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Trabalho Infantil em Portugal um fenómeno multidimensional

Segundo dados recentes da Conferência Internacional contra o Trabalho Infantil, decorrida em Florença, e com base em estudos desenvolvidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que cerca de 246 milhões de crianças são obrigadas a trabalhar a tempo inteiro, em todo o mundo, o que corresponde a 18,5% da população menor de idade.

O novo milénio caracteriza-se pela permanência de alguns problemas e pelo surgimento de outros. Se, por um lado, são benéficas as mudanças que se operam a nível macro (aproximação, ainda que virtual e simbólica, de localidades distantes, relacionamentos interculturais, etc.), por outro, as suas repercussões a nível micro são, por vezes, prejudiciais. Fala-se de Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, de Novas Formas de Organização do Trabalho, mas onde nos conduzirão se a sociedade em que vivemos não conseguir abraçar e conjugar as ?velhas? com as ?novas? formas de ver e viver o mundo?
As repercussões dos problemas supracitados verificam-se também nas actividades realizadas pelas crianças, entre as quais o trabalho infantil. Este flagelo social tem sido discutido pelos Ministérios do governo português e nas organizações que os encerram, o Ministério da Segurança Social e do Trabalho, Ministério da Educação, da Saúde e Justiça, todos eles definem e identificam as características do fenómeno no nosso país.
Aquando do surgimento dos primeiros números sobre crianças com menos de 16 anos de idade a trabalharem em Portugal, tentaram-se elaborar as primeiras medidas para combater esse fenómeno social. Terá de ser dada especial atenção às crianças envolvidas em trajectos de labor, mas não podemos, ao mesmo tempo, descurar o parecer dos seus pais e dos outros membros da família, que, muitas vezes, dependem da sua actividade para conseguirem ultrapassar as suas dificuldades quotidianas. Nas sociedades contemporâneas o trabalho infantil surge-nos como uma realidade sobre a qual urge reflectir e actuar.
Casos como a prostituição; a pedofilia; a violência doméstica e conjugal; a vida insalubre de alguns imigrantes, quer a nível laboral, quer familiar, mas também da sua sobrevivência; os maus-tratos; a pobreza e exclusão, ilustram como esta segunda modernidade se apresenta desigual para milhões de crianças.
Nesta lista inclui-se o trabalho infantil. Crianças que, por vontade própria ou por circunstâncias familiares e relacionais, optaram por abandonar a escola, inserindo-se ou sendo inseridos no trabalho, remunerado ou não; domiciliário, doméstico, na agricultura, na construção civil, no espectáculo, na prostituição. Segundo dados recentes da Conferência Internacional contra o Trabalho Infantil, decorrida em Florença, e com base em estudos desenvolvidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que cerca de 246 milhões de crianças são obrigadas a trabalhar a tempo inteiro, em todo o mundo, o que corresponde a 18,5% da população menor de idade.
A exploração do trabalho infantil é já reconhecida como uma situação existente e numerosa em Portugal (cerca de 48.914 crianças inseridas nesse contexto), quer pelos políticos, quer pela sociedade civil, que reconhece que tais práticas como qualquer outra que retire às crianças os seus direitos: o de brincar, ir à escola, entre outros, têm de ser impedidas.
O desafio que se começa a colocar na nossa sociedade e neste novo século que se inicia é que, a par do reconhecimento da existência de numerosos casos de exploração de trabalho infantil, se dê também importância, valor e reconhecimento ao trabalho que estas crianças exercem em seu pleno direito, que são os seus trabalhos escolares.
A escola permite à criança inserir-se num meio social novo que vai ter sobre ela uma influência fundamental e, por essa razão, deveria ter várias funções. Para além de proporcionar à criança instrumentos de trabalho, métodos de reflexão e conhecimentos que lhe vão ser úteis durante toda a vida, impõem-lhe novas regras e disciplina. Ajudar uma criança ou um jovem a assegurar a sua máxima autonomia possível implica uma transparência constante a respeito do grau de desenvolvimento das diferentes capacidades e da orientação que as possa favorecer. Exemplos de abandono escolar, de retenções no mesmo ano, de faltas às aulas repetitivas são cada vez mais frequentes no nosso país e isso só significa que os nossos sistemas de ensino são pouco atractivos, velhos e exclusivos.
Hoje assistimos a uma necessidade por parte de alguns indivíduos para conhecer o que as rodeia, todavia, há algumas divergências entre a teoria em prática, no sentido de adequarmos o que nos é oferecido, não em proveito próprio, mas para o bem da sociedade ou comunidade. Tal como o psicólogo Carl Rogers nos diz, ?Espero pelo dia em que investiremos o equivalente ao custo de um ou dois [campos de futebol] na procura de uma compreensão mais adequada das relações humanas?.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 142
Ano 14, Fevereiro 2005

Autoria:

Ana Melro
Socióloga. Mestranda em Sociologia da Infância
Ana Melro
Socióloga. Mestranda em Sociologia da Infância

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