Página  >  Edições  >  N.º 141  >  A escola pública e a educação dos jovens

A escola pública e a educação dos jovens

Não sendo justo nem rigoroso olhar para a Escola Pública como uma entidade homogénea, que não o é, importa, todavia, abordar alguns dos indícios que comprovam como essa Escola não tem vindo a cumprir, por razões várias, a sua missão, pondo-se em causa como uma instituição política, social e culturalmente pertinente.

A reflexão em torno da Escola Pública como uma instância educativa das gerações mais jovens não é uma reflexão fácil de realizar. Obriga à explicitação de perspectivas e ao confronto de pontos de vista ideologicamente distintos que influenciam a afirmação da multiplicidade dos olhares que se debruçam sobre o modo de se conceber e regular a vida em sociedade. Obriga em seguida, e na sequência de um tal confronto, a abordar o quotidiano dessas escolas nas suas múltiplas vertentes e a evidenciar até que ponto os quotidianos dessas escolas correspondem às expectativas que neles depositamos. Expectativas estas que, no nosso caso, derivam do facto de entendermos a Escola Pública como um espaço que entende a apropriação do património cultural de que, hoje, dispomos como um bem comum a partilhar, enquanto compromisso de uma sociedade que se define como democrática.
Não sendo justo nem rigoroso olhar para a Escola Pública como uma entidade homogénea, que não o é, importa, todavia, abordar alguns dos indícios que comprovam como essa Escola não tem vindo a cumprir, por razões várias, a sua missão, pondo-se em causa como uma instituição política, social e culturalmente pertinente. Os números do abandono escolar estão aí para o comprovar e se os analisarmos, do ponto vista sociológico, verificamos que atinge invariavelmente os mesmos de sempre. Se submetermos, a essa mesma análise, os números das desistências e das reprovações que têm lugar no Ensino Secundário obteremos, também, conclusões equivalentes. Se avaliarmos, por fim, de forma mais rigorosa o desempenho dos alunos do Ensino Básico verificamos, igualmente, que os padrões do aproveitamento se pautam pelo mesmo tipo de constrangimentos. Certamente que não podemos acusar, apenas, os professores, sejam quais forem as funções que assumam no seio das respectivas escolas, por essa pretensa inevitabilidade sociológica, em função da qual se associa o (in)sucesso escolar à classe social de pertença dos alunos. Há outros factores e outros actores a ter em conta no âmbito de uma tal reflexão. Importa, até, reafirmar a responsabilidade social e o contributo desses actores neste domínio, seja por via das suas acções seja por via das suas omissões, operação que, contudo, não poderá constituir um subterfúgio para continuarmos no jogo do empurra ou no jogo-de-faz-de conta em que actualmente nos atolamos. 
Por isso, importa voltar a perguntar com o é que a Escola Pública se poderá construir como uma instância educativa politicamente democrática e culturalmente pertinente. Só uma tal discussão é que poderá conduzir a que comecemos a falar claro face a um conjunto de situações com o qual, hoje, essa Escola se defronta.
É possível, por exemplo, que o sucesso escolar de uma criança e o desenvolvimento de competências várias que é suposto serem estimuladas nas escolas dependam, sobretudo, do apoio extra-escolar que as famílias possam mobilizar? É possível, também, que não se discuta a qualidade desse sucesso, desde que os alunos sejam capazes de papaguear o arrazoado de coisas sem nexo que se lêem nos manuais escolares ou de realizar mecanicamente os exercícios que os seus professores lhes propõem? É possível, já agora, continuar a intervir nas escolas sem se discutir de forma séria e realista o que é que se espera que os alunos aprendam, como é que os professores poderão contribuir para que as aprendizagens dos seus alunos aconteçam e como é que se poderá avaliar o desempenho quer de uns quer de outros? É possível, igualmente, continuar a fazer de conta que a alternativa à reprovação dos alunos não é a sua falsa aprovação, mas a afirmação do acto de avaliar como uma operação capaz de apoiar tomadas de decisão pedagogicamente credíveis e suficientemente informadas, de forma a ajustarem-se estratégias e a redefinirem-se objectivos educacionais que permitam às crianças e aos jovens aprender não em função daquilo que gostaríamos que eles fossem, mas em função daquilo que eles, na verdade, são? É possível, por fim, continuarmos a ignorar a agressividade e as manifestações de delinquência juvenil que ocorrem nalgumas salas de aula e nalguns pátios das escolas deste país, perante a indiferença ou a impotência dos adultos que aí trabalham? É possível, afinal, enfrentar o problema sem pôr em causa quer o segregacionismo metódico e catastrofista dos nostálgicos de sempre quer o paternalismo inútil e prejudicial que provém de outras latitudes ideológicas?
Como se constata a discussão acerca da Escola Pública tem a ver, por um lado, com a discussão sobre o papel dos professores como docentes, o qual merece uma discussão franca e sem tabús e, por outro, tem a ver também, mas já num outro plano, com a discussão acerca das responsabilidades sociais das escolas, de forma a reconfigurarem-se expectativas, a definirem-se os recursos financeiros, humanos, curriculares e jurídicos de que as escolas necessitam para cumprir os seus compromissos e a estabelecer-se um quadro de responsabilidades mais claras e ajustadas às possibilidades de intervenção daqueles que aí labutam.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo