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Uma escola onde há o básico

VISITA AO 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO

É comum ouvir dizer que no 1º ciclo do Ensino Básico se constrói a base das aprendizagens futuras. A importância deste patamar do saber nunca foi contestada. Nem poderá ser. Mas será que o reconhecimento dos discursos encontra correspondência nas escolas? A PÁGINA inicia com esta uma série de reportagens sobre este grau de ensino. Se nos quer na sua escola contacte-nos. Nesta edição visitamos a Escola Básica 1 nº 4, no Porto.

As professoras da EB 1 nº 4 do Porto estão preocupadas com o futuro do seu estabelecimento de ensino. E nem a visita à escola do Presidente da República, durante a semana da educação, as sossegou. Embora a presença de Jorge Sampaio tenha começado a dar frutos ainda este não tinha posto os seus pés no recinto. A uma hora e meia da entrada da comitiva presidencial a autarquia mandava colocar uma placa na escola a anunciar que esta se encontrava em fase de requalificação. Bem necessária. Em finais de Junho estará para obras. Até lá, e já que pusemos a mão na massa, comecemos por falar de pequenas reparações.


?Arranjas tu ou arranjo eu??

Se a dobradiça da porta de uma sala emperra, se uma bola parte o vidro da janela, se a fechadura de um armário deixa de abrir e fechar, a escola, obviamente, não fecha. Na verdade, estes são incidentes de qualquer quotidiano escolar. De solução tão fácil que ninguém daria por eles não fosse o ?arranjas tu ou arranjo eu?? que suscitam entre autarquia e junta de freguesia. Grandes concertos para o primeiro. Pequenos para o segundo. E quando a linha que separa uns e outros não é consensual haja paciência entre as professoras para aguentar o ping pong dos telefonemas entre edilidades. Ainda assim, fossem estes os únicos problemas com que se debate esta, e ao que temos visto, muitas outras escolas do 1º ciclo e até serviriam de caricatura. Mas não.
No ano lectivo que agora termina a Escola Básica de 1º ciclo nº 4 contou com 260 alunos e um orçamento anual para material de 300 euros. Ora se a matemática não falha por cada aluno a escola teve 1,15 euros para ?gastar? em cartolina, lápis de cor, colas e outros materiais didácticos. Restou a compreensão dos encarregados de educação e a benevolência das professoras para desencantar o que foi sendo preciso. Há material que alguns pais, com mais possibilidades, compram e vai dando para todos usarem? Há a professora que vai fazer as compras de casa ao supermercado e mete uma caixa de lápis para a turma no orçamento familiar. Mas há também uma indignação que teima em denunciar que ?não devia ser assim?. Alias, garantem as professoras, a escola já viveu mais desafogada. Por exemplo, ?no tempo em que a Câmara Municipal do Porto pertencia ao Partido Socialista e o orçamento anual era de 1500 euros?, recorda Olga Oliveira, professora do Ensino Especial.


Perda de autonomia I

Uma das maiores frustrações do corpo docente da EB 1 nº 4 é o que dizem ser a ?perda de autonomia? resultante da integração do estabelecimento de ensino num agrupamento vertical. A começar pela dependência administrativa e financeira em relação à sede de agrupamento, a Escola Básica 2+3 de Augusto Gil. Quando a escola dispunha de orçamento anual que era aprovado, cabia ao Conselho Pedagógico estipular o dinheiro a gastar para a execução de cada item do projecto educativo. Actualmente não existe um orçamento na escola, cabe à sede a função de gerir o orçamento de todas as escolas do agrupamento. Assim, para obter o que necessita a escola é forçada a fazer sucessivas requisições à sede de agrupamento, seja de material didáctico ou de limpeza. ?Se eles acharem que é demais, cortam!?, protesta Julieta Moutinho, coordenadora de estabelecimento de ensino. Sucedem-se os desabafos: ?acaba o tonner da fotocopiadora, ficamos uma semana sem fotocópias?, ?é preciso usar uma cartolina não planeada numa aula, não há material de reserva na escola?, ?não há verbas para visitas de estudo? e pior, ?como dependemos de uma entidade externa à escola nunca sabemos se estamos a gastar a mais ou não.? O cenário suscita um desabafo colectivo: ?Temos de andar sempre a mendigar?? Mas esta ?perda de autonomia? não se ficará pela face administrativa. Para o próximo ano lectivo ela poderá vir a ser também pedagógica.


