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Ética profissional e deontologia: virus neoliberal, ou questão-tabu dos sindicatos de professores?

A FENPROF subscreveu a ?Declaração da Internacional de Educação sobre ética profissional?, adoptada no 3º Congresso Mundial da IE, que vale a pena consultar em www.ei-ie.org .
No sector do Ensino Superior, este aspecto ético é particularmente relevante devido ao peso que a ?avaliação pelos pares? tem no desenvolvimento da carreira dos respectivos colegas, ao nível das diferentes etapas da carreira, quer também pelas repercussões que a participação em órgãos de gestão e decisão pode igualmente ter, no âmbito da autonomia das instituições de ensino superior. E são conhecidas boas e más práticas, como em todos os sectores de actividade humana, tendo a FENPROF denunciado publicamente as segundas, e feito inúmeras propostas para favorecer as primeiras.
No início do século XXI, o Ensino Superior e Investigação são alvos privilegiados da cobiça neoliberal, para os transformar em meros produtos comerciais livremente transaccionáveis, bem como dos arautos nacionais das mesmas propostas, coligados mais ou menos directamente com o governo, de modo a porem em questão o que a luta reivindicativa de trinta anos permitiu obter na consolidação de alguns direitos fundamentais e na obtenção de remunerações aceitáveis à escala europeia e nacional. O corolário destas acções é a clara desvalorização social destas profissões e, a prazo, como já está a suceder noutros países, a impossibilidade da substituição geracional nos próximos anos, por ausência de candidatos.
Assim o combate político sindical situa-se prioritariamente na obtenção de condições de estabilidade profissional e progressão atraentes para as gerações mais novas, que passam necessariamente pela clara revalorização da imagem social das carreiras do Ensino Superior e Investigação. É fundamental torná-las mais atraentes e realçar as suas vantagens intrínsecas, que há que proteger: é que, se por um lado estamos a falar de carreiras das mais exigentes que existem, por ?tocarem? diariamente os limites do saber, e serem responsáveis pela formação adequada da elite intelectual dos países, por outro lado esta profissão, quer na componente humana do ensino, quer no desafio intelectual que a investigação comporta, quer ainda na ampla liberdade intelectual que permite - condição fundamental da criatividade -, encerra em si um desafio profissional extremamente sedutor!
Esta valorização da imagem social é, portanto, um objectivo sindical central desta profissão, que depende drasticamente, entre outros factores, do modo como os seus profissionais desempenham as suas funções, de como se relacionam entre si e com outras comunidades de interesses com que interactuam (alunos, sociedade, indústria, poder político). Na minha opinião, compete a cada profissão encontrar as regras de convivência, quer interna quer com os actores circundantes da mesma, sem que haja ?ordem? ou imposição exterior de qualquer colégio de iluminados, convertidos em ?guardiões do templo? pela sua própria autoridade, sancionada eventualmente pelo poder político. Defendo portanto a auto-regulação da ética (ou deontologia) profissional, sem intervenção dos poderes instalados, no âmbito das organizações representativas dos agentes de cada profissão (neste caso, os sindicatos). E remeto para as arbitragens e os tribunais a resolução dos conflitos e incumprimentos denunciados, como nas restantes actividades humanas! Mais ainda, não aceito de boa mente a situação actual de verdadeiros tribunais excepcionais das ?ordens?, em que as garantias de defesa poderão ser escamoteadas? e recordo-me sempre da actuação da ?Ordem dos Sábios? da altura (chamava-se ?Inquisição??), relativamente aos outros sábios como Galileu ? que são os que ficaram na História como tal! -, na tentativa de influenciarem o movimento solar? com o sucesso conhecido!
Não? este é um domínio da actividade humana demasiado importante para poder ser deixado apenas à discricionariedade de uma ?corporação?? somos todos responsáveis. É a tal condição da liberdade intelectual?
