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Algumas perplexidades para pensar a formação de professores

Esta ?despolitização? da formação no sentido de que já não são referências expressamente  de teor político as que regem o sentido da formação, deu  azo à emergência de um conjunto de fenómenos no campo da formação, cujos efeitos  no plano da identidade docente estão longe de ser avaliados.

Parece hoje matéria adquirida que, no decurso dos últimos vinte e cinco anos, a profissionalidade docente, enquanto conceito agregador de referências de identidade auto e hetero-reconhecidas, foi perdendo do seu âmbito a de vinculação à condição de professor ?funcionário?, estabelecida através da ligação privilegiada ao Estado Educador para admitir, em seu lugar, a condição de ?profissional? mediante uma vinculação cada vez maior à qualificação científica e técnica, atestada pelas instituições do ensino superior.
Já em finais dos anos 80 e, por sinal,  no âmbito do Forum promovido pela FENPROF ?Impasses e Novos desafios na formação de Professores?, Paiva Campos assinalava, a propósito da reforma curricular então em curso, na sequência da LBSE, que os professores ?numa situação extrema podiam ser considerados funcionários que executam o currículo planeado para eles...como um produto central acabado? mas, muito para além disso, podiam também ser considerados ?profissionais? se a reforma pudesse ser assumida segundo uma lógica de produção local, supondo um trabalho que os professores ?planeiam, conduzem e avaliam?. E, em jeito de síntese, rematava:
?As duas concepções extremas de reforma curricular nunca são implementadas no estado puro, mas ajudam a estabelecer um contínuo que vai da total produção central e execução local à produção  local e apoio central, que vai do funcionário, que executa as normas de actuação definidas exteriormente, ao profissional que se guia pelas normas elaboradas na sua profissão e produz em situação o desenvolvimento curricular que esta exige? (Ib. 23).
Está suposto no contexto da afirmação supra que esta segunda perspectiva de reforma é a mais conforme à dignidade profissional, porque preserva a possibilidade de o exercício da profissão se definir autonomamente e em nome e no interesse (legítimo) dos destinatários da acção que são os alunos.
Como sabemos, esta perspectiva de dignificação associa a autonomia profissional à competência científica e técnica, o que tanto no plano simbólico, como, igualmente, nos planos político-institucional e sindical, significou um reforço dos saberes académicos no domínio da formação, tanto da inicial como da contínua, processo que está na origem do afastamento táctico  e até estratégico do Estado, pelo menos no plano formal, dos sistemas de formação.
Esta ?despolitização? da formação no sentido de que já não são referências expressamente  de teor político as que regem o sentido da formação, deu  azo à emergência de um conjunto de fenómenos no campo da formação, cujos efeitos  no plano da identidade docente estão longe de ser avaliados. Dentre eles, destacamos uma intensa proliferação de instituições académicas, especialmente oriundas do sector privado, cuja garantia de qualidade está apenas dependente do  grau de imaginação curricular patente nos  seus planos de formação e da salvaguarda de alguns critérios formais de ordem académica e administrativa.
Associado a  este fenómeno da multiplicação das instituições, ocorre  um outro  que  é o da multiplicação de cursos promovendo ofertas de formação  de toda a ordem, tendentes a qualificar novas figuras profissionais  no interior do sistema  de ensino e  da formação, mas cuja articulação com ele não está isenta de contencioso nem de contradições, uma vez que a lógica que preside  a essas figuras releva mais de estratégias de carreira individual e de oportunidades de acesso do que do desenvolvimento de projectos profissionais inscritos em dinâmicas locais de trabalho. Nestes termos, parece ser de aceitar a afirmação crescente de um terceiro fenómeno, já identificado por António Nova, que é o da desertificação pedagógica do espaço escolar, enquanto objecto de relações  sociais  e profissionais colectivamente assumido, que tenderá a ficar desabitado em favor da formação científico-técnica.
Será este um efeito ?perverso? da ?autonomia profissional??


  
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Edição:

N.º 144
Ano 14, Abril 2005

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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