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Joyce King e Regina Leite Garcia à conversa

Algo de velho no novo, algo de novo no velho
Algo de branco no preto, algo de preto no branco

Conheci Joyce King nos Estados Unidos, apresentada por Glória Ladson-Billings, já minha amiga. Estivemos por alguns dias em New Orleans, num encontro de Currículo, onde uma multidão lotou a sala em que Joyce ia fazer a sua palestra. Mulher negra, militante, bela e vigorosa. Sua fala trazia uma energia que convidava à reflexão e à ação. Falava bem de coisas importantes. Seu corpo todo fala, não apenas sua boca. Razão e emoção não se dissociam em seu falar, em seu viver, em seu conviver. Doutora Joyce King, professora universitária, que consegue a coerência entre sua ação acadêmica e sua ação de mulher negra e militante das boas causas.
Joyce King é Professora da cadeira de «Urban Teaching, Learning and Leadership» na Universidade do Estado da Geórgia, em Atlanta. É também Presidente da «Academy for Diaspora Literacy, em East Point, GA/New York City».

R: Raça é uma falácia, (...) somos todos humanos. Disse-o você com seu modo feminino de falar, de mulher negra que sabe que forma e conteúdo não se dissociam. Você também afirmou que alguns professores negros perderam suas raízes...

J: Eu me recordo de um professor da Venezuela, um afro-venezuelano, que falou sobre como as descrições de raça eram na verdade palavras relacionadas com animais. Algo como ?mulata?, ?mulher?, ?mula?. Ele falava em espanhol, e eu não conhecia as raízes das palavras. Ele disse que esses conceitos de raça vêm de denominações de animais, e se você diz que raça é uma falácia, que cientificamente não é verdadeira, fica a pergunta - o que devemos ensinar às crianças? Devemos ensinar essas palavras que têm a ver com animais? Então, qualquer pessoa que der aula para crianças, começará com uma pedagogia desenvolvimentista para ser apropriada. Essas temáticas, mesmo para adultos, já são um desafio. A questão não é saber se devemos ensinar sobre animais, ou se devemos ensinar sobre o que raça significa cientificamente, e sim, qual tipo de mundo nós queremos que nossos filhos estejam aptos a criar. Isso nos leva a ter de traduzir essas temáticas mais complexas em algo concreto para que as crianças consigam entender.

R: O questionamento é o de sempre: ?Como a gente podia fazer isso??

J: Já há alguns anos atrás, aquando dos ?workshops de educação multicultural?, dizíamos que as pessoas queriam uma ?receita?.(...) Mas nós não temos que inventar a solução para a sala de aula do professor. Esse professor vai se motivar e ficar acordado a noite toda preparando as aulas que darão certo. Mas dá certo porque vem de dentro, porque é criado pelo próprio professor. Eu aprendi isso com os meus alunos na Califórnia, num curso de formação de professores que eu dava com a Glória Ladson-Billings na Universidade Santa Clara. Nós não tínhamos alunos negros. Todos os nossos alunos eram brancos. Talvez dois em doze anos... dois ou três no máximo fossem negros. Lá eu pude aprender alguma coisa sobre educação de alunos brancos. Meus alunos diziam sempre no final do ano: ?obrigado por abrir a nossa mente.? Um dos meus alunos me contou uma história. De uma família pobre, conseguiu entrar na Universidade Santa Clara, que é do mesmo nível da Universidade Stanford, em termos financeiros e em termos de prestígio. A família dele e todos os professores tinham uma expectativa de que ele fosse estudar Direito, porque ele era um aluno brilhante. Ele ganhou até um prêmio de melhor aluno, e então eles esperavam que ele fizesse Direito. Porém ele decidiu ser professor. Todos ficaram desapontados. Anos mais tarde ele me disse que eu lhe tinha ensinado que o trabalho deveria permitir que as crianças usassem os seus próprios talentos, para que fossem mais elas mesmas, e não para que se tornassem iguais a qualquer modelo. Não que as crianças negras se tornem iguais às crianças brancas. O mundo é para que cada ser humano seja ele mesmo. (...) O processo de aprendizado é uma via de mão dupla. Você pode ficar com uma pessoa enquanto você também estiver dando para ela algo que ela não possua. Não como um missionário, que não seria bom nem para você nem para a outra pessoa.

R: E isso é o certo...

