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Fonologia de uso

Fonologia é a área da Lingüística que estuda a organização dos sons em determinada língua e deduz as regras que atuam nesse processo. Existem diversas linhas na Fonologia, porém trataremos aqui de uma recente e sui generis, a Fonologia de Uso (FonUso).
Para a FonUso, há uma estreita relação entre variação lingüística, freqüência de utilização das palavras na comunicação e memória fonética do indivíduo, o qual formaria sua ?gramática? internalizada através do uso. Assim, por exemplo (p.ex.), enquanto linhas formais pressupõem a existência de um único fonema /p/ no português, a FonUso consideraria os alofones, ou seja, nuanças da pronúncia deste som num contextoe mesmo diferenças entre este e outros fonemas (ex.: /p/ vs./b/), bem como sua duração nas várias posições que ocupa, a vizinhança em que ocorre etc.
A categorização mental das formas (fones, palavras, sintagmas) ocorreria no uso. Combinações lingüísticas bastante utilizadas pelo falante interferem na assimilação de outras, que lhe são desconhecidas. P.ex., o grupo de palavras com plural metafônico no português (ovo > [ó]vos) é relativamente pequeno. Se um indivíduo encontrar uma dessas palavras, que lhe seja desconhecida, pode, intuitivamente, aplicar não a metafonia, mas a regra normal de plural.
Em relação à variação e freqüência, Pierrehumbert (2000) observa que: i) as palavras possuem certa ?variabilidade? em sua produção; ii) palavras pouco utilizadas vão sendo esquecidas; iii) o efeito da freqüência de uso no esquecimento de uma estrutura pode ser verificado na fala de indivíduos; iv) a atuação da freqüência pode ser observada sincronicamente, ao compararmos a pronúncia de palavras com seu maior ou menor uso, ou diacronicamente, ao examinarmos a evolução da pronúncia através dos anos.
Assim, vemos que, para a FonUso, estruturas pouco freqüentes estão mais propensas à variação. Havendo duas categorias similares competindo numa língua, a mais freqüente é considerada não-marcada e a menos recorrente, categoria marcada. Com o tempo, categorias marcadas acabariam englobadas pelas outras (não-marcadas, comuns), embora tal mudança seja gradual, uma vez que formas marcadas de alta freqüência podem se conservar por mais tempo (Bybee 2000).
Contudo, mesmo palavras freqüentes não deixam de sofrer alterações. Conforme Bybee (2000), a primeira realização de uma palavra num enunciado é articulatoriamente menos reduzida que suas realizações posteriores, isto é, ocorrem pequenas mudanças graduais na apresentação dos itens lexicais pelos falantes. Para a autora, se tais ?ajustes? fonéticos se mantiverem, podem ser reassimilados pelas futuras gerações e se tornar, talvez, fonêmicos, distintivos.
Vemos que as idéias lançadas pela FonUso são inovadoras e polêmicas. Afinal, como quantificar com exatidão a freqüência de determinada construção, se grandes corpora existentes são elaborados a partir de informações escritas, em sua maioria? Como relacionar esses dados com outros, sociolingüísticos (idade, escolaridade, ...)? Embora a Fonologia de Uso não traga ainda respostas a muitas questões, constitui importante elo, auxiliando a integração da Lingüística com a Psicologia, Física, Biologia e áreas afins.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 140
Ano 13, Dezembro 2004

Autoria:

Irene Z. P. Calaça
Univ. Federal de Góias
Irene Z. P. Calaça
Univ. Federal de Góias

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