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Um percurso desajustado

FORMAÇÃO CONTÍNUA

E cada vez que são anunciadas alterações no sistema educativo, sentem-se as pressões administrativas e políticas para que as inovações sejam implementadas com maior velocidade na esperança que os seus resultados se tornem visíveis na opinião pública.

A formação contínua de professores tem sido mais falada pelo lado do problema do que pelo lado da solução. As abordagens à formação contínua resultantes de uma tentativa de transferência da culpa da ineficiência do sistema educativo para os professores e para as escolas evidenciam essa forma de olhar a temática. O objectivo é fazer com que os holofotes da opinião publicada se dirijam para os professores e escolas visando demonstrar que é lá que se encontra a (in)competência, desviando desse modo a atenção do grande público da (in)acção política. Refiro-me ao empolamento dos resultados das provas aferidas, à publicação dos resultados dos exames nacionais e a respectiva ordenação das escolas, às incríveis histórias que a qualidade dos manuais escolares suscitaram, ao processo de colocação dos professores nas escolas, etc.
São exemplos deste tipo que produzem efeitos, porventura irreparáveis, na imagem social do professor. E cada vez que são anunciadas alterações no sistema educativo, sentem-se as pressões administrativas e políticas para que as inovações sejam implementadas com maior velocidade na esperança que os seus resultados se tornem visíveis na opinião pública. Esta obstinação pela rentabilização política das reformas ou dos pequenos ajustamentos estruturais não tem permitido aprofundar as causas profundas dos problemas que fazem definhar o sistema educativo.
A formação contínua de professores acaba por sofrer os efeitos da catarse do sistema suscitada por ministros que se acham "sabedores" e que se gabam da sua imunidade às influências corporativas. Misturam-se no mesmo saco as questões relacionadas com o sistema de avaliação dos docentes (que decorrem da acumulação de unidades de crédito atribuídos nas acções de formação), com a redefinição do modelo de financiamento dos centros de formação (as verbas devem ser transferidas directamente para as escolas e não, como até agora, para os centros de formação?) e, simultaneamente, com os resultados de investigação que surge no âmbito da avaliação da formação contínua.
Fica claro que não pretendo desvalorizar nenhum destes elementos. O que acontece é que, na minha perspectiva, urge separar as questões relativas à promoção da qualidade do ensino (onde incluo a formação contínua) dos problemas associados à avaliação do desempenho dos professores (com destaque para os requisitos para a progressão na carreira docente).
Um dado inquestionável é que a formação contínua dos professores tem tido uma natureza fragmentada. Como referem Fullan e Hargreaves (2001)[1], muitas das iniciativas da formação contínua tratam o professor como um ser parcial, não como um todo. São iniciativas impostas do topo para a base, ignoram as diferentes necessidades dos docentes e desprezam os anos de experiência, o género, o estádio da carreira e da vida dos professores.
Todos sabemos que é este o panorama em que se desenvolve a formação contínua dos docentes. É nesta medida que aguardo pelas iniciativas situadas de formação contínua. Desejava ver adoptado um quadro de referência que incorporasse estes aspectos: os propósitos do professor, a sua pessoa, o seu contexto e a sua cultura de ensino. Há que perceber que tipo de contexto tem maior probabilidade de apoiar o crescimento e o desenvolvimento do professor tendo em conta as suas intenções através do respeito pela sua pessoa, fazendo com que os docentes tenham a capacidade de responder aos desafios suscitados pelo ambiente mais global. Há que cuidar dos contextos, das formas de liderança e das relações de trabalho que promovem uma determinada cultura de ensino. Os professores são integrais e necessitam de escolas integrais para se desenvolverem e aperfeiçoarem. Se a formação contínua dos docentes ficar indiferente a esta evidência, corre o risco de se esvaziar de sentido, tornando-se prescindível. E enquanto não houver vontade de corrigir esta trajectória continuaremos a caminhar em sentido contrário. Neste trajecto desajustado, anseio que o percurso seja circular para que o tempo nos ofereça uma segunda oportunidade.


  
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Edição:

N.º 135
Ano 13, Junho 2004

Autoria:

Miguel Pinto
Professor, Mestre em Ciências do Desporto
Miguel Pinto
Professor, Mestre em Ciências do Desporto

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