J: Trago uma outra situação vivida por uma aluna minha, que estava dando aula para crianças de pouca idade. Duas das crianças da sala tiveram morte na família. Eram duas meninas: uma negra e uma branca. A família branca não permitiu que a criança, que tinha por volta de 8 anos, participasse do funeral. A família negra levou a criança, ela viu o corpo, participou do velório, do enterro... e as duas meninas estavam conversando na sala de aula com a minha aluna que era a professora. A aluna branca estava dizendo que estava com medo porque seu avô tinha morrido. E a minha aluna estava conversando com a aluna negra que dizia não ter medo porque sabia que a avó estava no céu e que ela um dia a veria novamente. Então a professora (minha aluna), pela primeira vez, compreendeu algo sobre cultura, que as culturas são diferentes e as pessoas lidam com as dificuldades da vida de formas diferentes. E ela gostou da maneira como a menina negra conseguia ver a morte, como uma transformação, e de ter esperança e de não ter medo., que, sendo branca, ela nunca havia tido a oportunidade de vivenciar como uma outra cultura encara a vida de maneira diferente. E ela publicou essa história. Foi a capacidade dela refletir sobre o fato de que os brancos agem de uma forma e os negros agem de outra forma... e é possível aprender a partir da maneira como os negros agem. Estava sendo oferecido a ela algo além do que ela é. Deste modo, o sentido de ?branquidade? que ela possuía não era mais totalmente suficiente. Ela aprendera que não poderia mais pensar: ?Não preciso de mais nada simplesmente porque sou branca, e é assim que o mundo é, e é assim que todo mundo deve ser?.


R: Vou te contar uma experiência que eu vivi com a Glória Ladson-Billings. A primeira vez que entrei na sala dela, bem na parede à minha frente, eu vi um mapa...

J: De cabeça para baixo!

R: Isso, de cabeça para baixo! Eu nunca tinha visto aquilo e lhe perguntei por que o mapa estava de cabeça para baixo. E ela me disse: isso faz parte da minha ação política. O que Glória me disse e como ela falou me fez pensar. Comecei a pensar na geografia, nos primeiros cartógrafos, em quem encomendava os mapas...

J: Claro.

R: E compreendi. Ela não precisou dizer mais nada. Eu entendi quem fazia os primeiros mapas, quais os interesses da época, que parte do mundo era hegemônica e o motivo dos mapas serem desenhados a partir dessa perspectiva européia. Em meia hora eu pude compreender algo simples mas imensamente importante: um mapa. E agora, na minha sala de pesquisa na universidade eu também tenho um mapa de cabeça para baixo. E, como aconteceu comigo ao entrar na sala da Glória, as pessoas chegam, vêem, refletem sobre o que vêem e conseguem entender. Este momento de tomada de consciência é importante para o problema do racismo, para o problema da relação norte e sul, ricos e pobres.

J: É o problema do conhecimento, da ciência...

R: Uma situação como esta nos faz mudar a perspectiva. Algumas vezes, coisas que aparentemente são pouco importantes, provocam esta mudança radical. Uma vez nós organizamos um seminário sobre Direitos Humanos na Universidade. E convidamos, entre outras pessoas, um indígena de uma tribo que vive em Angra dos Reis, perto do Rio. E ele disse de público: ?eu fui para o colégio porque meu pai me disse que eu tinha que ir porque seria importante para mim. Mas ele não me disse porque isso era importante para mim. E eu ia para o colégio todo dia, e voltava para casa, sem saber porque aquele lugar era importante para mim... eu não sabia porque tinha que freqüentar um lugar onde nada acontecia que pudesse mudar a minha vida, que me fizesse entender algo que eu não entendia anteriormente. Até que um dia, quando eu já tinha 18 anos, uma professora de história me disse que quando os portugueses chegaram ao Brasil, o meu povo vivia nessa terra. Bem, eu me perguntei: se os portugueses chegaram aqui, onde meu povo já estava antes da chegada deles, eles então não descobriram Brasil. Eles invadiram a terra onde meu povo vivia !?
Aquele indígena compreendeu naquele momento algo que mudava a sua vida. Esse é o ponto. Em um momento ele compreendeu que tudo o que lhe haviam ensinado estava errado, era um lado da verdade. Você pode afirmar que o Brasil foi descoberto se analisar esse fato pela perspectiva européia. Para a Europa o Brasil não existia, portanto ele foi descoberto. Mas para o povo que já estava aqui, que vivia aqui, isso foi uma invasão. Acho que o que nós deveríamos ter feito e o que devemos fazer na educação é trabalhar para que as pessoas consigam ver a partir de um outro ponto de vista. Quando vemos de um outro ponto de vista, da maneira que aconteceu comigo quando vi o mapa de cabeça para baixo e refleti sobre isto, é como se algo se abrisse e você então consegue ver o que não via antes.

