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As responsabilidades sociais da Escola Pública

As dificuldades em realizar uma Escola Pública, que assuma as responsabilidades sociais que lhe cabem, são, em primeiro lugar, dificuldades de carácter político.

Eis-nos perante um tema sobre o qual começa a ser difícil produzir uma reflexão pertinente e credível. Sendo um tema incontornável do debate a promover acerca da escola pública não deixa de ser, hoje, um tema que nos foi desgastando, gastando-se, à medida que não dando conta dos equívocos, das ilusões e dos lugares comuns que sustentam os argumentos que invocámos, fomos dando cabo da nossa vontade de reflectir e de encontrar outros caminhos que possam contribuir para que a Escola Pública se afirme como um bem comum, um espaço cultural mais justo, mais significativo e mais influente. 
Não pertencemos ao número daqueles que pensam  que são, sobretudo, as dificuldades de carácter tecnico-pedagógico que impedem ou, pelo menos, obstaculizam, a construção de um tal projecto. As dificuldades em realizar uma Escola Pública, que assuma as responsabilidades sociais que lhe cabem, são, em primeiro lugar, dificuldades de carácter político. Dizem respeito ao modo como governantes, cidadãos e profissionais do ensino tendem a promover diferentes tipos de interpretações acerca do mandato educativo dessa Escola, confrontando-se, então, perspectivas diversas e contraditórias que decorrem da adopção de visões distintas da vida, do mundo e da sociedade. Neste âmbito, encontram-se aqueles que defendem uma interpretação minimalista daquelas responsabilidades sociais, no momento em que tendem ou a dissociar a acção educativa que tem lugar nas escolas do impacto social dessa mesma acção ou, pelo menos, a minimizar a importância de um tal impacto, circunscrevendo-o à sua dimensão normativa e assistencialista. A questão «tout court» da educação é, de acordo com esta abordagem, algo que tem mais a ver com as famílias e com a comunidade do que propriamente com a escola, como se aqueles que aí trabalham ao fazer o que fazem, e do modo como o fazem, não estivessem, também eles, a educar e a afirmar-se, por essa via, como educadores. Em oposição a estes, defrontámo-nos com a posição de outros que acreditam, por convicção, por necessidade ou por oportunismo, que as escolas, e em particular a Escola Pública, podem assumir responsabilidades que competiria a outras instituições assumir.
Em que é que ficamos ? Mergulhamos na terceira via de sempre, hipócrita e beata, que consiste em recordar que no meio é que está a virtude ? Só reconhecemos que o bom-senso e o pragmatismo são virtudes a valorizar quando não impedem nem a reflexão nem a acção. Daí que consideremos ser necessário que, mais do que discutir se a Escola Pública deve e pode assumir responsabilidades sociais, assumamos, antes, um outro posicionamento face a esta problemática, esconjurando o jogo do empurra de uns, o lavar de mãos de uns tantos e o messianismo inconsequente dos restantes.
A Escola Pública deve assumir as suas responsabilidades sociais no momento em que não pode deixar de assumir as suas responsabilidades educativas. É este o nosso ponto de partida e é a partir dele que defendemos que tudo o que se faz nas escolas para que os alunos possam aprender, tendo em conta quem são e as possibilidades pessoais, sociais e culturais de que dispõem, constitui um modo daquelas, e daqueles que nestas trabalham, assumirem, de facto, as suas responsabilidades sociais. Isto significa, então e em primeiro lugar, que importa que, de vez, se recuse a possibilidade dos professores poderem substituir os pais e as comissões de protecção de menores em risco ou de as escolas poderem contrariar os efeitos da pimbalhice televisiva e da dinâmica narcísica de uma sociedade consumista que alimenta um individualismo tão grosseiro quanto nefasto. Isto significa, também e em segundo lugar, que o papel das escolas e dos professores adquire relevância social, por via da sua relevância educativa, quando recusam quer a selecção académica como princípio pedagógico e eixo curricular estruturante quer a demissão educacional que o facilitismo irresponsável alimenta.
Não é de empenho, no entanto, que falamos, mas de um outro modo de entender as finalidades da Escola e a dinâmica pedagógica subsequente que permita, afinal, que os professores, como o afirma Meirieu, possam oferecer um objecto de saber aos seus alunos para que estes dele se apropriem e nele possam colocar, também, algo de si.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 142
Ano 14, Fevereiro 2005

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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