E portanto, quanto mais clara e transparente for a actuação dos profissionais de certo sector, melhor o público em geral pode apreciar o seu desempenho? e maior valorização estes profissionais adquirem face à sociedade! E lembre-se aqui que a imagem que todas as sondagens dão da generalidade dos professores (cerca de ? com imagem positiva!) é bem lisonjeira, a par dos médicos, pese embora a campanha denegridora que a classe política - com bem pior imagem! - lhes tem feito. É que, no fundo, todos acabamos por reconhecer o muito que aprendemos com os nossos professores, dos quais guardámos sobretudo a imagem valorizante dos que nos ajudaram a crescer como seres humanos, e benevolamente esquecemos os que nada nos acrescentaram!
Há que reconhecer como tarefa aglutinadora da actividade sindical do futuro a perspectiva ética da auto-regulação das actuações profissionais, na sua dupla face dos direitos e dos deveres dos docentes e investigadores do Ensino Superior (que vai muito para além dos aspectos estritamente regulados em diplomas legais). O Departamento do Ensino Superior e Investigação da FENPROF lançou timidamente este debate, que significa uma alteração do paradigma da centralidade sindical no sector, mas que muitos de nós, profissionais deste ?ofício?, há muito reivindicamos.
E foi face às ?resistências? encontradas e aos anátemas lançados que me pus a questionar? se a manutenção de formas de organização e actividade sindicais centradas em ?eternos? dirigentes, há muito afastados dos seus reais postos de trabalho, rodeados de um ?corpo de intervenção? apenas mobilizável em termos pseudo-reivindicativos, não se revelará já uma actividade esgotada no tempo, com o desaparecimento dos actuais dirigentes? e não será responsável pela desafectação quase total das camadas mais jovens por este tipo de associações, tais como sindicatos e partidos, cujas formas organizativas aliás são idênticas? Eu sei que ? feliz? ou infelizmente?... ? vai havendo arrogância, estupidez e incompetência quanto baste no Ministério que vai dando razão a este tipo de respostas sindicais, e servindo de ?balão de oxigénio? à persistência deste tipo de prioridades? Mas que iremos inventar um dia que o Ministério sempre se resolva a ser competente a colocar professores, em carreiras minimamente estáveis e aceitavelmente remuneradas à escala do país que somos, e não tenha diariamente   a obsessão de culpabilizar os professores pelos desmandos do sistema educativo? mas procure, com sinceridade, a nossa colaboração de profissionais do sector para ajudar a resolvê-los?? Teríamos de nos ver livres imediatamente de tal tutela? que nos esvaziaria rapidamente este tipo de sindicalismo que estamos habituados a fazer! Mantemos um sindicalismo de ?funcionários sindicais? ? sem qualquer menosprezo pelo seu abnegado trabalho em favor dos colegas, que muitas vezes nem isso reconhecem, e por reais vitórias obtidas! ? sem perspectivas de reconversão futura, para a qual nem sequer existe reflexão interna? é o activismo pelo puro activismo, sem renovação geracional, que conduzirá inevitavelmente, dentro de alguns anos, a manter apenas um vigoroso sector sindical para os reformados!
Estou convencido de que este envelhecimento não é uma fatalidade, que a disponibilidade e acção empenhada de muitos colegas pode ter mais sentido e melhor utilidade do que o horizonte actual deixa prever, que a actractividade das nossas carreiras ? e até mesmo da nossa actividade sindical! ? será muito melhor servida se combinarmos a actividade reivindicativa (que temos de manter sempre face a Ministérios do calibre dos actuais), com uma visão, também ética, do futuro da nossa profissão, das condições interpessoais e interprofissionais a desenvolver. E se conseguirmos assim garantir a valorização real da nossa actividade profissional, atrairemos a esta camadas jovens, teremos o apoio e reconhecimento da comunidade em geral? que serão a melhor garantia face a ataques e irresponsabilidades de Governos como o actual.
E é por isso que acho que vale a pena esta discussão, quer dentro quer fora dos sindicatos? e daí tentar provocá-la!
SER PROFESSOR, É UMA PROFISSÃO DE QUE ME ORGULHO!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 136
Ano 13, Julho 2004

Autoria:

Manuel Pereira dos Santos
Professor Catedrático da Univ. de Évora
Manuel Pereira dos Santos
Professor Catedrático da Univ. de Évora

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