J: Isso é o que acontece quando se aprende sobre outra cultura. Isso lhe permite aprender mais sobre si mesmo.

R: Uma coisa que você disse na conferência e que eu gostaria que retomasse nesta nossa conversa, é que você afirmou que nos EUA você mesma tomou conta da sua educação. E eu entendo que quando as pessoas lhe perguntam como fazer, talvez não estejam esperando ?receitas?, talvez seja um outro pedido de auxílio, como ?dê-me força?, ?ajude-me?... ...a me sentir capaz de encontrar o meu próprio caminho.?

J: É, isso também é possível...

R: Talvez eu queira acreditar que seja isso. Não se trata somente de ?ensina-me como fazer?. Trata-se de ?sentindo-me junto com você, eu me sinto mais forte porque não estou sozinha.?

J: É, eu ouvi isso...

R: E sabe, eu entendi isso quando você estava cantando... ?Sometimes I feel like a motherless child? (Às vezes eu me sinto como uma criança sem mãe). e uma das mulheres, emocionada, disse ?Eu me sinto diferente agora porque estou em sintonia com o povo, meu povo que eu nunca vi. E quando você traz essa música eu entendi que não estou sozinha.? Creio que o que elas buscam é não se sentirem sozinhas, pois é muito sofrimento se sentir sozinha. Estudar em uma escola onde você é o único que está tentando fazer algo, e às vezes, eu escuto isso tantas vezes dos professores... às vezes trata-se de se sentir sozinho e tão enfraquecido. É muito difícil ser diferente em um ambiente onde os outros parecem ser iguais, e você é o diferente.

J: Bem, essas experiências fazem parte do cotidiano nos EUA; é a experiência universal de alguém tentando provocar mudanças porque muito do que o sistema causa é fazer com que você se sinta louco, fazendo você questionar sua própria existência. Esta é uma resposta humana. Nós nos afirmamos através das reações das outras pessoas. Se todos agem como se não estivéssemos vestidos, nós vamos nos questionar se estamos realmente vestidos. Qual é a outra maneira de conhecermos a nossa realidade além da resposta que obtemos dos outros? Portanto os outros que estão fazendo o que também acham ser o melhor, não estão inclinados a nos dizer que o que estamos tentando fazer é bom, porque isso automaticamente significaria que ou eles não estão fazendo o que deveriam ou o que eles estão fazendo e que estão comprometidos a fazer é ruim. Portanto, devemos desenvolver outras formas de afirmar a validade da nossa solidão, já que durante um certo tempo nós ficaremos sozinhos. Mas a saída não é se entristecer ou agir como pobre coitado. A saída é encontrar outras pessoas e fazer um esforço para trabalharmos coletivamente, de modo que este sentimento de solidão e de desesperança possa ser reconhecido como um estágio que se pode superar.

R: Eu quero continuar nesse assunto porque ele tem a ver com algo que tento realizar. O sentir-se só ou a compreensão de que quando se está sozinho a gente se enfraquece, se torna mais vulnerável. Mas quando se está em grupo, numa ação coletiva, a gente se torna forte. Estou lhe dizendo isso porque minha ação pedagógica, ou seja, eu sempre trabalho propondo aos meus alunos uma ação coletiva para que eles entendam a diferença entre ação individual e ação coletiva. Como você se sente quando está sozinho, sem ninguém e como isso leva à competição, ao egoísmo, a ver o outro como inimigo porque preciso ser melhor do que ele. Preciso fazer o meu trabalho melhor do que o dele. Quando se trata de ação coletiva, inevitavelmente se desenvolvem os hábitos de compartilhar, de trabalho cooperativo, da solidariedade, da fidelidade, da análise crítica... e isso é metodologia; estamos falando agora sobre metodologia. Creio que em nossa ação, na educação do professor, seja em curso de graduação ou de pós-graduação, sempre tive a preocupação de propor trabalhos coletivos e depois discutir com eles a importância política de uma ação coletiva.

