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Universidade à Bolonhesa ou Cosido à Portuguesa?

É que a tradição anglo-saxónica é muito forte, e o prestígio de inúmeras universidades americanas e inglesas, que adoptam desde há muito uma estrutura semelhante a esta, terá certamente pesado na decisão. Mas será que queremos comparar-nos com essas universidades? Se o ensino universitário serve, em geral, uma estratégia de desenvolvimento, é também essa a estratégia de desenvolvimento que queremos para o espaço europeu? E para Portugal?

Já nos habituámos a constatar que há uma Europa que se constrói sobre os interesses das suas instituições mais poderosas. E quando esta Europa tenta impor uma normalização fá-lo, em regra, com o pretexto de ?aumentar a competitividade? do espaço europeu.
O processo de Bolonha é apenas mais um exemplo desta estratégia. Mas para concluir sobre os seus efeitos potenciais é necessário estudá-lo de uma forma estruturada e abrir um grande debate, que ?A Página da Educação? em boa hora já começou.
Os objectivos apontados para o processo de Bolonha são fundamentalmente três e dizem respeito exclusivamente ao Ensino Superior:
Promoção da qualidade do ensino e respectiva avaliação
Adopção de um sistema de dois ciclos: o primeiro de carácter mais geral mas permitindo o acesso ao mercado de emprego ou a continuação dos estudos e o segundo mais especializado
Adopção de um sistema de créditos, que substituirá o de semestres
Tudo isto visando aumentar a competitividade do sistema de ensino superior, tornar os cursos mais comparáveis e promover portanto uma maior mobilidade de estudantes e professores no espaço europeu.
Tipicamente, embora não obrigatoriamente, os dois ciclos seriam ?3+2? anos. Foi esse o figurino que a actual ministra se encarregou de adoptar para Portugal. É que a tradição anglo-saxónica é muito forte, e o prestígio de inúmeras universidades americanas e inglesas, que adoptam desde há muito uma estrutura semelhante a esta, terá certamente pesado na decisão. Mas será que queremos comparar-nos com essas universidades? Se o ensino universitário serve, em geral, uma estratégia de desenvolvimento, é também essa a estratégia de desenvolvimento que queremos para o espaço europeu? E para Portugal?
O Prof. Alberto Amaral, em entrevista ao Jornal da FENPROF, dizia que um dos objectivos desta proposta seria preparar o Espaço Europeu, através da normalização, para que o novo mercado do ensino superior se expandisse e as melhores universidades estrangeiras pudessem mais facilmente invadir a Europa com os seus cursos já há muito estruturados com base neste figurino. Talvez. É um perigo real, e não queremos um ensino superior que empurre a Europa e os seus cidadãos para um caminho em que o mercado se impõe ainda mais à vida das pessoas, em que os cidadãos serão cada vez menos pessoas e cada vez mais ?agentes de desenvolvimento?, em que se cria cada vez mais riqueza mas onde há cada vez mais gente pobre, mais medo e mais falta de esperança no futuro.
A meu ver temos, contudo, que distinguir o trigo do joio, e é minha forte convicção de que entre uma ?Universidade à Bolonhesa? que uma proposta destas terá em vista, e o ?Cosido à Portuguesa? que é o caótico estado actual do nosso ensino superior, há-de haver algo que nos sirva melhor.
O 25 de Abril trouxe uma explosão na quantidade de diplomados em Portugal. Mas continuamos a ter menos licenciados que a maioria dos outros países europeus, e mesmo assim o desemprego de quadros é enorme no nosso país, o que indicia, pelo menos, duas coisas: que talvez estejamos a formar licenciados nos cursos errados, e que os nossos gestores não têm revelado a competência necessária para enquadrar a quantidade de quadros superiores de que o país realmente necessita. O problema é que as dificuldades económicas e a crise no emprego para licenciados está a fazer inverter a tendência dos últimos anos: há menos alunos a inscrever-se em cursos superiores e, consequentemente, a ?oferta? de cursos superiores começa a ser excedentária.
Tudo isto nos coloca numa encruzilhada e é indispensável fazer qualquer coisa: Portugal tem que reformular o seu obsoleto sistema de ensino superior, no qual verdadeiramente já ninguém acredita. E o grande debate tem que começar. Para começar, aqui ficam algumas perguntas.
Portugal necessita de tantas universidades e institutos superiores e de uma tão grande diversidade de cursos?
Os cursos superiores em Portugal têm sido convenientemente certificados e a sua qualidade avaliada? E as classificações de um mesmo curso nos diferentes estabelecimentos de ensino têm todas igual valor?
A especialização deve começar mais cedo ou mais tarde? Ou seja: qual a componente generalista, de formação para a cidadania, que os cursos devem ter no seu primeiro ciclo?
Se há universidades estrangeiras conceituadas que afirmam que demoram tipicamente menos um ano do que as portuguesas para transmitir conhecimentos comparáveis, que fazer?
O problema maior na falta de aproveitamento no nosso ensino superior está
Na falta de condições científicas, pedagógicas e de disponibilidade dos professores?
Na falta de condições técnicas e pedagógicas nos estabelecimentos de ensino para que ?as coisas simples possam ser ensinadas de forma simples? e se ?desenvolva a disponibilidade para o ataque às questões complexas??
No pouco tempo dedicado pelos alunos ao estudo e na falta de condições para mais tempo de ?estudo assistido??
Na falta de espaço e de conforto para que os alunos passem muito mais tempo dentro das instalações escolares?
A gestão das instituições de ensino superior é suficientemente profissionalizada? Ou será que as universidades e politécnicos, ao contrário de todas as outras instituições, não necessitam de gestão competente, isto é, de gestores profissionais? E como pode ser conciliada uma gestão profissional com a democracia interna, a consistência científica e pedagógica do ensino e a autonomia das instituições de ensino superior?
O Estatuto da Carreira do Ensino Superior é o mais adequado? E qual é o problema mais crítico?
A remuneração?
Os vínculos precários?
A insuficiência de relação estrutural entre ensino e investigação?
Os tempos de permanência em Assistente, Professor Auxiliar, etc?
Os tempos totais concedidos para fazer um Doutoramento?
A ?normalização de Bolonha? dá uma margem de manobra razoável aos governos nacionais, e pouco mais impõe do que um sistema de dois ciclos e um sistema de créditos. Então, porquê querer seguir o modelo anglo-saxónico se o modelo social Europeu, ainda que na sua forma mais conservadora, está muito à frente do seu ?concorrente? mais liberal?


  
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Agostinho Santos Silva
Engenheiro. CTT.
Agostinho Santos Silva
Engenheiro. CTT.

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