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Quinze anos é muito tempo?Reflexões acerca da condição social das crianças

Os relatórios da Unicef sobre a situação mundial da infância têm afirmado que não se tem registado melhorias substantivas na  qualidade das condições de vida das crianças.

Comemora-se hoje o 15.º aniversário da publicação da Convenção dos Direitos da Criança. Hoje mesmo, a comunicação social dá voz ao repto lançado por especialistas de saúde mental  -  Crianças, façam greve aos trabalhos de casa!. Uma pedrada no charco para acordar as consciências dos educadores e para incentivar a ?acção rebelde? (cf. Boaventura  Sousa Santos) das crianças.
São  muitos aqueles que, nos contextos internacional e nacional, se esforçam por denunciar as situações de pobreza, de injustiça, de negligência e de maus tratos físicos e psicológicos de que são vítimas as crianças. Desde a Declaração de Genebra (1923), à Declaração Universal dos Direitos da Criança, ao Ano Internacional da Criança e à publicação da Convenção dos Direitos da Criança (1989), que as iniciativas proliferaram, procurando salvaguardar os direitos de provisão, de protecção e de participação. Com esta última Convenção, as crianças viram consagradas de forma clara e extensa (54 artigos) um conjunto de direitos próprios e inalienáveis. No entanto, e apesar de, no mundo ocidental, a visibilidade dos problemas das crianças e da condição social da infância ser cada vez maior, o certo é que a inconsistência da agenda política da infância tem perpetuado e, em alguns casos, agravado aqueles problemas. Os relatórios da Unicef sobre a situação mundial da infância têm afirmado que não se tem registado melhorias substantivas na  qualidade das condições de vida das crianças. Estas continuam a fazer parte dos grupos mais vulneráveis das sociedades e continuam a ser as principais vítimas dos conflitos armados e dos problemas sociais e de saúde contemporâneos.
O mundo ocidental parece ter acordado tarde de mais para os problemas da infância. Acordou numa época em que, apesar de as crianças serem cada vez mais importantes para os adultos, o seu peso no conjunto da população diminuiu, dado os efeitos coordenados da diminuição da taxa de natalidade e o aumento de esperança de vida da população adulta, observado nos países mais desenvolvidos. Acordou também numa época em que a ?crise económica? tem justificado o desmantelamento do Estado-providência e onde o individualismo possessivo tem dado mais atenção aos direitos do consumidor do que aos direitos dos cidadãos. Alguns autores falam da existência de uma enorme ambivalência das atitudes sociais dos adultos perante a infância. O que os adultos querem para as suas crianças não se traduz em melhorias das condições em que elas vivem. Jens Qvortrup, no livro Growing up in Europe (1995), identificou nove paradoxos  que são indicadores desta ambivalência da sociedade moderna em relação à infância. De entre eles, seleccionei estes para, com o leitor, reflectir:
?1. Os adultos querem e gostam das crianças, mas têm-nas cada vez menos, enquanto a sociedade lhes proporciona menos tempo e espaço. (...)
3. Os adultos gostam da espontaneidade das crianças, mas estas vêem as suas vidas ser cada vez mais organizadas.
4. Os adultos afirmam que as crianças deveriam estar em primeiro lugar, mas cada vez mais são tomadas decisões a nível económico e político sem que as mesmas sejam levadas em conta. (...)
6. Os adultos concordam que se deve proporcionar o melhor início de vida possível às crianças, mas a sociedade limita-se a oferecer preparação em termos de controlo, disciplina e administração.
8. Os adultos atribuem geralmente às escolas um papel importante na sociedade, mas não se reconhece como válida a contribuição das crianças na produção de conhecimentos. (...)?.
 ?têm-nas cada vez menos?. Por mera vontade dos progenitores ou por constrangimentos estruturais das sociedades? Um estudo da OCDE de 2003, acerca da participação das mulheres no mercado de trabalho, revelou que aquela participação depende directamente das suas responsabilidades familiares. A maternidade, no grupo etário 24-49 anos de idade, continua a ser um obstáculo à entrada e permanência no mercado de trabalho, nos países em que houve pouco investimento do Estado na promoção de serviços para a primeira infância (Alemanha, Suíça, Países Baixos e Reino Unido).
?mas estas vêem as suas vidas ser cada vez mais organizadas?; ?a sociedade limita-se a oferecer preparação em termos de controlo, disciplina e administração?; ?não se reconhece como válida a contribuição das crianças na produção de conhecimentos?; ?cada vez mais são tomadas decisões a nível económico e político sem que as mesmas sejam levadas em conta.?
Sou obrigada a concordar com o autor. O longo processo de institucionalização das crianças foi impondo uma racionalização exaustiva dos seus quotidianos, e em ?nome dos interesses das crianças? foi moldando-as e domesticando-as.
As crianças continuam a ser percepcionadas, pelos adultos, como seres psicológica e fisicamente imaturas, socialmente incompetentes e culturalmente ignorantes. Os adultos não lhes têm proporcionado o exercício pleno da sua cidadania, em espaços privados e públicos, como, por exemplo, na escola. 
Continua a ser importante lançar outras e muitas pedras para o charco. É importante que os educadores, não só promovam a visibilidade social dos problemas que tornam as crianças vítimas de exclusão, mas também que procurem evidenciar a importância do conhecimento dos mundos infantis para melhor compreender os processos de produção e reprodução da pobreza e da exclusão infantil.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Maria Emília Vilarinho
Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional da Univ. do Minho
Maria Emília Vilarinho
Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional da Univ. do Minho

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