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Perplexidades sobre o Programa do Governo para o ensino superior

?Existe obviamente a questão de uma Europa a duas velocidades. Porquê? Porque teremos certamente países em que os dois ciclos são financiados e outros em que só o primeiro ciclo é financiado.

A leitura e análise do programa do Governo para a Ciência e o Ensino Superior provocam-me duas perplexidades essenciais. A primeira prende-se com uma estranha ausência. De facto, não há qualquer referência à situação de enorme precariedade em que vivem hoje docentes do ensino superior, quer docentes universitários, quer docentes do politécnico, quer, ainda, investigadores. Vai ou não este Governo garantir, finalmente, o subsídio de desemprego aos docentes do ensino superior? Vai ou não este Governo rever o estatuto da carreira docente, no sentido de propiciar condições de estabilidade para a docência? Pergunta que fica, para já, sem resposta.
A segunda questão liga-se a uma opção associada ao chamado processo de Bolonha. Opção que, sendo negativa, não é, todavia, suficientemente explicitada no programa.
De facto, no que diz respeito ao Processo de Bolonha, corremos o risco de ter dois tipos de cursos de ensino superior, a saber, um correspondente a um primeiro ciclo, tendencialmente de três anos (é para aí que aponta o programa deste Governo, no seguimento do anterior) e outro que vai até ao segundo ciclo (mais dois anos). Lembro, no entanto, o caso do ensino politécnico, em que temos o bacharelato, mas em que ninguém se fica pelo bacharelato, pois todos querem concluir a licenciatura (é o valor social do título que está em causa, é o reconhecimento pelas empresas e pelo mercado de trabalho, que tanto preocupa, aliás, os «teóricos» da competitividade). Ora, para isso, é fundamental que o Estado garanta a gratuitidade do segundo ciclo.
Além do mais, existe obviamente a questão de uma Europa a duas velocidades. Porquê? Porque teremos certamente países em que os dois ciclos são financiados e outros em que só o primeiro ciclo é financiado. Ora, a fórmula que consta do Programa do Governo é extraordinariamente ambígua: «(?) o Estado assume a parte principal dos custos com a educação superior que será, pois, progressivamente estendida ao segundo ciclo de estudos, embora com valores diferenciados das propinas a pagar pelos estudantes.»
Actualmente, por um mestrado, sabe-se bem o que se paga: 2500 ¤ ou 5000 ¤, dependendo das formações e das universidades. Queremos saber o que isto significa. Vão aumentar as propinas? Quanto é que vão aumentar?
É que, na verdade, se queremos um ensino público massificado ao nível do ensino superior ? e sei que o actual Ministro, Mariano Gago, é defensor de uma universidade que não seja de elites ?, se queremos menos selectividade social no acesso ao ensino superior, se não somos (como não somos, de facto) um país de doutores (basta ver que apenas 9% da população activa tem um curso superior e que 47% dos jovens não estão a estudar, abandonando muitos deles precocemente o sistema de ensino), se queremos generalizar, também, a frequência do segundo ciclo de estudos superiores, como compatibilizar essa vontade de não elitizar a universidade com esta fórmula ambígua que remete para um aumento das propinas?
Preocupações que nos obrigam a uma grande vigilância democrática.


  
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Edição:

N.º 145
Ano 14, Maio 2005

Autoria:

João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.
João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.

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