J: Bem, eu acho que isso é, ao mesmo tempo, a capacidade de empreender algo como um indivíduo, mas tendo um grupo de referência, porque nossa consciência nos diz que não estamos sozinhos, que há outros, ainda que eles possam não estar fisicamente conosco. Eles podem até não estar na mesma cidade, nem no mesmo continente. Mas quando se realiza a transição para além dos sentimentos de impotência e solidão, então se consegue arrumar um emprego, uma atividade individual, mas não se estará vulnerável ao mesmo sentimento de solidão. Então eu estou apenas dizendo que há um processo de autoconhecimento. Você se posiciona em um mundo maior de valores e de possibilidades. Mas isso também está em minha experiência: a questão espiritual. Eu não estou me referindo a religião, e sim a espiritualidade. Porque o processo de participação em uma luta humana maior também faz parte da sua jornada da vida. Sua capacidade de aprender o seu propósito. O propósito da sua vida, a sua missão.
(...) A questão de não ficarmos sozinhos é uma decisão consciente baseada no fato de que ninguém sabe tudo. Todos precisam de outras pessoas por se tratar de um processo social pelo qual estamos passando. Então você escolhe ser solidário com os outros. Mas essa escolha não lhe tira a obrigação de em algum momento estar sozinho.
(...) É assim que a gente luta. Nós lutamos como seres humanos. Temos nossas fraquezas e nossas forças, mas a capacidade de sempre conseguirmos nos recuperar e nos tornar cada vez mais nós mesmos. Porque é o nosso eu que estamos buscando realizar. É o nosso próprio sentido de auto-realização. Logo, quem fica mais desapontada quando algo não dá certo, somos nós mesmas. Sempre são aquelas outras pessoas que vêm nos ajudar nesse momento e que nos dirão que afinal, não foi tão ruim o que aconteceu, que fizemos o melhor que podia ser feito. E esta outra pessoa nos ajudará a ver de um outro ponto de vista. Há sempre uma outra maneira de pensar cada situação. É algo que vai e volta; não é algo rígido, inflexível. O que eu queria dizer é que... isto é desenvolvimento, é o que a educação faz, é que ela mostra às pessoas a possibilidade, mas é o indivíduo que tem que aceitar a responsabilidade de assumir os seus atos. E, ao assumir essa responsabilidade, você se torna mais do que um aprendiz. Deixa de ser apenas um seguidor. Você não está se limitando a seguir ordens. Você diz: eu vou lá e vou fazer o meu melhor. E, assim fazendo, estará aprendendo durante o processo. Fica mais fortalecido porque adquiriu mais conhecimento a partir da experiência vivida. Desenvolveu uma nova capacidade que você desconhecia possuir. A partir do processo de luta. Eu tenho usado muitas histórias no meu trabalho com os alunos, com outras pessoas... e as histórias freqüentemente libertam a memória dessas pessoas porque memória é poder. E o que fazemos é tentar encontrar nessa pessoa a memória da sua própria possibilidade.
Essa é a educação que vem de dentro. Não vem de fora. Novamente eu digo que isso não é uma fórmula, não é uma receita. E quando eu digo às pessoas para não pensarem no que faço nos Estados Unidos, que não quero que elas tomem o que estou dizendo como um modelo a ser seguido, falo isso com base naquele espírito de que sua capacidade já está em você mesmo. Estamos simplesmente buscando a chave para liberar essa porta especial para que você possa ver isto. Porque se for algo que venha de dentro de você, dá para imaginar o quanto você ficará mais fortalecido por ter feito sozinho? Não será uma sensação melhor do que se você pensar que foi algo que alguém lhe deu e que você ainda não possuía? Aquelas memórias que trago comigo, os momentos em que os alunos dizem: ?obrigado por abrir a nossa mente.? No fundo você sabe que isso eles já possuíam...

R: Mas, sem dúvida, você os ajudou.

J: Bem, eu ajudei, eu ajudei.

R: Afinal, esse é o papel da educação.

J: Sim, esse é o papel da educação. Assim como na história do homem que você disse que ?descobriu? que os portugueses haviam invadido as suas terras. Na verdade ele estava se lembrando de seus próprios...

R: ancestrais.

