Página  >  Edições  >  N.º 142  >  Aprendendo a ter sucesso: a educação para o neoliberalismo nas revistas informativas semanais

Aprendendo a ter sucesso: a educação para o neoliberalismo nas revistas informativas semanais

Ao ler os textos sobre educação (de todo o tipo) das revistas, verifica-se que as práticas neoliberais têm materialidade em suas páginas; é possível observar as relações de poder neoliberais como práticas capilares, insidiosas, incorporadas nos discursos, sem uma conotação repressora ou autoritária, mas como verdades naturalizadas que circulam neste espaço público.

?O sol nas bancas de revista me enche de alegria e preguiça... Quem lê tanta notícia?? Este trecho da música de Caetano Veloso é utilizado por Mira (2001) para introduzir seu livro O leitor e a banca de revistas: a segmentação da cultura no século XX, contemplando uma curiosidade que acomete muitos de nós - quem lê tanta notícia? As bancas de revista hoje são parte da urbanização, estão nas ruas, «shoppings», centros comerciais, decoradas com imagens de impacto e capas das últimas edições. Calcula-se que cada exemplar passa pelas mãos, em média, de três a quatro leitores e já há campanhas conclamando a que se organizem revistotecas nas escolas, já que as bibliotecas são dispendiosas e carentes de atualidade! As revistas, portanto, estão na ordem do dia!
Nas prateleiras dos supermercados, salas de espera, varandas das residências ou mesmo nas bibliotecas públicas, revistas têm lugar cativo. Elas registram fatos importantes e pautam o que é destaque em política, cultura, economia, moda, esporte, saúde, educação, tecnologia, etc. Através delas é possível compreender a complexidade e a diversidade das sociedades contemporâneas. Verificar o lugar da educação na mídia nestes tempos caracterizados pela efemeridade que marca nossas instituições, nossos quadros de referência, estilos de vida, valores e convicções tem sido instigante para professores, comunicadores e pesquisadores. Em um trabalho de pesquisa sobre as pautas de educação das revistas semanais, observa-se que estas não publicam simples informações, anúncios, opiniões e comentários gerais sobre o assunto. Quando as matérias abordam a educação (e também outros temas), elas praticam pedagogias culturais, compondo textos que indicam formas de fazer, de consumir, de desejar, de se comportar e, sobretudo, de ser e de compreender o mundo. Verifica-se aí o que Foucault identifica como o governamento da sociedade, dos indivíduos e da população - o poder se exercendo para administrar e dirigir as condutas.
Que condutas são sugeridas nestes textos? Como a governamentalidade neoliberal está enredada nas matérias que pautam a educação? A análise parte do pressuposto de que as revistas não apenas dão visibilidade às agendas neoliberais para a educação como as expõem como naturais, desejáveis e imprescindíveis ao funcionamento das sociedades e das organizações que as constituem, e, mais do que isto, acionam racionalidades e subjetividades conectadas com esta perspectiva. Ao ler os textos sobre educação (de todo o tipo) das revistas, verifica-se que as práticas neoliberais têm materialidade em suas páginas; é possível observar as relações de poder neoliberais como práticas capilares, insidiosas, incorporadas nos discursos, sem uma conotação repressora ou autoritária, mas como verdades naturalizadas que circulam neste espaço público. Inocentes imagens de crianças escolares portando pagers, celulares e notebooks são apenas um exemplo da produtividade destes textos culturais que vão modelando as identidades adequadas ao que Sennet (2002) criticamente chama de admirável mundo do novo capitalismo.
O discurso neoliberal encontrado nas revistas dissemina um vocabulário próprio, atualizado, contemporâneo. Qualidade, competitividade, equipes, flexibilidade, mudança, desempenho, lucratividade, risco e rapidez são valores e expressões gerados na lógica do mercado e aplicadas aos sujeitos. Os textos que abordam a educação apresentam matérias sobre comportamento, sugerem o consumo de produtos como agendas, cadernos, estojos, canetas, celulares, mochilas, etc. Algumas reportagens destacam cursos, ?ensinam? o que deve ser considerado ao investir em educação, sublinhando a competitividade e o ?funil? da seleção. Ao mesmo tempo em que citam as dificuldades do processo, mostram exemplos bem sucedidos, nomeiam instituições de ?primeira linha?, valorizam condutas dispostas à mudança, empreendedoras, capazes de correr riscos, de se recompor e reinventar a cada nova demanda. Governar condutas e estabelecer o pleno funcionamento da produção são estratégias elementares para a manutenção da perspectiva neoliberal globalizada, e as revistas funcionam como dispositivos produtivos que operam no sentido de ensinar, sugerir como os indivíduos devem se comportar, o que devem aprender, onde e para quê.
A educação inserida na lógica neoliberal deve formar seres criativos e empáticos. Essas personalidades flexíveis, sensíveis, polivalentes e capazes de autocorrigir-se e auto-avaliar-se, estão em estreita interdependência com o neoliberalismo, que precisa de identidades moldáveis e diversificadas, necessárias a um mercado de trabalho cambiante. Tais personagens estão lá, nas páginas das revistas, servindo de modelo, basta prestar atenção!
As matérias, imagens, propagandas, mostram condutas para que se alcance o ?sucesso?. O aprendizado desde o nascimento até o ingresso na vida profissional é abordado nas revistas que apontam como deve ser a educação, recomendam como escolher a melhor escola - e até a pré-escola - que já deve iniciar a familiarização com valores e preceitos da ordem neoliberal, para que o bebezinho já comece a incorporar certos saberes e comportamentos convenientes. Quando lemos revistas, seus discursos parecem encaixar perfeitamente na argumentação de que a mídia trabalha no sentido de implementar e manter a ordem neoliberal, e a educação é um campo importante para que as práticas e racionalidades convergentes com essa perspectiva sejam constantemente acionadas.

Referências

GERZSON, Vera Regina. A educação nas revistas - a mídia como dispositivo da governamentalidade neoliberal. Programa de Pós-Graduação em Educação. UFRGS. Porto Alegre, 2004. Projeto de Tese de Doutorado.
MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas. A segmentação da cultura no século XX. São Paulo: Olho d?Água/Fapesp, 2001.
SENNETT, Richard. .A corrosão do caráter: as conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 2004.
VEIGA-NETO, Alfredo. Educação e Governamentalidade neoliberal: novos dispositivos, novas subjetividades. In: PORTOCARRERO, Vera; CASTELO BRANCO, Guilherme (org). Retratos de Foucault. Rio de Janeiro, NAU, Editora, 2000.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 142
Ano 14, Fevereiro 2005

Autoria:

Vera Regina Gerzson
Professora no Curso de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma universidade e pesquisadora do NECCSO
Vera Regina Gerzson
Professora no Curso de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma universidade e pesquisadora do NECCSO

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo