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Jardim-de-Infância da Associação de Moradores de Massarelos

A casa da Júnior

Ocupam um edifício enorme com vista sobre o rio Douro, na freguesia de Massarelos, no Porto. O local, em tempos já esquecidos, servira para a conserva de peixe. Em 1975, estando o prédio devoluto, a população decidiu ocupar a estrutura e criar nela o que mais falta fazia à comunidade: um jardim-de-infância. A Associação de Moradores de Massarelos ganhou forma.
Os anos passaram até que o proprietário do edifício resolveu reclamá-lo. Em troca pela desocupação, de 29 anos, a associação conseguiu que o proprietário do edifício, entretanto já vendido, se comprometesse a arranjar um terreno e a fornecer material para a construção de um novo espaço. Ficou assegurada a continuidade das valências oferecidas: uma creche e um jardim-de-infância que contam com 35 e 44 crianças, um ATL que recebe 36 alunos do 1º ciclo e um centro de convívio para idosos, onde há sempre lista de espera.
Mas ainda não há data marcada para a mudança e essa tem sido a grande dor de cabeça para a associação, diz Ana Borges, directora do Jardim-de-infância. ?É terrível não sabermos se vale a pena continuar a investir em obras de manutenção do edifício, que são caríssimas, quando a qualquer momento podemos ter de sair!?
A dificuldade em encontrar um terreno para albergar todas as valências que servem a zona baixa de Massarelos está a atrasar todo o processo. Até porque, a nova localização deve inscrever-se na actual área de intervenção social. Uma necessidade justificada, segundo Ana Borges, pelas características específicas dos utentes que actualmente beneficiam das valências: famílias com um nível sócio-económico muito baixo; muito emprego precário nas mulheres que ?na maioria se dedicam às limpezas e tanto estão empregadas como não?; a existência de muitos beneficiários do rendimento mínimo e de muitas famílias mono-parentais em que as crianças estão essencialmente a cargo das mães. ?É uma comunidade que não pode ficar a descoberto?, conclui.

Das 8 às 19

As primeiras crianças entram no jardim-de-infância às 8h. À medida que vão chegando as educadoras dão um pequeno-almoço ligeiro às crianças que nada tomaram em casa. Às 9h30 inicia-se a hora do acolhimento, dão-se os bons dias, marcam-se as presenças, aprende-se o dia da semana e começam as actividades dirigidas: um jogo ou uma história. Terminada esta fase são as crianças a escolher o que querem fazer a seguir: pintura, desenho, recorte e colagem perfazem um conjunto de actividades livres que versam sobretudo a expressão plástica.
É assim o trabalho desenvolvido no Pré-escolar. ?Apesar de a maioria dos pais continuar a pensar o jardim-de-infância como um depósito?, lamenta Maria João, uma das educadoras, a trabalhar para a associação há 5 anos. Para mostrar que a educação das crianças não é deixada ao acaso ela e Gabriela Amaral, outra das educadoras há 4 anos na associação, fazem uma visita guiada aos ?cantinhos dos miúdos?.
Numa sala solarenga está uma casinha em construção. Quando o ano começa a casa não tem nada a não ser as paredes e o telhado imaginários. Depois as crianças vão pedindo o que falta. Tachos, pratos, almofadas, bancos e pouco a pouco o recheio vai aparecendo à medida das necessidades dos moradores. ?É uma forma de tomarem consciência daquilo que lhes faz falta?, explica Maria João. Numa outra casa, no mesmo espaço, mora a Júnior, a filha da Branca de Neve impedida pela Bruxa Má de viver com a mãe. A boneca mítica já fez 15 anos e continua a ser a mascote da casa. ?Os miúdos vão com ela para todo o lado?, comenta Gabriela Amaral. Mesmo para as aulas de natação. A boneca até tem fato-de-banho. Aos fins-de-semana é hábito a Júnior ir para casa deles. ?É uma forma de incutir às crianças uma certa responsabilidade?, esclarece a educadora.
É também habitual que as actividades propostas tenham como pano de fundo um tema que pode ser a estação dominante ou alguma ocasião festiva do calendário.?Tudo o que se passa e nos influência é vivido aqui e serve de pretexto para trabalhar?, explica Gabriela. Os desenhos de castanhas nas paredes mostram um dos temas já trabalhados: o São Martinho. As actividades em torno desta temática variaram. ?Observamos as folhas, a sua textura e cor e ao fazê-lo podemos trabalhar a matemática agrupando as folhas por tamanhos e formas para ver qual dos grupos tem mais folhas?, explica Gabriela. Maria João continua: ?Podemos ensinar palavras novas, e introduzir materiais que as crianças não conheçam para trabalhar a expressão plástica?.
Para mostrar aos progenitores o que fazem os filhos no Pré-escolar, as educadoras aproveitam os dias do Pai ou da Mãe para os chamar ao Jardim-de-Infância. ?É muito positivo para as crianças que os pais vejam os trabalhos que fazem porque os estimula para futuras tarefas?, diz Maria João. ?Não fazemos isto para valorizar o nosso trabalho mas o deles?, esclarece Gabriela.

Das 16 às 19

Ana Rodrigues é a educadora que desenvolve as Actividades de Tempo Livre (ATL). Das 16h às 19h, o ATL recebe 36 crianças que frequentam a EB n.º 1 do Golgota com idades entre os 6 e os 11 ou 12, devido às retenções no 1º ciclo.
Não há limites para as actividades neste espaço, mas uma coisa é certa ?não se fazem trabalhos de casa?. Tal situação ?seria inverter a lógica desta valência?. Até porque, diz a educadora, ?as crianças têm de ter tempo para brincar, ainda que de uma forma didáctica?. E isto significa ?incutir hábitos de arrumação e de responsabilização? e brincar através de jogos.
Sempre ?sem escolarizar?, Ana Rodrigues procura ainda trabalhar áreas que note serem deficitárias nas crianças. Como a ?falta de interesse pelos livros e de criatividade? e as ?muitas dificuldades ao nível da literacia e dos erros ortográficos?. Criou uma oficina de escrita e as crianças já escreveram duas histórias. Elas serão passadas a computador e impressas. ?Será uma maneira de os motivar para a escrita?, acredita a educadora. E aproveitando ?o gosto dos miúdos por concursos?, está a preparar já um concurso de leitura, depois do sucesso dos concursos de dança já promovidos.
Um dos obstáculos que a educadora enfrenta é a falta de tempo ?muitas mães vêm buscar os filhos às 17h?. Mas poderá não ser o único. A pensar numa maneira de ajudar as crianças a superarem as suas dificuldades na escola, Ana Rodrigues está a tentar criar uma ligação entre o ATL e a EB1. O facto de todos os anos o corpo docente mudar torna mais difícil esta vontade. ?Além disso, noto que os professores estão um bocado presos ao agrupamento [Gomes Teixeira]?, refere Ana. ?Ainda não tivemos oportunidade de nos reunirmos?, até porque acrescenta Ana, ?como o ano lectivo também começou tarde é natural que eles tenham de se organizar primeiro?. Por isso admite ?ainda se possa fazer algo em conjunto pelas crianças?.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 140
Ano 13, Dezembro 2004

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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