J: seus próprios ancestrais, sua experiência. E ele ficou dizendo: ah, então nós já estávamos aqui! Por isso é uma abertura tão poderosa. Sabe, eu agradeço a Paulo Freire por esse insight e eu também me dei conta que meu próprio povo é muito espiritual. Então essa música, ?Sometimes I feel like a motherless child?, quando você para e pensa nela e se dá conta de que ela foi criada por pessoas que foram escravizadas. Essa é a expressão deles de como eles sentiram a realidade existencial da escravidão. Eles cantavam essa música sobre a sua própria memória do seu lar. Esta a força dessa música, porque conecta novamente as pessoas através de uma linha que lá atrás foi rompida, e a música os conecta de volta em um plano ainda mais além. É realmente a interioridade da realidade de se estar conectado com outras pessoas. Então quando mergulhamos dentro disso tudo e adquirimos força, ocorre uma corrente... um elo invisível, essa conexão com outros seres humanos que espiritualmente ainda permanecem com vocês. Espiritualmente eles estão presentes, mas nossos olhos humanos não conseguem ver isso.
(...) Nós somos os descendentes de todas essas pessoas que tornaram possível a nossa sobrevivência. Elas permanecem o tempo todo conosco. Então agora quando eu trabalho com meus alunos brancos, o que eu tento fazer é interromper a identificação deles com o falso... é somente uma parte da realidade com a qual eles estão se identificando. É uma realidade distorcida. Porque... por exemplo, o que meus alunos falaram quando eles leram sobre Colombo... e eles leram a verdade sobre o comportamento de Colombo, o que ele na verdade fazia, aí eles falaram: ?nossa, a gente não sabia isso sobre Colombo!? Esses alunos eram italianos. Eu tenho muitos alunos italianos lá nos EUA. ?Mas se Colombo fez tudo isso, quem vai passar a ser nosso herói?? Ele realmente fez isso, é tudo verdade. Mas se vocês decidirem em não mais admirar Colombo, vamos analisar, vamos analisar novamente nos seus ancestrais brancos... quem vocês podem admirar? Então a gente volta ao passado e analisa como as pessoas que lutaram contra a escravidão foram retratadas nos livros escolares. Elas eram retratadas como loucas. Retratadas como malucas, selvagens, irracionais... temos que rever essa análise e poder dizer: bem, aí está alguém que vocês podem admirar. Vocês têm que ignorar o que lhes ensinaram sobre eles. Hoje em dia os meus alunos estão mais atentos porque eles conseguem perceber que a identidade deles foi ?controlada?. Quero que eles aprendam o que não ensinaram. Retiraram deles a oportunidade de se sentirem orgulhosos de alguém que tenha contribuído com a justiça. Por isso eles estão em alerta. Eles não são mais ?missionários?, eles também são vítimas do processo que visa retirar o poder. Então eles obtêm o poder de uma fonte que para eles não se encontrava disponível. Nós estudamos Mother Jones, estudamos John Brown... estudamos outros que foram comprometidos com a justiça. Mas eles não sabem nada sobre essas pessoas. A partir disso, eles conseguem perceber que houve algo de errado com a educação que receberam.

RG: Com essa perspectiva, eu diria que a educação é um processo de permissão, de se permitir que os que foram silenciados contem sua estória, seus contos, sua rica história, a história que não foi contada. Portanto nós temos que trabalhar em uma perspectiva que silenciou a história, que os silenciados podem se erguer e falar, e demonstrar que não há apenas uma história feita de... uma única perspectiva. Sempre há uma outra perspectiva que deveria aparecer, deveria ser contada.

JK: Mas, Regina, há um outro ponto. É que essas perspectivas não são iguais. Essas perspectivas não são neutras. (...) O processo de mudança do mundo não se trata de somente criar mini-perspectivas, e sim enxergar qual perspectiva é a melhor para toda humanidade. Não podemos simplesmente afirmar: queremos que os silenciados falem e que os outros se calem. Qual o objetivo disso? Não se trata de tomar o lugar de quem oprime. Não se trata de retirá-los para substituí-los.

RG: Novamente isso tem a ver com o Paulo Freire.

JK: Tem razão. É como a gente estava falando dos políticos de hoje em dia. Eles recebem os votos, e depois não agem como prometeram. E eles desapontam. Então não devemos nos surpreender se as pessoas agirem da mesma forma. Isso significa que temos muito a fazer. A LUTA CONTINUA.

Entrevista de Regina Leite Garcia
Tradução de Marcelo Andreoti
Edição de João Rita


  
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Joyce King

Regina Leite Garcia
Univ. Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil
Joyce King

Regina Leite Garcia
Univ. Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil

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