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Escola Pública: para que te queremos?

Numa primeira fase [promove-se] o financiamento das escolas privadas em paridade com o das escolas públicas, para, numa fase posterior, se confinar as segundas a uma função mais assistencialista do que formativa, através da oferta de serviços educativos de qualidade inferior e, por isso, com poucas hipóteses de serem objecto de qualquer tipo de reconhecimento social.

Andamos a saltar de manifesto em manifesto em defesa da Escola Pública, enquanto aqueles que têm capacidade de decisão ou de influência política a corroem, paulatinamente e sem sobressaltos. Dão tempo ao tempo, pactuando, permitindo, incentivando e, paradoxalmente, tentando retirar benefícios do descalabro. Não será por acaso que a catástrofe em que as equipas de Justino e Seabra transformaram o processo de colocação de professores tem vindo a ser subtilmente aproveitada para matar dois coelhos com uma cajadada só. Afirma-se, por um lado, a incapacidade do Estado em governar a coisa pública e oculta-se, por outro, que os problemas com que a Escola Pública se debate são, em larga medida, produto do desinvestimento que a direita no poder tem vindo a protagonizar na consolidação, afirmação e desenvolvimento dessa mesma escola.
Nada disto é novo. Constitui um dos objectivos estratégicos de uma agenda política transnacional que é incentivada e beneficia da conjuntura política em que mergulhamos neste início do século. Numa primeira fase visa promover-se o financiamento das escolas privadas em paridade com o das escolas públicas, para, numa fase posterior, se confinar as segundas a uma função mais assistencialista do que formativa, através da oferta de serviços educativos de qualidade inferior e, por isso, com poucas hipóteses de serem objecto de qualquer tipo de reconhecimento social. É este conceito de Escola Pública, contraditório com os valores, os propósitos e a dinâmica de uma sociedade democrática, que urge denunciar, recusando, para já, o pequeno subterfúgio semântico com que a direita no poder tende a enfrentar esta questão, ao deixar de falar em escolas públicas para se referir, antes, ao serviço público de educação que, na opinião de alguns dos seus ideólogos, tanto estas escolas como as escolas privadas deverão encontrar-se em condições de assumir. A reivindicação da livre escolha das escolas por parte dos pais, a subsequente defesa, mesmo que tímida, dos denominados cheques-ensino, a obsessão pela publicação dos «rankings» das escolas do Ensino Secundário são, apenas, algumas das manifestações maiores desse movimento de privatização da Escola Pública que a põem em causa como instituição sujeita a finalidades e a uma dinâmica de carácter democrático. 
Olhando para esse movimento e, sobretudo, para os argumentos que os seus mentores invocam, há que reconhecer que a credibilidade destes últimos tem vindo a ser sustentada, em parte, pela ambiguidade dos discursos de todos os que se encontram no campo da defesa de escolas públicas, democráticas e de qualidade. Estes nem sempre são capazes de distinguir e de afirmar, de forma clara, quais os obstáculos que radicam nas decisões de carácter político daqueles que são contra a existência de  escolas públicas o mais capazes e inclusivas possível, dos obstáculos que têm a ver com o modo como se realiza e acontece a gestão do quotidiano dessas escolas, quer do ponto de vista administrativo quer do ponto de vista curricular quer, ainda, do ponto de vista pedagógico e didáctico. A desqualificação das escolas públicas importa reconhecer, tem acontecido de vários modos e a partir da actuação de actores com responsabilidades e estatutos distintos no âmbito do sistema educativo português. É certo que há obstáculos exteriores às dinâmicas internas dessas escolas, como, por exemplo, a responsabilização social excessiva com que, actualmente, se tende a olhar para a Escola como instituição educativa. É certo que há decisões de carácter político gravosas que afectam o funcionamento das mesmas, assim como é certo que temos que começar a discutir, também, as responsabilidades dos professores e das suas associações no actual estado em que se encontra a escola pública.
Seremos nós capazes de assumir este desafio? Seremos nós capazes de compreender que da assunção responsável do mesmo depende, em larga medida, não só o futuro da Escola Pública enquanto instituição socialmente mais justa e culturalmente mais pertinente, como por consequência, o nosso futuro como profissionais autónomos e realizados com o trabalho que produzimos?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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