Perda de autonomia II

Quando os agrupamentos verticais se formam, as Escolas Básicas do 1º ciclo, que já estavam organizadas em agrupamentos horizontais, algumas há seis anos, perdem a pouca autonomia que estavam a começar a conquistar. Autonomia ao nível dos currículos e do projecto educativo, prevista na lei.
A EB 1 nº 4 também experimentou esse sopro de autonomia quando há três anos se agrupou voluntariamente com a EB 1 nº 5 e o Jardim-de-infância da Junta de Freguesia do Bonfim, no Porto. Agora, o trio manterá a sua dinâmica organizacional até ao fim deste ano lectivo. Depois, o Conselho Pedagógico que as une será diluído num outro que englobará todas as escolas do agrupamento vertical. O mesmo acontecerá ao projecto pedagógico até agora delineado a três. Estas alterações segundo as professoras podem pôr em causa o trabalho de grupo desenvolvido. Este é o seu maior receio.


Doença crónica

A falta de investimento é a doença crónica do 1º ciclo do Ensino Básico. Não é novidade mas é um contra-senso uma vez reconhecida que está a importância deste patamar do saber. Neste aspecto, a EB 1 nº 4 não é excepção. Por ano, a escola estima perder cerca de vinte inscrições de alunos relativamente ao número anterior. A razão, garante Julieta Moutinho, é apenas uma: ?Muitos pais colocam os filhos no ensino privado porque nele encontram uma oferta extra curricular com a garantia do prolongamento de horário?. O mesmo poderia existir no ensino público, defende a coordenadora de estabelecimento de ensino, ?bastava que o Estado canalizasse os professores desempregados para a concretização dessas actividades?.
Outro dos cenários ?perfeitamente possíveis?, para aumentar a oferta educativa do ensino público seria o prolongamento de horários na escola pública, através da criação de ATLs. Uma valência prevista no projecto curricular da EB1 nº 4. Mas cuja concretização esbarrou em muitas barreiras financeiras, garantem as professoras. Sendo a maior de todas elas o facto do financiamento do 1º ciclo estar na dependência do orçamento das autarquias e não do Ministério da Educação. Uma situação que escapa à compreensão destas professoras. Mas existem outras: ?Porquê é que as escolas não são financiadas de acordo com o número de alunos??, ?Como é possível a autarquia do Porto só disponibilizar uma camioneta, de 50 lugares, por trimestre, para visitas de estudo numa escola onde existem 260 alunos?? Os problemas foram identificados. Aguardam-se soluções.
Depois desta visita é convicção nossa que o corpo docente da EB1 nº 4 sabe o que quer e para onde quer ir. É pena que a sua  autonomia continue uma miragem. Apesar das dificuldades, nesta escola, ensina-se, trocam-se opiniões, debate-se e aprende-se e as crianças andam felizes. As dificuldades aqui referidas não serão exclusivas desta escola. Veremos o que encontraremos noutras.
A redacção da PÁGINA contactou outras escolas do 1º ciclo na cidade do Porto. Estranhamente, dois dos corpos docentes contactados, depois de consultas à hierarquia, recusaram-se a receber o jornal. Sentimos nessas docentes um receio inexplicável em prestar declarações. Um receio que nos deixa preplexos. Medo de quê? E de quem? É que a liberdade de ensinar e de aprender também passa pela comunicação.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 135
Ano 13, Junho 2004

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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