessoas, todas as pessoas, possuam as ferramentas que lhes permitam compreender o mundo, agir sobre ele, relacionar-se solidariamente com os outros e decidir em liberdade sobre o futuro desejado. Por esta razão, e recorrendo a uma metáfora utilizada pelo ex-comissário europeu Jacques Delors, advogamos a necessidade de colocar a educação no coração da vida social com a determinação de quem repõe o peixe na água. No entanto, para que a educação possa fazer parte integrante do esforço quotidiano de existir, é necessário que a própria sociedade se organize no sentido de favorecer a dinâmica de uma aprendizagem permanente. Como diz a sabedoria popular, estamos sempre a aprender. Na verdade, porém, a grande aposta do novo século não está no facto de aceitarmos e proclamarmos essa verdade antiga. Aprende-se em casa, na empresa, na oficina, na escola, na igreja, no museu, no hospital, na biblioteca, no centro cívico, na associação cultural ou no clube desportivo. Mas reconhecer que assim é implica o encargo de investir na riqueza pedagógica destes lugares, enriquecendo-os com uma pluralidade de experiências de educação e formação. É este o grande desafio que une a diversidade dos projectos desenvolvidos pelas chamadas «cidades educadoras».
As comunidades possuem uma pluralidade imensa de recursos educativos, formais e não-formais. Importa então valorizar esses recursos, colocando-os ao serviço das necessidades de formação de cada cidadão, encorajando os diversos actores sociais a participar em redes de cooperação activa, conducentes a uma maior rentabilização do conhecimento. No seguimento das teses defendidas por sociólogos como Pierre Bourdieu ou Robert Putnam, consideramos que as próprias instituições funcionam como recursos, como meios privilegiados para activar o chamado «capital social». Daí o interesse das redes, das parcerias e dos compromissos. E, sobretudo, da relevância da qualidade relacional que essas dinâmicas sociais forem capazes de construir.
As redes sociais são constituídas por unidades ? pessoas, serviços, organizações ? ligadas entre si pela partilha de um determinado património, de valores e objectivos. Mas o importante na vida das redes sociais é o tipo de relação e de interacção que se estabelece entre essas unidades e que, podendo variar de conteúdo, deve obedecer sempre à mesma finalidade: a procura de maior proximidade humana. Este princípio vale igualmente para as redes virtuais que, de forma surpreendente e extraordinária, são hoje proporcionadas pelas oportunidades existentes no ciberespaço.
Mas para que os saberes possam ser socialmente capitalizados, para que o conhecimento circule em liberdade, favorecendo o processo que a sociologia designa por «cognição social», é preciso que as redes sociais funcionem numa base cooperativa, assente em compromissos autênticos. Para isso é também necessário promover a concertação de saberes protagonizados por diferentes actores ? profissionais e voluntários das mais diversas áreas de formação e intervenção. A par das vantagens de qualquer processo de descentralização político-social, como a desburocratização de serviços, a reabilitação do interesse pela causa pública e a responsabilização cívica dos indivíduos, o trabalho social em rede potencia o efeito cumulativo de diferentes medidas de intervenção, para além de favorecer a coesão social e a identidade territorial. Todavia, o segredo desta receita reside, como em todas as receitas, na combinação singular dos ingredientes, produzida em cada contexto à medida do sentido, do prazer, da ternura, da criatividade e da inteligência das pessoas que dão conteúdos de vida à sublime utopia de uma democracia assente na soberania dos cidadãos.

Nota:
Adaptação do texto publicado na Revista Educação e Cidadania. Nº 6; Faculdade de Educação do Centro Universitário Ritter dos Reis. Porto Alegre, Editora do Uniritter, 2005


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 145
Ano 14, Maio 2005

Autoria:

Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto
Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo