Página  >  Edições  >  N.º 140  >  Portugal deseducado?

Portugal deseducado?

Educação ou Instrução?

Não há hoje comentador ou jornalista que se preze como intelectual que não tenha o seu discurso de pacotilha sobre a Educação: a Educação em Portugal (que é ?caríssima? ) está completamente degradada, nos últimos 30 anos [Lembram-se? Foi o 25 de Abril!]? porque se fizeram demasiadas reformas avulsas (outros dizem que não se fizeram nenhumas!)? em que os ?eduqueses? (ou ?os filhos de Rousseau?) dominaram, centraram o ensino e a aprendizagem nos alunos? e ficou este descalabro de ocuparmos os últimos lugares dos testes PISA? (e os alunos tornaram-se uns ignorantes, que não fazem esforço para estudar, não sabem fazer contas elementares? ?não é como no nosso tempo??[Era o do ?Estado Novo!]? e passam o tempo nas discotecas?). E concluem, em versão mais sofisticada (como A. Barreto e Fátima Bonifácio), ou mais simplória (como J. Espada, José Manuel Fernandes e Felícia Cabrita), pela inevitabilidade de um retorno ao ?antigamente?, após a devida purga de tudo o que sejam especialistas em Educação!
Trata-se de um caso em que, partindo de alguns sintomas reais da ?doença?, mas desintegrados do contexto geral (e até do que se passa noutros países), se pretende aplicar um tratamento radical e errado? de onde o paciente se arrisca a não sobreviver.
Então vejamos: Portugal foi o único país da Europa em que, até aos anos setenta, o Estado ?teorizava? a bondade da ignorância da maioria (bastava saber ?ler, escrever e contar?? a chamada instrução que Paulo Portas se propôs restaurar)? ficando a educação para uma elite, que se prepararia para governar essa massa de ignorantes felizes. Basta relembrar os nossos livros da escola primária para vermos a que me refiro. E só com a democracia é que chegamos à democratização /massificação do ensino, quase meio século após os últimos europeus? o que, obviamente, e por muito que se acelere a escolarização, ainda hoje se reflecte na baixa qualificação dos portugueses, e nas altas taxas de analfabetismo? e, embora a jovem geração actual tenha já um acesso generalizado ao ensino básico? não deixa de ser filha de pais com a ?4ª classe? (ou a telescola)? e neta de analfabetos, realidade inexistente em qualquer outro país europeu.
Esta massificação da escola, sem que os meios adequados fossem investidos ? e basta lembrar, até há poucos anos, e mesmo agora em menor grau, que condições tinham algumas das nossas escolas! -, obrigou também a multiplicar rapidamente o número de professores (muitos sem habilitações? com a conivência do ministério?), levando ao abaixamento do nível médio dos alunos (já não seleccionados pelo seu estrato social) e igualmente do dos professores.
A situação repete-se igualmente no ensino superior, onde, até 1974, só havia 4 universidades? para uma casta bem seleccionada de alunos? e onde a investigação era praticamente inexistente!
A qualidade ressentiu-se deste violento abanão? mas também porque as tarefas que agora eram exigidas à escola se tornaram mais complexas? pois educar é muito mais do que instruir (sobretudo na versão bacoca que todos conhecemos, de récitas decoradas das preposições, dinastias, rios e serras de Portugal, e até da linha férrea!)? e é também por (pretensamente) ignorarem estes factos, e os objectivos fundamentais para a cidadania de uma escola pública numa democracia, que os referidos comentadores e especialistas nos tornam a propor o sistema ?do antigamente?? E como o último Ministro da Educação do Salazar ainda está vivo?

Reformas na Educação?

Outra ideia generalizada sobre a Educação em Portugal é a de que se fazem reformas a torto e a direito, todos os anos? ou então, por vezes nas opiniões dos mesmos, que ?o PS não fez a reforma na educação?? que ?a? tal reforma está por fazer. E, de facto, a reforma curricular que fora preparada e discutida ao longo de mais de dois anos ? concorde-se ou não com ela ? veio, depois de suspensa e ?remendada? pelo governo seguinte, a ser aplicada há um ano, para não afrontar as editoras livreiras? mas sem a correspondente adaptação dos horários, ou seja, dão-se novos programas, previstos para escolaridades diferentes? em horários antigos, onde estão desajustados! Mas esta foi só a ultima destas reformas? antes de ter reformado a colocação dos professores? com os resultados bem conhecidos!...
Todo o Ministro que quer ser lembrado acha, ao chegar ao governo, que tem que fazer a sua reforma do sistema, e faz tábua rasa do trabalho do seu antecessor? mesmo se dentro do mesmo partido! O que poderia levar a haver tantas reformas quanto os ministros? se não fosse que ? aqui felizmente! ? a inércia do ministério nos poupou de várias delas.
Pessoalmente creio que não faz falta UMA reforma do sistema, enquanto intervenção abrupta e descontínua sobre o que se vinha a passar, mas sim MUITAS renovações, mais ou menos pontuais, e sem ferir a continuidade de todo o sistema, introduzidas, de preferência num extremo deste (o pré-escolar? o início do ensino básico), vindo a produzir resultados diferidos no tempo, sem rupturas e acidentes para a mesma população escolar. As intervenções mais ?drásticas? deveriam incidir sobretudo sobre situações concretas, ao longo do percurso escolar (momentos de maior insucesso, disciplinas ?difíceis?, como a Matemática, situações de abandono escolar), e serão sempre limitadas no tempo, acompanhadas e avaliadas? para produzirem efeito.
Além disso, um dos aspectos sempre referidos pelos citados arautos da desgraça educativa é o dos inconvenientes da democracia na escola, que leva ao facilitismo, pois os professores, para serem eleitos, têm de ser demagógicos, e ficam nas mãos dos colegas que os elegem, sem poderem tomar as medidas impopulares contra estes. [Sempre me perguntei se estes críticos da democracia electiva nas escolas e universidades também a não aceitavam a nível político mais geral? sendo favoráveis ao ?despotismo iluminado?]. Ora a investigação sociológica confirma é que não se pode reformar um sistema contra os seus actores primordiais, que não há reformas decretadas, mas sim reformas executadas, e, para isso, é fundamental conquistar a sua adesão para as mudanças a implementar? e não hostilizá-los! Além de ser fundamental acompanhar a introdução das alterações, de modo a adaptar a mudança, quando necessário, e avaliar o seu sucesso passo a passo. Mas esta não é a prática do Ministério da Educação.
No âmbito de um sistema tão complexo como o sistema educativo movem-se personagens com interesses variados, por vezes até contraditórios, que é necessário motivar para o sucesso e desenvolvimento dessa tarefa primordial de renovação da educação, não só na perspectiva da correcção de assimetrias e erros que se vão desenvolvendo ao longo do tempo, mas também para a introdução das novas tecnologias, fundamentais no futuro, em todos os aspectos da aprendizagem e do ensino em que se possam considerar vantajosas? o que está muito longe de estar feito. E, para isso, prefiro largamente contar com a colaboração esforçada dos profissionais da educação, devidamente motivados e acompanhados, do que com os ?velhos do Restelo? e saudosos mais ou menos encapotados do paraíso do antigamente?


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 140
Ano 13, Dezembro 2004

Autoria:

Manuel Pereira dos Santos
Professor Catedrático da Univ. de Évora
Manuel Pereira dos Santos
Professor Catedrático da Univ. de Évora

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo